terça-feira, 10 de junho de 2025

SÚBITA ORDEM DO CORPO

 

Súbita Ordem do Corpo

Foi porque meus lábios – ah, esses traidores de carne, esses cúmplices do que não se diz – prenunciaram. Prenunciaram a tanta batalha de ser contrário ao cérebro, essa fortaleza de negações e cautelas. O cérebro, essa máquina de calcular riscos, essa voz que insiste em afirmar, com uma teimosia quase infantil, que não. Que o momento não se fazia, que o instante não estava preparado. Como se o preparo pudesse ser planejado, como se o desabrochar da vida obedecesse a calendários.

 

E então, sem alarde, quase em rendição, quedaram-se. Ficaram mudos, inertes, lábios e pensamentos apressados. Aquela ânsia, que era uma sede primária de tanto se entregar. Entregar-se à procura dos arrepios, que são a linguagem mais antiga da pele. Dos movimentos desconexos, que são a coreografia do abandono. Dos prazeres da pele, sim, mas também do corpo mais profundo, aquele que reside além da forma, no cerne da própria sensação. Era um silêncio que clamava por um outro tipo de conhecimento, um saber que a mente não alcança.

 

E refeitos, não da batalha, mas do susto causado pela epifania. Pelo súbito descobrir o momento. Um momento de puro encantamento, de uma beleza que é um louvor que se faz ao prazer. E nesse desvelar, não foi o cérebro, que se fizera tímido e retido, que voltou a comandar. Quem passou a dar ordens, com uma autoridade que brotava da própria essência, foi a um só tempo lábios e mãos. Despudorados, sem a menor hesitação, não se permitiam censuras. Pois o corpo, quando fala a sua verdade mais íntima, não conhece a linguagem da vergonha. E essa verdade, quando irrompe, é um dilúvio que transborda toda a razão.

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