quarta-feira, 22 de maio de 2013

PÉTALAS AO VENTO

 

Pétalas ao Vento

Há coisas em mim
que não resistem à pressa
delicadezas que se soltam
como pétalas
ao menor sopro

nem tudo foi feito
pra durar inteiro
algumas belezas vivem
no instante em que passam
e isso basta

carrego no peito
flores que já foram
mas o vento
ainda espalha perfume
de lembrança

não tento mais segurar
o que voa
aprendi que há leveza
em deixar partir

e que pétalas ao vento
ainda fazem primavera
em algum lugar

MAR QUE MORA NO PEITO

 

Mar que Mora no Peito

carrego um mar
sem costa nem mapa
que bate em ondas calmas
ou se agita sem razão

não se vê na superfície
mas se ouve —
num silêncio molhado
que molha os olhos

esse mar em mim
não tem fim nem fundo
tem memórias afundadas
tem correntezas que voltam
mesmo quando já foram

às vezes sou barquinho
às vezes naufrágio
às vezes farol

mas sempre,
o mar mora aqui

e mesmo quando tudo seca,
mesmo quando a alma racha,
ele pulsa —
salgado e vivo
feito verdade

é no peito que ele habita
como se minha carne fosse areia
e minha respiração, maré

O ABISMO EM MIM

 

O Abismo em Mim

há um lugar dentro
que não tem chão
nem nome
nem eco

não é tristeza,
é mais fundo que isso
é o que sobra
quando o mundo desliga

os outros veem pele,
sorrisos alinhados
mas não veem
o buraco onde caio
com os olhos abertos

há dias em que converso
com esse abismo
e ele responde —
com silêncio

não peço que passe
mas que passe por mim
como o vento que atravessa
e não se explica

às vezes
o abismo em mim
me escreve versos
que ninguém entende
mas me salvam

quarta-feira, 15 de maio de 2013

PAUSA PARA REVER O TEMPO

 PAUSA PARA REVER O TEMPO

doía
como se cada dobra do corpo
fosse um cotovelo encostado no vazio —
e o vazio, só meu.

o carro dormia
desligado à beira do farol
onde a pressa dos outros
era um espetáculo de partidas.

do meu posto quieto
entre o vidro e o tempo
via multidões se lançarem
como se os sinais soubessem tudo
menos o que é ficar.

tudo ali era pressa:
as pernas, os passos, os olhos baixos.
menos eu,
que era pausa
e lembrança.

havia um peso sem nome,
um suspiro sem medicina,
um querer de colo, de travesseiro antigo,
de casa de antes.

queria recomeçar
como quem chega de viagem
e encontra a porta entreaberta
com cheiro de pão e perdão.

queria que os dias
fossem assim —
sem as cores de comando dos semáforos,
sem as urgências que atropelam.

queria,
acima de tudo,
vislumbrar teu rosto de novo,
e esse teu gesto silencioso
que me pediu um tempo,
uma pausa —
sem dizer se era fim
ou volta.