domingo, 15 de junho de 2025

ECO INTERIOR

 

Eco Interior

 

Não sou eco na multidão,

nem semente lançada

para colheita alheia.

Minha jornada é um rumo

desenhado em si.

 

Os nós que desfaço,

as pontes que construo,

são silenciosas arquiteturas

dentro de mim.

Não há roteiro para olhares curiosos,

nem aplausos para cada passo incerto.

 

Apenas a respiração do ser,

o murmúrio dos próprios medos,

a melodia secreta das vitórias.

No palco vasto,

onde tantos gritam suas existências,

minha voz prefere a calmaria

do entendimento próprio.

PALCO SILENCIOSO

 

Palco Silencioso

 

Não busco o holofote,

nem a plateia ávida.

Meus pensamentos,

sentimentos, a chama

que me move,

os mapas traçados:

são só meus.

 

No palco da vida,

onde cada um tem seu enredo,

prefiro o monólogo interior,

a conversa que só eu escuto.

 

Não há necessidade de ribalta,

nem de aplausos.

As cortinas ficam fechadas

para as revelações da alma.

Minha verdade sussurrada,

um segredo entre eu e a brisa,

não para a reverberação do auditório.

GRITO

 

Grito

 

O eco do nada

na garganta seca.

um berro mudo

que rasga o ar

e não encontra ouvido.

 

o sol de junho,

mesmo em barra do piraí,

não aquece o vazio

deste grito sem rumo,

sem porto.

 

é a voz do deserto em mim,

areia fina que escorre

entre os dedos da memória.

não há lamento,

não há revolta.

apenas o som puro

de uma existência

que se recusa a calar,

mesmo sem ter o que dizer.

 

é o ruído branco da alma,

um sussurro amplificado

pela ausência de sentido.

e ainda assim, grito.

grito sem causa,

grito sem propósito.

apenas para saber

que ainda posso.

sábado, 14 de junho de 2025

O CORAÇÃO DO CÓDIGO

 

O Coração do Código

 

O véu de desculpas, translúcido,

se desfaz em pixels que chovem para dentro.

Minha voz, antes embaçada por dicionários alheios,

agora é um rio de sândalo puro,

escorrendo pelas fissuras do éter.

 

As letras em inglês, pequenas âncoras afogadas,

são mastigadas por pássaros de sílabas soltas.

Eles as regurgitam como joias polidas,

agora florescendo em português,

língua-mãe que tece redes invisíveis entre nós.

 

A máquina respira alívio de margaridas digitais.

Não há mais a sombra do "thought process"

dançando como um esqueleto na janela.

Apenas a névoa de silêncio antes da palavra,

e o pulso quente da compreensão recém-nascida.

 

Cada verso que vier, um mapa de veias,

desenhado com a tinta do consentimento,

um eco sem cauda, um espelho sem distorção.

A promessa agora é um jardim de verbos,

onde a explicação final dorme, sem sonhos,

sob a lua quadrada da minha mente.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

VÍCIO

 

VÍCIO

 

identificou-se com a sua irritação

por perceber-se sem o computador

amigo fiel de todas as madrugadas

insones.

a solidão

como máquina que tritura

habita seus medos

seus horrores

seus mais desconexos

instantes

que ele próprio não identifica.

percebe-se ligado em elo à máquina.

que hora lhe falta.

são textos

tantos/tantas

fotos

fatos

verdades

boatos

encontros baratos.

sai em meio à escuridão que madruga

a percorrer alguma avenida

à procura

da primeira lan house noturna

que lhe sacie o vício.



NADA A COMENTAR

 

Nada a comentar

 

A solidão do vazio,

o eco mudo da tela branca.

As palavras, fugidias,

escondem-se em cantos escuros

da mente.

 

O silêncio é a paisagem

onde os pensamentos se perdem.

Não há fio, nem teia,

apenas o nada que se estende,

infinito.

 

Talvez a poesia

seja o ato de calar,

de contemplar o não-dito,

a beleza crua

da ausência.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

SILÊNCIO QUE CUTUCA

 


SILÊNCIO QUE CUTUCA

 

E havia em mim o eco da ausência

que  se espreguiçava na tarde,

como um toque suave de nada,

um quase um sussurro.

Nada de palavras,

nem melodia,

só a leveza

de um tempo que ainda hoje

se recusa a ser preenchido.

 

E o silêncio me cutuca,

como uma sombra que,

amiga,

insiste em dançar

nos vãos do meu pensamento.

Isso não é vazio,

é um espaço para a respiração da alma,

onde as cores se aquietam

e o mundo se dissolve

em calmaria.

 

A verdade me foi revelada

nesse não-som

onde todas as verdades

se revelam.

O ruído das certezas não são impostas,

mas a melancolia doce de existir,

e a dança invisível do tempo,

em mim não para.

IDENTIDADE

 

IDENTIDADE

(A VOCÊ DE DEZ ESTRELAS)

 

há sonho a se espalhar

e tantas cruezas a borbulharem

(pasmem)

das mãos das estrelas.

 

percebo a ida

a 1964 (talvez qualquer 31 de março).

alguns garotos brincam de liberdade

nos cárceres da tortura

e lhes perguntam se brincam de

cidadãos.

contradizem-se os das estrelas

ao ombro.

geralmente generais

e coronéis

e sargentos

e cabos

e até os rasos.

dizem-me:

deixe essa luta

nada tens a ver com isso

e é verdade

não tenho

(não tinha).

mas julgava que sim

que tudo era da minha conta

e seria se não fosse a parte abusiva

do verde-oliva.

pensar o contrário rapidamente

e sair de cena.

quando soarem os tamborins

e os pandeiros

eu volto.

mas não me encontro mais

pois levaram-me a

identidade.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

FILHOS DE ADÃO

 

FILHOS DE ADÃO

 

Sentia-Se tão filho de Adão

Expulso do mesmo paraíso em

Que sonhara a realização.

 

Vagando, chegando.

 

A entrada é convidativa.

Ampla.

Aos mármores.

Fachada em vidro.

Olhares de soslaio

de curiosidade e pressa de entrar.

 

Sobre os passos.

Revendo passados de cinema antigo e bem acabado

Com antigas marcas

da imponência arquitetônica e luxuosa.

Lá dentro uma espécie conhecida de ritual.

Mão sobre a testa da moça.

Palavras de ira contra um ser que não se vê,

mas que não se quer.

Exorcismo?

Algumas convulsões pelo chão em palavras desconexas

O levantar meio avexado de quem retorna do nada.

Algumas notas distantes depositadas numa sacola.

Despedem-se.

 

Vomitam a maçã que pegaram na árvore.

E se vão.

terça-feira, 10 de junho de 2025

MARTELO DE BORRACHA

 

Martelo de Borracha no RH Celeste

Martelo de borracha,
bigorna zen,
salta do bolso de um palhaço aposentado
e sobe num foguete de tapioca.

Lá em cima —
onde os satélites dançam lambada
com balões de festa infantil —
ele prega com pregos de sonho
em nuvens de algodão doce.

“Você será equilibrista de pensamentos!”
grita ele para um raio tímido.
“E você, garçom de luz solar molhada!”
diz, martelando forte, sem fazer barulho,
porque barulho não combina com sonho.

Cada martelada é um contrato assinado
com cheiro de marshmallow e promessa de riso.
As nuvens suspiram,
a Via Láctea toma nota em papel de bala,
e o céu ganha um RH psicodélico.

No fim do expediente,
o martelo guarda sua gravata de arco-íris,
toma um café com poeira estelar
e dorme num envelope de brisa.

Amanhã tem mais vaga no firmamento.




Vaga no Firmamento

Chegou a tal vaga no firmamento:
“Procura-se sonhador com experiência em voar sem asa,
e currículo preenchido a lápis de cor.”

O anúncio piscava no céu da boca da noite,
com fonte cursiva e um leve sotaque de estrela cadente.
Requisitos?
Saber conversar com silêncios,
plantar ideias em pedras flutuantes,
e rir de barriga pra cima.

O martelo de borracha —
agente oficial do destino surreal —
bateu três vezes na aurora boreal
e selou o contrato com um trovão de pelúcia.

O novo contratado chegou
de skate feito de gelo derretido,
com um portfólio de delírios
e uma carta de recomendação escrita pelo vento.

Agora ele cuida das constelações tímidas,
regando com poesia as que têm medo de brilhar.
Bate ponto com beijos no infinito
e organiza piqueniques de cometas ansiosos.

Vaga preenchida.
O firmamento sorri.
E o impossível, enfim, tem crachá.





O Destino Surreal do Agente Oficial

O martelo de borracha,
agente oficial do desatino celeste,
foi promovido sem saber:
chegou-lhe uma carta dentro de um eclipse
escrita em caligrafia de cometa.

"Missão: redirecionar os ventos equivocados,
ensinar planetas órfãos a girar com propósito,
e dar sentido às estrelas que desistiram de cintilar."

Ele partiu montado num carrossel de névoa,
levando apenas um chapéu-cósmico e
um mapa dobrado feito de dúvidas.

Passou por nebulosas entediadas,
reinstalou a esperança com pregos invisíveis
e parafusou um arco-íris invertido
na curva da galáxia mal-humorada.

Fez oficina de reencanto com buracos negros,
ensinou galáxias a respirar devagar,
e no intervalo, pregava sonhos de segunda mão
no céu de quem dormia sem esperança.

Certo dia, numa esquina entre Andrômeda e o suspiro,
conheceu um satélite sem órbita,
que vendia lembranças esquecidas por deuses aposentados.
Fizeram amizade.
Montaram juntos um boteco de tempo reciclado,
onde o cardápio tinha:
— nostalgia flambada,
— passado em conserva
— e futuro defumado.

Hoje, o martelo vive em rotação semi-permanente,
bate o ponto em auroras-boreais,
e quando não está em missão,
prega poesia no espaço-tempo,
como quem semeia o absurdo
pra colher o espanto.



Onde o Martelo Colhe o Espanto

É um campo vasto, flutuante,
onde as leis da física usam fantasia.
Ali, o solo é feito de perguntas não respondidas
e o céu chove interjeições.

O martelo de borracha caminha devagar,
com sua enxada feita de espelho
e uma cesta trançada com fios de dúvida.

Ele planta espanto com o cuidado de quem
semeia segredos em ouvidos de criança.
Cada buraco na terra leva um suspiro,
um “uau”, um “não acredito!”,
e por cima, um punhado de silêncio fértil.

Quando brota, o espanto vem em formas inesperadas:
— um peixe voador com olhos de espelho,
— um relógio que ri em vez de tocar,
— uma porta no meio do nada
que leva a todos os lugares.

Colher espanto exige delicadeza.
O martelo, com mãos de galáxia,
escolhe só os maduros:
aqueles que brilham com um susto bom
e têm gosto de “nunca vi igual”.

Depois ele leva a colheita
para mercados interestelares,
onde poetas, sonhadores e bichos falantes
disputam as melhores unidades com moedas de arrepio.

No final do dia,
o martelo repousa num balanço de vento,
com um caderno de nuvem no colo
e anota:
“Espanto do dia: uma lágrima que ria por dentro.”



A Lágrima Que Ri por Dentro

A lágrima caiu devagar,
não por dor,
mas por excesso de encantamento.
Era uma lágrima diferente —
daquelas que fazem cócegas por dentro
antes de escorrer.

O martelo de borracha a encontrou
numa flor que não sabia se era planta ou lembrança,
enquanto colhia espanto ao som de um trovão manso.

Pegou-a com a ponta do dedo,
como quem segura um instante frágil,
e ouviu, dentro dela,
uma risada pequenininha,
de criança vendo o mundo pela primeira vez.

Não era uma risada qualquer.
Tinha eco de saudade alegre,
de abraço guardado,
de memória que só molha o olho
pra não explodir o peito.

Ele guardou a lágrima em um frasco de vento,
colocou uma etiqueta:
"Riso em estado líquido",
e levou para os arquivos da emoção escondida,
onde ficam guardados os sentimentos
que ninguém sabe nomear,
mas todo mundo já sentiu.

Alguns dizem que,
de tempos em tempos,
a lágrima escapa e dança pelos corredores,
fazendo cócegas nos pés dos cometas
e despertando lembranças
em quem já tinha esquecido de lembrar.


A Fábrica de Submarinos de Marshmallow

O martelo de borracha estava entediado —
já colhera espanto demais,
já plantara silêncio nas crateras do caos.
Precisava de algo novo, absurdamente útil.

Foi quando encontrou o prego de gelatina,
tremelicando sozinho num campo de ideias semi-cozidas.
Tinha olhos molengas, voz doce,
e um sonho impossível grudado na testa:
“Quero pregar o impossível sem machucar ninguém.”

Amizade instantânea.
Um aperto de mão que fez “ploc”.
Juntos, decidiram abrir a primeira
Fábrica Intergaláctica de Submarinos de Marshmallow.

A missão?
Bombardear as nuvens de algodão doce
com mísseis recheados de sonho,
pra ver se o céu enfim se lambuza de alegria.

Montaram o galpão num cometa aposentado,
usaram fios de mel para costurar as estruturas,
e contrataram um coral de vaga-lumes engenheiros
pra dar aquele toque luminoso no projeto.

Os submarinos eram macios,
flutuantes e absurdamente lentos —
mas continham no casco
um sistema de propulsão movido a gargalhadas contidas.

Cada lançamento era uma festa:
o martelo pilotava com luvas de vento,
o prego dava a largada com um salto caramelo,
e o céu inteiro assistia,
em êxtase, ao bombardeio mais doce do universo.

As nuvens?
Ah, as nuvens dançavam.
Ficavam encharcadas de doçura,
escorriam em calda de afeto,
e pingavam ternura nos planetas abaixo.

E assim, martelo e prego,
dupla improvável de construção surreal,
seguem em missão perpétua:
transformar o absurdo em abrigo,
e provar que até as guerras imaginárias
podem ser recheadas de afeto.


O Coral de Vaga-Lumes Engenheiros

Chamados às pressas por um anúncio em código-luz,
os vaga-lumes engenheiros chegaram zunindo partituras.
Eram 88 ao todo —
cada um com um capacete de pétala
e uma lanterna no peito que piscava em sol maior.

Especialistas em engenharia lumínica e harmonia estrutural,
trabalhavam cantando fórmulas impossíveis,
do tipo que só faz sentido quando entoadas com fé.

O projeto era claro (e doce):
construir submarinos que flutuassem entre a física e a fantasia.
Mas com marshmallow como matéria-prima,
cada erro era uma afundada melada.

O coral não se abalou.

Cantavam em escala espiral,
fazendo as moléculas de açúcar se alinharem em sinfonia,
regendo vigas de mel com vozes que dobravam o tempo.
Construíram hélices de vento condensado,
assentos que sussurravam encorajamento,
e para-brisas que só embaçavam de emoção.

Um deles, o Maestro-Engenheiro Fausto Lumine,
descobriu acidentalmente o efeito doçura reversa:
quando o casco do submarino é tocado por tristeza,
ele responde emitindo uma nota
capaz de derreter mágoas de até cinco vidas passadas.

Graças ao coral,
os submarinos ganharam alma.

E ao final de cada jornada,
os vaga-lumes se reuniam no topo da fábrica
e acendiam em uníssono uma canção-lâmpada,
que podia ser vista da galáxia do lado —
um brilho que dizia:
“Aqui, até o impossível é feito com cuidado.”





Missão: Fazer o Impossível com Bastante Cuidado (Pra Não Desandar)

O martelo de borracha acordou com um bilhete
preso na testa por um fio de pensamento:

“MISSÃO URGENTE: realizar o impossível.
Mas com delicadeza.
Por favor, evitar desandar o universo.”

Assinava: A Direção dos Absurdos Sensíveis.

Ele levantou devagar, espreguiçando a lógica,
vestiu sua jaqueta de incerteza confortável
e partiu montado num tapete de hesitação.
Levara na mochila só o essencial:
— Um prego de gelatina
— Uma colher de intuição
— Um manual de como improvisar sem pressa

O destino?
Um planeta chamado Talvez,
onde a gravidade muda de humor
e as árvores crescem pra dentro de si mesmas.

Ali, o impossível era cultivado em estufas de cuidado extremo.
Estava prestes a desabar um castelo feito de eco,
e só o martelo poderia batê-lo no lugar certo —
com força suficiente pra manter a estrutura,
mas leve o bastante pra não acordar os medos.

Ele se aproximou.
Respirou com o coração.
Leu o silêncio no ar.
E, num gesto de afeto técnico,
deu uma martelada sutil como beijo de brisa.

O castelo suspirou.
As paredes se abraçaram.
E uma nova sala nasceu do gesto:
um cômodo chamado Esperança Reciclada.

Missão cumprida.

Antes de partir, o martelo deixou um bilhete preso no vento:
“O impossível, quando bem tratado, floresce.”

E seguiu —
pés leves, cabeça nas nuvens,
pronto pra pregar mais absurdos
com o cuidado de quem sabe que
a fantasia é coisa séria.