domingo, 24 de maio de 2020

ESCOLHI A PALAVRA COMO DEFESA PESSOAL

 

Escolhi a palavra como defesa pessoal

Escolhi a palavra
como quem escolhe um abrigo no meio da rua,
sem chave, sem teto,
mas com um nome.

Escolhi a palavra
como quem aponta um lápis contra o medo,
sem ponta,
mas com coragem.

Escolhi a palavra
não para ferir,
mas para sobreviver às manhãs lentas,
às conversas suspensas,
às ausências longas.

A palavra me defende
quando me perguntam o que sinto —
e eu não sei.
Mas escrevo.

Quando me acusam de silêncio,
eu rabisco.
Quando me esquecem,
eu invento lembranças.

E se me caem promessas vencidas,
eu as refaço em poema,
com um ponto final bem posicionado.

Escolhi a palavra
porque o corpo, às vezes, falha.
Porque a voz, às vezes, treme.
Mas a palavra, não:
ela se recompõe sozinha,
mesmo ferida,
mesmo lida por engano.

A palavra é minha espada sem lâmina,
minha reza sem igreja,
minha linha de frente
num mundo que não escuta.

Escolhi a palavra
como defesa pessoal.
E, com ela,
vivo.

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