domingo, 2 de setembro de 2012

DANÇA DOS ARABESCOS

 

Dança dos Arabescos

Eu via a vida em linhas retas, duras,

Um desenho funcional, sem desvios.

Cada esquina, um ângulo reto, preciso,

Sem espaço para o que não fosse direto.

A beleza, para mim, estava na clareza,

Na ausência de qualquer mistério.

 

Até que meus olhos encontraram os seus,

E você era um emaranhado de mistério e graça.

Seu sorriso, um arabesco perfeito,

Curvas que se entrelaçavam, sem começo ou fim.

Sua fala, um murmúrio de voltas e reviravoltas,

Que me puxava para um labirinto doce.

 

E foi assim que aprendi a amar os arabescos.

A beleza do que se dobra, do que se enrola,

Do que não segue uma lógica cartesiana.

No seu jeito de ser, encontrei a arte

Da complexidade que não se explica, se sente.

Aqueles traços que se perdem e se acham,

Em um balé silencioso e hipnotizante.

 

Minha alma, antes uma folha em branco para regras,

Agora quer bordar filigranas, florir em espirais.

Os arabescos se tornaram minha nova caligrafia,

Um modo de ver o mundo, de viver o tempo.

Com você, entendi que a verdade nem sempre é reta,

Às vezes, ela se esconde em curvas e floreios,

Nos desenhos intrincados da vida e do amor.

E eu, que antes os temia,

Gosto muito dos arabescos agora.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

VERSOS BORDADOS EM DIAS COMUNS

 

Versos Bordados em Dias Comuns


Eu me sento à mesa da cozinha,

o café esfriando na caneca,

e o sol da manhã tecendo padrões de luz

sobre a madeira.

É um dia comum, como tantos outros.

Não há grandes dramas, nem revelações cósmicas.

Apenas o ritmo suave da existência se desenrolando.

 

Eu observo as migalhas na toalha,

as marcas de dedos no copo,

e penso nos pequenos atos que compõem a vida.

O estender da roupa no varal,

o regar das plantas na janela,

o som do vizinho que assobia

uma melodia despretensiosa.

Nesses gestos simples, eu encontro poesia.

 

É como se cada minuto fosse um fio,

e eu, sem perceber, estivesse bordando a tapeçaria dos meus dias.

Um ponto para a conversa rápida com a senhora da padaria,

outro para o sorriso de uma criança desconhecida na rua.

Há fios de paciência, quando a espera se estende,

e fios de alegria, nos momentos de riso espontâneo.

 

Eu respiro fundo,

sinto o cheiro do sabão das mãos,

o cheiro da vida que se faz em detalhes.

Não preciso de grandes eventos para me sentir pleno.

A beleza está na repetição,

na constância das pequenas coisas que me ancoram.

No cheiro de terra depois da chuva,

no calor de um abraço rápido.

 

Minha alma encontra conforto

nesta simplicidade tecida em rotina.

Os versos se formam na mente,

não em rimas perfeitas,

mas na cadência do meu próprio pulsar.

E eu percebo que a vida não precisa ser extraordinária

para ser profundamente poética.

Basta que eu aprenda a ver,

a sentir,

a bordar.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A VOZ QUE SEMPRE FOI MINHA

 

A Voz Que Sempre Foi Minha

 

Busquei em tantos espelhos,

em ecos de outras falas,

a melodia que me definisse.

Colecionei máscaras, vesti papéis,

mas nenhuma roupagem servia.

 

Perdi-me em coros alheios,

caminhei por trilhas que não eram minhas,

e o silêncio da verdade

ficava cada vez mais denso.

 

Até que, no fundo do poço da busca,

quando desisti de encontrar,

eu a ouvi.

Não era um sussurro novo,

mas um rugido antigo,

esquecido sob camadas de medo

e expectativas.

 

Era a nota bruta,

o timbre sem filtro,

a canção que a alma cantava

antes mesmo de aprender a respirar.

A liberdade estava ali,

na ressonância desse som primordial,

que me lembrava quem sou

quando o mundo tenta me calar.

 

E agora, não há mais busca,

apenas a potência do meu próprio som,

a voz que sempre foi minha,

esperando o momento de ser ouvido,

finalmente, por mim mesmo.

 


sexta-feira, 15 de junho de 2012

FINALMENTE, O SILÊNCIO ABSOLUTO

 

Finalmente, o Silêncio Absoluto

 

E finalmente, o silêncio absoluto, não o silêncio que esconde, mas o que revela.

Não é ausência de som, mas a ausência de todo o ruído interno,

das perguntas incessantes, das expectativas que pesam.

É a dissolução da própria mente em sua busca incessante,

um ponto de quietude que transcende a percepção.

 

É o fim das oscilações, das dualidades,

o espaço onde a paz não é oposta à inquietação,

mas a única verdade que existe.

Nesse silêncio intocado, tudo se harmoniza,

e o vazio que se auto-preenche encontra sua expressão mais pura,

uma calmaria sem ecos, sem reflexos, apenas ser.

 

PESO DA INCERTEZA

 

Peso da Incerteza

 

E a incerteza, essa névoa densa

que cega os olhos e amarra os pés.

Não é leve, não é passageira,

é um fardo invisível,

uma âncora que arrasta.

 

Pesa no ar que respiro,

cada inspiração, um esforço.

Pesa nos ombros, curvos,

como se levassem o mundo

e todas as suas perguntas sem resposta.

 

É o silêncio das possibilidades,

o sussurro do "e se",

que se torna um grito no vazio.

É o tempo que se arrasta,

uma ampulheta de areia movediça,

onde o futuro não se desenha,

apenas se dissolve.

 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

LABIRINTOS

 

Labirintos

 

Sim. Meu universo interior não é um cômodo vazio onde o eco de um só passo ressoa. É antes um casarão antigo, de portas entreabertas para quartos que não se veem, labirintos de uma consciência que se dobra sobre si mesma. E ali, sentada no limiar de uma das frestas, está a que observa.

 

Ela não julga, não sentencia. Apenas fita, com uma lentidão que a própria eternidade talvez desconheça. Seu olhar, pesado de não-compreensão, desliza sobre os outros que habitam em mim. Há a que chora por uma dor que nunca foi nomeada, a que urra um silêncio insuportável, a que tece fios de ar para prender o que escorre, a que ri sem razão, com uma felicidade quase indecente para a seriedade do ser.

 

E a que observa se assombra. Como podem tantas vozes coexistir neste corpo, nesta mente que se diz "eu"? Que arquitetura insólita é essa que permite o contraditório, o avesso e o verso, sem que tudo exploda num caos de significados? A cada movimento de um desses habitantes secretos, um tremor percorre a que observa, um arrepio de reconhecimento e, ao mesmo tempo, de completa estranheza.

 

Ela não entende a lógica de suas danças, a melodia de seus murmúrios. Vê-os surgir do nada, tomarem o palco da alma por um instante e depois se recolherem às sombras, talvez para sempre, talvez para um retorno súbito. E nesse movimento de vaivém, a que observa sente o pavor gélido da descoberta: que o "eu" é uma multidão, um ajuntamento de estrangeiros com os quais nunca se fez as pazes. E que, talvez, a única verdade seja esse perpétuo e assombroso estrangeirismo de si mesma.

terça-feira, 22 de maio de 2012

CHUVA EM VERSO LIVRE

 

Chuva em Verso Livre

não chove só do céu —
às vezes desaba
de dentro pra fora

pingos escorrem das palavras
quando não sei mais dizer
onde começa o corpo
e termina o sentir

há trovões entre estrofes
relâmpagos entre vírgulas
e uma enxurrada de silêncio
lavando o que fui ontem

me deixo molhar inteiro
não por falta de abrigo
mas porque cada gota
escreve algo em mim

chuva não tem rima fixa
verso também não
ambos escorrem soltos
no tempo de existir

e se amanhã fizer sol
ainda assim serei chuva
em verso livre

SUSSURROS DA CIDADE

 

Sussurros da Cidade

As ruas falam em murmúrios,
cada esquina uma história esquecida,
o asfalto quente guarda segredos,
de amores que nasceram e se perderam.

Nos becos, a arte grita em grafites,
cores vibrantes que dançam na luz,
enquanto os passos apressados ecoam,
como batidas de um coração urbano.

O café exala aromas de encontro,
risadas se misturam ao som do trânsito,
e entre os prédios que tocam o céu,
há um espaço para sonhos e esperanças.

À noite, as lâmpadas piscam como estrelas,
sussurrando promessas àqueles que escutam;
as vozes se entrelaçam em canções,
música da vida que nunca se apaga.

E assim a cidade respira,
um organismo pulsante de histórias vivas,
onde cada sussurro é uma nota,
na sinfonia eterna do cotidiano.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

MARÉS E AREIAS

 

Marés e Areias

 

Havia uma urgência em cada passo,

Uma pressa em conquistar, em reter.

Eu colecionava instantes como quem guarda joias,

Achando que a força do querer detinha o fluxo.

O futuro era um castelo, o presente, sua construção.

 

Mas a vida, em sua sabedoria silenciosa,

Sussurrava verdades pelas frestas.

Tudo leva tempo.

A semente se faz flor no seu compasso,

A montanha se ergue em milênios de paciência.

Cada riso, cada lágrima, cada entendimento,

Tem sua própria maré para subir e descer.

 

E então, o reverso da mesma moeda:

O tempo leva tudo.

Leva a euforia do auge, a dor do adeus,

O brilho intenso das promessas,

O peso das mágoas mais antigas.

Transforma faces, amacia as dores,

Desfaz o que parecia imutável como areia na correnteza.

 

É a dualidade inescapável da existência.

O tempo que constrói com fibra e delicadeza,

É o mesmo que dissolve, que transforma, que liberta.

A grande lição não está em lutar contra seu curso,

Mas em aprender a surfar em suas ondas.

A aceitar que o que fica, fica com outra forma,

E o que se vai, deixa um espaço para o novo.

 

Não é sobre perder, mas sobre o eterno fluir.

Tudo leva tempo, para ser e para se tornar.

E no final, o tempo leva tudo,

Mas deixa a essência, a alma da experiência,

Gravada na memória de quem aprendeu

A dançar com a sua inexorável passagem.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A POESIA ESCONDIDA NO CAFÉ DA MANHÃ

 A Poesia Escondida no Café da Manhã


Eu acordo e o sol já espia pela janela,

um filete dourado sobre o tapete.

O cheiro do café coando,

um perfume morno e convidativo,

já preenche o ar da cozinha.

É o início.

É o primeiro verso do dia.

 

Eu pego a caneca preferida,

pesada e familiar nas minhas mãos.

O vapor que se eleva,

desenha nuvens efêmeras no ar frio da manhã.

Eu adiciono o açúcar, o leite,

cada movimento, um ritual.

Sinto o calor na palma,

a promessa de um despertar.

 

A primeira golada,

um amargo suave que se espalha,

despertando os sentidos adormecidos.

O crocante da torrada,

o doce da geleia,

cada textura, cada sabor,

um pequeno milagre no paladar.

Não é apenas alimento,

é o alimento da alma.

 

Eu observo as bolhas na superfície do café,

o reflexo distorcido do meu próprio rosto.

Nesse momento de quietude,

eu me reconecto.

Com o presente, com o simples fato de existir.

Não há pressa, não há urgência.

Apenas o fluxo lento da vida se desdobrando,

colher por colher, gole por gole.

 

A poesia não está nos grandes feitos,

mas nos detalhes quase invisíveis.

No barulho suave da colher batendo na porcelana,

na luz que dança na xícara,

na paz que inunda a casa antes que o mundo acorde.

É a oração silenciosa do novo dia,

escrita no vapor que sobe,

na energia que se renova,

na poesia escondida no café da manhã