O Segredo da Maçã
Ela estava ali, sobre a mesa de madeira, ou talvez sobre um
prato de cerâmica branca que se disfarçava de si mesmo. Uma maçã. Nem vermelha
gritante, nem verde ácida. Um tom entre, um desbotar de vitalidade, um ligeiro
amarelado aqui e ali. E em seu centro, no seu umbigo seco, o resto de um galho
que um dia a unira à árvore, a um grande e silencioso útero de onde veio.
A que observa em mim, a mesma de antes, a que não julga mas
se assombra, fixou nela o olhar. Não era uma maçã para ser comida, não nesse
momento. Era uma maçã para ser sentida. E, pelo sentir, quase tocada em sua
mais íntima substância, aquela que a tornava maçã e nada mais.
Via-se a curva suave de sua pele, uma tensão que era a
promessa de uma polpa que ainda não se revelava. A textura, lisa sob a luz,
parecia gritar uma aspereza invisível, um segredo de sua casca que se recusava
a ser meramente superficial. Havia nela uma quietude. Uma quietude de quem
possui um vasto interior que não se expõe, de quem sabe sem precisar saber. Uma
auto-suficiência que a fazia completa em si mesma, sem precisar de nome, sem
precisar de função.
E a epifania surgiu: a maçã era a mais pura tradução do seu
próprio mistério. Ela não se explicava. Simplesmente era. E nesse ser, sem
esforço, sem a angústia da existência que nos devora, ela trazia à tona a nudez
de uma verdade: que o mundo é feito de coisas que são, e a gente é feito de
coisas que tentam ser. E o terror não era o de não entender a maçã, mas o de
entender que a maçã, em sua completa e muda existência, compreendia mais sobre
o ser do que eu jamais conseguiria. Ela era o início e o fim. E a sua
silenciosa presença sobre a mesa era um grito. Um grito de pura e insondável
existência.
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