Súbita Ordem do Corpo
Foi porque meus lábios – ah, esses traidores de carne, esses
cúmplices do que não se diz – prenunciaram. Prenunciaram a tanta batalha de ser
contrário ao cérebro, essa fortaleza de negações e cautelas. O cérebro, essa
máquina de calcular riscos, essa voz que insiste em afirmar, com uma teimosia
quase infantil, que não. Que o momento não se fazia, que o instante não estava
preparado. Como se o preparo pudesse ser planejado, como se o desabrochar da
vida obedecesse a calendários.
E então, sem alarde, quase em rendição, quedaram-se. Ficaram
mudos, inertes, lábios e pensamentos apressados. Aquela ânsia, que era uma sede
primária de tanto se entregar. Entregar-se à procura dos arrepios, que são a
linguagem mais antiga da pele. Dos movimentos desconexos, que são a coreografia
do abandono. Dos prazeres da pele, sim, mas também do corpo mais profundo,
aquele que reside além da forma, no cerne da própria sensação. Era um silêncio
que clamava por um outro tipo de conhecimento, um saber que a mente não
alcança.
E refeitos, não da batalha, mas do susto causado pela
epifania. Pelo súbito descobrir o momento. Um momento de puro encantamento, de
uma beleza que é um louvor que se faz ao prazer. E nesse desvelar, não foi o
cérebro, que se fizera tímido e retido, que voltou a comandar. Quem passou a
dar ordens, com uma autoridade que brotava da própria essência, foi a um só
tempo lábios e mãos. Despudorados, sem a menor hesitação, não se permitiam
censuras. Pois o corpo, quando fala a sua verdade mais íntima, não conhece a
linguagem da vergonha. E essa verdade, quando irrompe, é um dilúvio que
transborda toda a razão.
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