Abismo Insaciável
A mulher à minha frente, ou o homem, ou a criança – pouco
importava o contorno. O que importava era a verdade nua de que ali, naquele ser
que respirava e se movia, existia um continente de alma que eu jamais pisaria.
E essa era a reafirmação de um abismo insuperável. Não era um desfiladeiro para
ser transposto com pontes ou cordas; era a própria essência da diferença.
A que observa em mim, a que busca o cerne de todas as coisas,
via ali a impossibilidade de a minha consciência se fundir na dela, de um eu se
diluir em outro. Era um pavor que não vinha da ameaça, mas da constatação
gelada da autonomia do outro. Por mais que eu tentasse, por mais que as
palavras flutuassem entre nós como bolhas de sabão, jamais poderíamos ser um
só. Nunca a minha dor seria exatamente a dela, nunca a minha alegria se
encaixaria perfeitamente na sua.
Esse abismo não era um vazio a ser preenchido, mas uma
plenitude de não-pertencimento. Ele existia não por falta de amor ou de
compreensão, mas pela própria natureza da existência individual. A mulher movia
os lábios, e sons saíam, sílabas que eu compreendia, mas por trás delas, um
universo de significados, de intenções, de histórias vividas que eram dela e
somente dela. E a que observava sentia o peso dessa verdade: a mais profunda
solidão não é a ausência de companhia, mas a presença do outro como um limite
intransponível.
E nesse abismo, tão vasto quanto o universo que eu carregava
em mim, residia a beleza terrível da individualidade. A beleza de não poder ser
invadido, de não poder invadir. De permanecer ilha, por mais que as ondas do
desejo e da afeição batessem em suas margens. O abismo não era apenas o que nos
separava; era, paradoxalmente, o que nos definia. E essa definição, tão dura e
tão real, era a epifania final: o outro é o meu próprio limite, e eu sou o
limite dele. E nesse limite, nessa borda intransponível, é que a vida acontece.
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