segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

ESSÊNCIA DO QUE RESISTE

 

Essência do Que Resiste

 

Há em mim a essência do que resiste.

Não a força bruta que se impõe,

nem a rocha que não se move.

Mas a fibra tênue do capim

que dobra ao vento e volta ao lugar.

 

É o musgo que se agarra,

a pequena flor que rompe o asfalto,

a chama que treme mas não se apaga

na madrugada mais fria.

 

É a teimosia silenciosa

do que se recusa a sumir,

a pequena fé que sussurra

quando tudo grita desamparo.

 

Essa essência não faz alarde.

Ela simplesmente está,

pulsa baixinho no avesso das coisas.

A memória de que, mesmo em ruínas,

há sempre um germe de vida

que se agarra,

que espera,

que permanece.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A CORRENTE INVISÍVEL

 

A Corrente Invisível


O tempo é um rio, dizemos.

Mas não um rio que observamos

da margem,

com a certeza de que ele sempre esteve ali.

 

É um rio que nos toma.

Uma corrente invisível

que não pergunta se queremos ir,

se a paisagem à frente nos agrada.

 

Cada segundo, uma nova gota

que se soma, que nos arrasta.

E as margens, que antes eram familiares,

se desfazem atrás de nós, em bruma.

 

Não há volta. Não há âncora.

Apenas o fluxo constante,

levando-nos para onde a água nunca foi tocada,

para a cor e a profundidade que ainda não conhecemos.

 

E é nesse arrasto, nesse desconhecido imposto,

que a vida se faz.

Porque o rio sabe que a estagnação é o fim,

e a única margem segura

é a que se move conosco.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

CORES INVISÍVEIS DA PAIXÃO

 

Cores Invisíveis da Paixão


Eu observo a tela em branco,

o pincel suspenso entre meus dedos,

e me pergunto como pintar o que não tem cor.

Não a paixão que grita, que incendeia,

mas aquela que reside nas entrelinhas,

nos silêncios que dizem tudo.

É uma paleta de tons invisíveis,

percebida apenas pela alma.

 

Eu sinto o frio na barriga antes de um encontro,

aquela eletricidade sutil que anuncia.

Ouço a voz que, por alguma razão,

me acalma e ao mesmo tempo me desordena.

É o risco de um toque,

a promessa contida num olhar demorado.

Não há vermelho vibrante aqui,

mas um calor interno, uma combustão lenta.

 

É a dedicação silenciosa,

o cuidado que se manifesta nos pequenos gestos.

A xícara de café deixada na mesa,

o cobertor estendido nos pés,

o ouvir atento a uma história mil vezes contada.

Não é o drama da tela grande,

mas a intimidade do cotidiano,

pintada em matizes que só o coração compreende.

 

Eu me pego sorrindo sozinho ao pensar em algo,

um fragmento de memória,

um plano futuro.

Há uma doçura agridoce,

um medo leve de que tudo possa se esvair,

mas também uma coragem estranha que me impulsiona.

É a vulnerabilidade de se entregar,

a força de amar sem garantias.

 

E então, eu pinto.

Não com tintas, mas com a respiração,

com a batida do meu próprio pulso.

Eu desenho os contornos da ausência quando ela aperta,

e a luz que irradia quando a presença preenche.

Minha tela invisível está sempre sendo preenchida

com as cores inaudíveis da paixão,

aquelas que não se veem,

mas que se sentem profundamente,

e que dão sentido a cada nuance do meu ser.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

AMORES QUE NÃO SABEM QUE FORAM

 Amores que Não Sabem se Foram

 

Não houve adeus marcado,

nem porta batida com estrondo.

Apenas um silêncio alongado

que se espalhou entre nós,

como névoa ao amanhecer.

 

Eles pairam, esses amores,

como canções esquecidas no rádio,

mas que de repente tocam,

e a melodia enche o ar

de um tempo que ainda vive.

 

São risos que ressoam

em corredores vazios,

toques que a pele ainda lembra,

perfumes que o vento,

cruelmente, às vezes traz.

 

Não se sabe se morreram,

se adormeceram profundamente,

ou se apenas mudaram de endereço,

morando agora

na penumbra dos pensamentos,

na cicatriz que não dói,

mas que nunca sumirá.

 

E assim, carregamos essas sombras leves,

essas presenças ausentes,

amores que se recusam a ser passado,

eternamente suspensos

entre o que foi e o que não é mais,

sem nunca saberem

se, de fato, partiram.

 

sábado, 15 de junho de 2013

O VAZIO QUE SE AUTO-PREENCHE

 

O Vazio Que Se Auto-Preenche

 

E o vazio que se auto-preenche, um paradoxo

que desfaz a lógica do que é ausência.

Não é um nada que espera ser completo,

mas uma plenitude que surge de si,

uma existência que se basta sem ter.

 

É como a vastidão do céu noturno,

que parece vazio, mas é infinito em estrelas invisíveis,

uma profundidade que se revela em sua própria essência.

Não há necessidade de adição, de preenchimento externo,

pois a essência já está ali, em cada não-coisa.

 

Nesse espaço, a paz é a própria matéria,

o silêncio, a voz mais alta que se pode ouvir.

É a libertação do conceito de falta,

a descoberta de que o vazio não é carência,

mas a forma mais pura de ser, a totalidade em sua vastidão.

 

A AUSÊNCIA E A PRISÃO

 

A Ausência e a Prisão

 

E a luz, um mero boato,

uma lenda distante.

Aqui, só a escuridão se estende,

pesada e sem promessas.

Não é sombra, é ausência,

um vazio que engole cores e esperanças.

 

E nesse escuro, a prisão.

Não há grades, não há muros visíveis,

mas as paredes apertam,

o ar rarefeito sufoca.

É uma celas invisível,

tecida de incertezas e de "nãos".

 

Cada passo é um tropeço no breu,

cada respiração, um grito abafado.

E a saída, um eco que não chega,

uma porta trancada por dentro,

sem chave, sem maçaneta,

apenas o silêncio opressor.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

LABIRINTOS

 

Labirintos

 

Sim. Meu universo interior não é um cômodo vazio onde o eco de um só passo ressoa. É antes um casarão antigo, de portas entreabertas para quartos que não se veem, labirintos de uma consciência que se dobra sobre si mesma. E ali, sentada no limiar de uma das frestas, está a que observa.

 

Ela não julga, não sentencia. Apenas fita, com uma lentidão que a própria eternidade talvez desconheça. Seu olhar, pesado de não-compreensão, desliza sobre os outros que habitam em mim. Há a que chora por uma dor que nunca foi nomeada, a que urra um silêncio insuportável, a que tece fios de ar para prender o que escorre, a que ri sem razão, com uma felicidade quase indecente para a seriedade do ser.

 

E a que observa se assombra. Como podem tantas vozes coexistir neste corpo, nesta mente que se diz "eu"? Que arquitetura insólita é essa que permite o contraditório, o avesso e o verso, sem que tudo exploda num caos de significados? A cada movimento de um desses habitantes secretos, um tremor percorre a que observa, um arrepio de reconhecimento e, ao mesmo tempo, de completa estranheza.

 

Ela não entende a lógica de suas danças, a melodia de seus murmúrios. Vê-os surgir do nada, tomarem o palco da alma por um instante e depois se recolherem às sombras, talvez para sempre, talvez para um retorno súbito. E nesse movimento de vaivém, a que observa sente o pavor gélido da descoberta: que o "eu" é uma multidão, um ajuntamento de estrangeiros com os quais nunca se fez as pazes. E que, talvez, a única verdade seja esse perpétuo e assombroso estrangeirismo de si mesma.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

PÉTALAS AO VENTO

 

Pétalas ao Vento

Há coisas em mim
que não resistem à pressa
delicadezas que se soltam
como pétalas
ao menor sopro

nem tudo foi feito
pra durar inteiro
algumas belezas vivem
no instante em que passam
e isso basta

carrego no peito
flores que já foram
mas o vento
ainda espalha perfume
de lembrança

não tento mais segurar
o que voa
aprendi que há leveza
em deixar partir

e que pétalas ao vento
ainda fazem primavera
em algum lugar

MAR QUE MORA NO PEITO

 

Mar que Mora no Peito

carrego um mar
sem costa nem mapa
que bate em ondas calmas
ou se agita sem razão

não se vê na superfície
mas se ouve —
num silêncio molhado
que molha os olhos

esse mar em mim
não tem fim nem fundo
tem memórias afundadas
tem correntezas que voltam
mesmo quando já foram

às vezes sou barquinho
às vezes naufrágio
às vezes farol

mas sempre,
o mar mora aqui

e mesmo quando tudo seca,
mesmo quando a alma racha,
ele pulsa —
salgado e vivo
feito verdade

é no peito que ele habita
como se minha carne fosse areia
e minha respiração, maré

O ABISMO EM MIM

 

O Abismo em Mim

há um lugar dentro
que não tem chão
nem nome
nem eco

não é tristeza,
é mais fundo que isso
é o que sobra
quando o mundo desliga

os outros veem pele,
sorrisos alinhados
mas não veem
o buraco onde caio
com os olhos abertos

há dias em que converso
com esse abismo
e ele responde —
com silêncio

não peço que passe
mas que passe por mim
como o vento que atravessa
e não se explica

às vezes
o abismo em mim
me escreve versos
que ninguém entende
mas me salvam

quarta-feira, 15 de maio de 2013

PAUSA PARA REVER O TEMPO

 PAUSA PARA REVER O TEMPO

doía
como se cada dobra do corpo
fosse um cotovelo encostado no vazio —
e o vazio, só meu.

o carro dormia
desligado à beira do farol
onde a pressa dos outros
era um espetáculo de partidas.

do meu posto quieto
entre o vidro e o tempo
via multidões se lançarem
como se os sinais soubessem tudo
menos o que é ficar.

tudo ali era pressa:
as pernas, os passos, os olhos baixos.
menos eu,
que era pausa
e lembrança.

havia um peso sem nome,
um suspiro sem medicina,
um querer de colo, de travesseiro antigo,
de casa de antes.

queria recomeçar
como quem chega de viagem
e encontra a porta entreaberta
com cheiro de pão e perdão.

queria que os dias
fossem assim —
sem as cores de comando dos semáforos,
sem as urgências que atropelam.

queria,
acima de tudo,
vislumbrar teu rosto de novo,
e esse teu gesto silencioso
que me pediu um tempo,
uma pausa —
sem dizer se era fim
ou volta.