segunda-feira, 31 de março de 2025

ALI

 ALI

revi você
pensei ter visto o sol em teu corpo
resvalando na minha inquietude,
ao perceber que, por todo o tempo,
era noite
porque não estavas por perto —
e eu a quisera
para o aperto
daquele abraço inédito.

trouxeste contigo
o renascer desnudo
da mais brilhante constelação,
em teus pontos de sardas,
dentes de branco
e cabelos cor de palha.

tuas curvas demonstram
a preciosa habilidade
de a natureza refazer-se
em arte
e apresentar-se
em toda parte —
até o ponto de deixar um coração
repleto de felicidade
por perceber que, por algum tempo,
estou seguro.
porque, com você por perto,
o dia nunca é escuro
ali na vila.

domingo, 30 de março de 2025

AINDA ALI

  AINDA ALI

o sol ainda toca as janelas da vila,
mas já não resvala em mim
como antes.
falta aquele calor
que vinha dos teus passos,
aquela luz sem sombra
que teus olhos traziam
mesmo nos dias nublados.

as sardas sumiram do céu,
os cabelos cor de palha
viraram brisa em lembrança,
e o abraço inédito
segue inédito —
pendurado no varal
das possibilidades que o tempo levou.

por aqui, tudo parece igual:
os muros, os cheiros,
o barulho do portão antigo...
só eu é que mudei —
porque você,
você não está mais ali.

e desde então,
a vila também escureceu um pouco.
não toda,
só o pedaço
onde costumava amanhecer
quando você sorria.

sábado, 29 de março de 2025

RENASCER ALI

 RENASCER ALI

não voltou,
mas algo em mim permaneceu:
um brilho manso,
quase silêncio,
que aprendi a reconhecer
como meu.

as ruas da vila
seguem com seus ventos antigos,
mas agora sei caminhar nelas
sem procurar teus passos.
sei encontrar sentido
nos varais de roupa,
nos cachorros que dormem ao sol,
no assovio da tarde
que não chama ninguém.

o abraço inédito
deixou de ser espera
e virou abrigo
dentro de mim mesmo.

às vezes, ainda penso
na curva do teu sorriso,
na cor da tua ausência,
mas já não dói:
é saudade sem ferida,
lembrança sem grito.

descobri que a luz
também pode vir do avesso —
nasce quando a gente para de procurar
e começa a ser.

e foi ali,
na vila onde tudo começou,
que renasci
sem você,
mas não sem amor.

sábado, 8 de março de 2025

LABIRINTO

 


LABIRINTO

labirinto

 

sinto passagens em mim

que saem em mim

que entram em mim

sempre no mesmo eu

na mesmice tão esmigalhada

por todas essas pressas

de muros

de sebes

de alamedas

sensação estranha

labiríntica.

 

caminho por essa sensação

como se fosse estrada.

 

caminhar

com verbo no horizonte

mais-que-perfeito

procurando o imperfeito

daqueles dias cinzentos.

 

tenho tantos temas

tinha tantos

tantos temores

no amanhã

e no ontem

quando nem existiam palavras

que adivinhassem você.

 

no hoje

porém

palavras

sugerindo outros

temas

transes

sua existência

tão ali.

tão aqui.

 

palavras  (lhe) refletem

:

amor

namoro

namorados

:

tantos

cantos

cantados.

 

encantos

momentos

ainda

(linda)

sonhando

acordado

namorados

namorando

namorada.

 

palavras

essas mesmas que explodem

denunciando tudo o que já foi escrito

dito

sugerido

amigos

amantes

ciúmes

em amargo de chocolate

de  estreitamento

de zap

de morenez.

de loucuras morenas

de frestas de portas de quartos.

 

e cheiros

e arrepios

e sabores

e medos.

em línguas sôfregas

que se espreitam

e se buscam

em sonhos

de pernas

que se descruzam

e se mostram

e se misturam

e se confundem.

 

até

se sentirem saciadas.

 

em outros temas

e datas

e manhãs tão variadas

e noites tão esperadas.

 

até

nem perceber.

 

confusões

de mentes

de pensamentos

de vontades

de despedidas

(que não se concretizam)
:

tão amiúde

tão inteiramente ignoradas.

 

até

saber que se descansa.

 

pro outro

(dia)

nascer feliz

de novo

e de novo

e de dizer que

agora

você está aqui.

 

daquele jeito

que eu sempre

quis.

 

 

.

Nenhum comentário: 

 

SEXTO SENTIDO

 



SEXTO SENTIDO

 

SEXTO SENTIDO

Existe um sexto sentido que precisa ser vivido
dito
sem palavras
sem trapaças
sem textos
sem pretextos.

então:

que esse sentido exploda
e atinja o óbvio do alvo
e se afaste das camuflagens
e perceba as descobertas
e se sinta inquieto
e se encarregue do transformar.

que seja doce ainda que efêmero
e se confunda
com o coito das noites
penetrando as madrugadas
parindo dias
ressuscitando cores
ressurgindo em raios
de todas as luzes.

que todas as palavras
explodam
ressoem
maquiem as notícias
e se lancem
em busca do inédito
e deem crédito
a esse sexto sentido
que se chama
amor.
.
.
Vicente
.

.

Vicente junho 29, 2018Nenhum comentário:   

26 junho 2018

UM PINGO É UMA GOTA?

 



UM PINGO É UMA GOTA?



gostoso sair na chuva

 

gosto de sair na chuva

de encontrar pingos

amigos

cinemas

depois eu volto de táxi.

 

quero me contar

sem me conter

nas emoções

sentir o ar na vidraça

o vidro suado do vapor

a janela aberta

o frio penetrando.

 

ao longe o latido

sons que me chegam

sem compromisso de ficar.

 

juntos assistimos cores

variadas flores

sentimos

dores

as particulares e as outras.

 

mas nem todas.

 

qual o filme?

falava de destinos

corações

apaixonados

havia esperanças

suspiros

alguns apertos

momentos desconexos.

 

tudo na pressa

mas eu gosto.

 

gostava.

.
.
.

Vicente

Vicente junho 29, 2018  

sexta-feira, 7 de março de 2025

CAIXA MÁGICA



CAIXA MÁGICA

 

a vontade é louca

várias pequenas e

poucas grandes vontades

correr descalço

pular amarelinha

subir na goiabeira

que agora não tem goiabas

o pneu ainda está pendurado

balanço perfeito.

 

no álbum impera o sépia.

alguns descascados

até mancha que parece de vinho

a caixa ainda está amarrada

com a fita carmesim.

 

quem deu o presente?

quem deu o futuro?

quem destruiu o passado?

 

vontades de voltar.

posso?

.

.

.


Nenhum comentário: https://resources.blogblog.com/img/icon18_email.gif 

TAMBÉM VOU SER POETA

 


TAMBÉM VOU SER POETA

também queria viajar
ir e ficar
em pasárgada (sei lá)
e pelo estatuto do poeta
tenho direito a pagar meia passagem
e o pagamento será feito em gramas de sonho.

rompendo as ânsias e lá chegando
tenho direito ainda
a fixar residência
onde bem me aprouver
desde que haja cachoeiras por perto
e libélulas gritem cantos
como cotovias
e sabiás saibam seus ninhos nas palmeiras
e que explodam girassóis
desde o mais tenro início de inverno
que não poderá ser
nem muito frio
nem muito distante.

não quero que haja reis
e sim princesas
e rainhas brotem aos cachos
como pingo-de-ouro
e se deixem ser amadas
por seus cavaleiros errantes
assim como eu.

e quando eu voltar às realidades daqui
quero ser reconhecido
pela minha eloquência embandeirada
e pela alcunha de
“poeta, o audaz”.
.
.
.
Vicente
.
.

 

domingo, 2 de março de 2025

FLAGRADOS NO TEMPO

 FLAGRADOS NO TEMPO

não era mais ontem
mas também não era já,
era aquele meio instante
que se esconde nas frestas
onde o tempo esquece de contar.

nossos olhos, clandestinos,
gravaram na memória
o que o corpo não pôde guardar —
um toque,
um nome não dito,
um quase que ficou inteiro.

as horas correram ao contrário,
os ponteiros, cúmplices,
hesitaram um segundo a mais
só pra nos permitir
a eternidade breve
de um gesto.

depois, tudo voltou:
as vozes, os passos,
a pressa dos outros.
mas nós —
nós fomos flagrados no tempo,
na dobra do relógio,
onde o desejo é fósforo aceso
que ainda brilha
mesmo depois de apagado.

sábado, 1 de março de 2025

MULTIDÃO INTERNA

 Multidão Interna

Falei alto nas redes,
nos corredores, nos elevadores.
Meu nome ecoava entre notificações,
mas por dentro — era sussurro.

Porque quem grita com todos
é também quem escuta a si mesmo com medo.
No ruído dos aplausos,
escondi perguntas que não tinham palco.

Sorri para fotos que não me incluíam,
respondi com emojis o que o peito não sabia dizer.
E o mundo me abraçou em pixels,
mas faltava pele,
faltava pausa.

Aprendi a falar bonito,
mas tropecei no silêncio.
Porque há frases que não servem
quando a dor não tem legenda.

Fiquei cercado de vozes,
mas a minha — rouca e tímida —
pedia abrigo, não audiência.

Então um dia parei de gritar.
E no susto do silêncio,
descobri que o eco é sincero
quando não há ninguém para aplaudir.