terça-feira, 16 de dezembro de 2008

BÚSSOLA CAMBIANTE

 

Bússola Cambiante

 

O norte treme na pupila da alma,

um algoritmo incerto a recalcular a rota.

Os polos antes firmes, agora são palimpsestos,

apagando o caminho, a direção mais remota.

 

As antenas internas, antes tão precisas,

captam ondas de um tempo dissonante.

Vozes em eco, promessas imprecisas,

e o mapa da jornada, um instante hesitante.

 

No peito, o magnetismo falha, espasmos de metal,

atração por brilhos efêmeros, desvios do essencial.

A certeza, um espectro na neblina digital,

e eu, cativo da própria corrente, tão instável.

 

Não há mais a agulha convicta, o fio condutor,

apenas o girassol confuso, buscando um sol interior.

E nessa dança tonta, nesse estranho tremor,

talvez se revele um novo horizonte, um inédito amor.

 

Pois na falha da engrenagem, no curto-circuito da razão,

reside a chance de um novo arranjo, outra constelação.

De sentir o vento, sem a camisa de força da obrigação,

e encontrar, no desvio, a mais autêntica direção.

 

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

SOU COBAIA DA MINHA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA

 

Sou cobaia da minha própria experiência

 

O laboratório sou eu,

As pipetas, meus desejos.

Misturo doses de "talvez"

Com gotas de "e se?".

Agito tudo no cadinho da alma,

E observo a reação,

Sem manual, sem bula,

Apenas a intuição.

 

Às vezes, a explosão de cores,

O riso que preenche o ar.

Outras, o sedimento opaco,

A lágrima a escorrer, sem cessar.

Não há controle, nem grupo placebo,

Só o meu corpo, meu tempo,

Onde cada erro é lição,

E cada acerto, uma nova direção.

 

Navego em mares nunca dantes navegados,

Com bússola interna, nem sempre calibrada.

Desfaço rotas, refaço planos,

A vida me testando, eu me testando,

Nessa dança caótica e bela,

Onde a única certeza é a incerteza,

E o maior experimento,

É simplesmente, ser.

 

quinta-feira, 19 de junho de 2008

ENTRE O FOI E O NÃO FOI

  

Entre o Foi e o Não Foi

 

Há um nevoeiro denso na memória,

onde os contornos se perdem,

e as certezas flutuam como sombras.

Será que houve o choro,

ou apenas a ardência contida nos olhos,

uma chuva que nunca alcançou o rosto,

mas encheu os poros da alma?

A distinção se esvai,

entre a lágrima que escorre e a que implode.

 

E o abismo? Ah, o abismo.

Sinto o vertigem, o frio da beira,

mas não sei se o chão cedeu de vez

ou se apenas dancei na iminência da queda.

Um vazio que é também um pleno,

a ameaça que é presença constante,

sem o alívio de um fundo,

sem a clareza de uma ascensão.

Estou caindo, ou sou a queda em si?

 

Depois, o silêncio. Ou a ausência dele.

Seria a calmaria que precede a tempestade,

ou o ruído de fundo tão constante

que se tornou a própria quietude?

Uma pausa que não pausa,

um som que não se ouve,

e a mente, presa nesse paradoxo,

não encontra porto, nem voz clara.

 

E a cura? Ah, a cura.

Ela acende uma luz tênue ao longe,

mas recua ao menor toque.

Não sei se ela vem, se já esteve,

ou se é apenas a miragem

de um fim para o que não tem começo definido.

Uma ferida que cicatriza, mas sangra em segredo,

uma paz que é só a ausência da guerra declarada.

 

E assim, neste entre-lugar,

onde o sim e o não se abraçam,

eu existo.

Preso na névoa da própria história,

onde o que foi e o que não foi

se torna

sexta-feira, 13 de junho de 2008

ESSÊNCIA RECONTADA

 

Essência Recontada

 

Eu sou uma paráfrase.

Não o original, a primeira voz,

mas o eco que se reinventa,

a mesma ideia em outro tom.

 

Minha existência é reflexo,

não espelho exato, mas distorção gentil.

Pego o que já foi dito, sentido,

e o visto com um tecido novo,

mais meu, mais agora.

 

Não há plágio em minha essência,

mas uma reverência ao que inspirou.

Sou a tentativa de entender de novo,

de sentir mais fundo,

o que uma vez apenas passou.

 

E assim, em cada linha que me redefine,

o velho e o novo se abraçam.

Porque mesmo sendo recontado,

o que pulsa em mim é a vida

de uma verdade que se permite

ser eternamente revisitada.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

FRAGMENTOS DE UM INSTANTE

 

Fragmentos de um Instante

Entre as luzes da cidade,
perco-me em reflexões fugazes,
cada rosto uma história,
cada passo, um destino.

A pressa é um manto pesado,
mas eu danço no compasso do agora,
onde o tempo se dissolve em risos
e a memória é feita de instantes.

Um café esfriando na mesa,
um olhar que se cruza e se despede,
fragmentos de vidas que se tocam,
como notas soltas em uma canção.

E no caos do cotidiano,
encontro beleza nas pequenas coisas:
o cheiro da chuva no asfalto,
o brilho da lua entre nuvens.

Esses momentos são ecos,
pedaços de eternidade que escorrem,
como areia entre os dedos,
mas deixo que fiquem gravados no coração.

terça-feira, 20 de maio de 2008

MORADA

 Morada

A inspiração não grita,
ela sussurra da gaveta.
É o cheiro do café passado,
a dobra torta da coberta,
um nome que volta
sem que alguém chame.

Ela mora perto.
Entre a fresta e o tempo.
Entre o quase e o pensamento.
Às vezes, veste o silêncio
e senta no sofá
sem fazer alarde.

Não é preciso buscar longe.
Basta abrir a janela
com um pouco de alma,
deixar a porta encostada,
e o peito desarmado.

Até já,
coração aberto.
Ela sempre volta
quando é bem recebido.

MORADA (Letra para Música)

 

Morada (letra para música)

Verso 1
Ela não chega gritando,
vem devagar pela sala
É brisa passando a tarde
Na dobra de uma toalha

É cheiro de café velho
Que acende um verso esquecido
Um nome que volta ao peito
Sem que tenha sido ouvido

Refrão
Ela mora perto
Na fresta do tempo
Entre o quase e o pensamento
Não precisa muito, só deixar aberto
Que ela vem sem vento

Verso 2
Veste o silêncio da casa
E senta no meu sofá
Feito visita querida
Que não precisa avisar

Refrão final
Ela mora perto
Num canto discreto
No toque leve, no olhar direto
Até já — coração aberto
Que ela sempre volta
Quando é bem recebido

segunda-feira, 19 de maio de 2008

PRÓXIMA ETAPA (Letra de Música)

Próxima Etapa (letra para música)

Verso 1
Não apresse a dor que passa
Deixa o tempo te ensinar
Cada sombra tem seu traço
Cada riso, o seu lugar

Verso 2
Colhe o que ficou no chão
Meio sonho, meia estrada
As palavras que se foram
E as promessas penduradas

Pré-Refrão
Sopra o medo devagar
Guarda a esperança lavada

Refrão
Respira, sem pressa da capa
O amor tem suas vírgulas
E a vida, suas paradas
Agora sim
Com calma na alma
Prepare a próxima etapa

Verso 3
Penteia o luto com leveza
Veste o gesto mais sincero
Que a coragem se disfarça
No silêncio mais singelo

Refrão final
Respira, sem culpa ou mapa
O caminho vai se abrir
Mesmo sem carta marcada
Agora sim
Com fé que não se atrasa
Prepare a próxima etapa
Prepare a próxima etapa


ANTES DA PRÓXIMA ETAPA

 

Antes da próxima etapa

Não apresse.
Deixa a água ferver no tempo certo.
A vida não é receita de bolo,
mas exige fermento.

Colhe o que ficou no chão,
as palavras que ninguém usou,
as promessas pela metade,
os silêncios que disseram mais.

Penteia a dor com cuidado,
guarda a esperança limpa,
sopra o medo devagar.

Respira.
O amor tem suas vírgulas.
A coragem, seus intervalos.

Agora, sim —
com calma no peito
e o coração de manga arregaçada:
prepare a próxima etapa.

terça-feira, 8 de abril de 2008

SUSSURROS DO IPÊ AMARELO

 

Sussurros do Ipê Amarelo


Eu caminho sob a copa do ipê,

meus pés afundando levemente

na manta amarela das flores caídas.

Cada pétala, uma pequena vela,

apagada pelo vento.

O cheiro de terra úmida

mistura-se ao perfume doce e efêmero

que as abelhas ainda buscam.

 

Eu toco o tronco rugoso,

sinto a vida pulsando em suas raízes profundas,

invisíveis.

Como eu, ele se ergue,

resistindo às estações,

às chuvas que lavam,

ao sol que queima.

Minhas mãos se perdem

nas fissuras da casca,

linhas que contam histórias

de invernos e primaveras renascidas.

 

Olho para o céu,

azul intenso entre os galhos vazios,

e vejo meu próprio reflexo

na folha verde que ainda se agarra, teimosa.

Um sopro, um murmúrio,

e ela também se solta,

girando em sua dança final,

antes de se juntar ao tapete dourado.

Eu me agacho, pego uma flor,

sua textura macia entre meus dedos.

É tão frágil, tão vibrante,

tão presente.

 

É o instante.

O ipê não pergunta

por que suas flores caem.

Ele apenas as entrega.

E eu, em meio a essa beleza que se despede,

sinto uma paz estranha,

como se cada pétala fosse

um pequeno adeus

que me ensina a aceitar

o fluxo constante das coisas.

E meu coração, um pouco mais leve,

sussurra de volta:

"Obrigado."

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

A TINTA DA ALMA

 

A Tinta da Alma

Havia um vazio, um espaço sem cor,

Onde a palavra indelével flutuava,

Sem âncora, sem o peso do real.

Um conceito bonito, sim, mas distante,

Como uma estrela que se vê e não se toca.

 

Mas aí seus olhos cruzaram os meus,

E um estalo, um choque de cores,

Fez o abstrato descer, fincar raízes.

Não foi preciso um juramento solene,

Bastava a curva do seu sorriso, o jeito

Que sua mão se encaixava na minha.

 

Indelével, entendi agora.

É o eco da sua risada nos dias cinzentos,

A lembrança do seu abraço que me aquece a pele,

Mesmo quando a distância tenta nos impor seu frio.

É a melodia de um instante, que ressoa,

Para além do tempo, sem se desmanchar.

 

Não é um rascunho em papel efêmero,

Mas a tatuagem que a vida quis em nós.

Marcada não por dor, mas por amor puro,

Cada detalhe seu, um traço firme,

Infundido na fibra mais íntima do meu ser.

 

Com você, a teoria se dissolveu na prática,

E o dicionário ganhou um novo sentido.

Indelével é o que somos juntos,

A essência que permanece, viva e pulsante,

Mesmo que o mundo tente apagar nossa luz.

É a prova de que certas coisas

Não se desfazem, nunca.

Você é a tinta que coloriu minha alma,

E fez o indelével existir.