FLAGRADOS NO SILÊNCIO
havia ruído no mundo,
mas entre nós —
uma pausa profunda,
feito respiração suspensa
antes do beijo.
não era ausência de som,
era presença demais:
olhares falavam
o que nenhuma palavra
teria coragem de dizer.
o silêncio nos vestia
como se fosse brisa,
como se fosse véu.
e ali, tão quietos,
dizíamos tudo
sem mexer os lábios.
a cidade passava ao fundo,
com seus motores e seus dias,
mas estávamos noutro plano:
feito música sem melodia,
feito carta sem remetente,
feito tempo sem contagem.
e quando enfim
alguém abriu a porta,
quando o mundo voltou
a nos chamar pelo nome —
era tarde.
já tínhamos sido flagrados no silêncio.
já tínhamos deixado
vestígios de eternidade
no espaço entre dois corações
que bateram calados,
juntos.