sexta-feira, 6 de junho de 2025

INSÔNIA: BOCA DA NOITE

 

Insônia: Boca da Noite

Que insônia. Não essa insônia de quem não consegue dormir, mas a outra, a que escancara a boca da noite e te engole. Uma boca que não mastiga, apenas suga, e te deixa ali, suspenso no vazio. Os silêncios, ah, esses silêncios de estilhaçar cristais. Cada um deles uma pequena morte, um ruído interno que só a alma ouve, e que dói. Dói como se tentáculos, invisíveis, mas palpáveis, se apertassem na garganta, tirando-me não só a calma, mas a alma. E a gente se pergunta: que alma é essa que se deixa roubar assim, tão fácil?

 

Lá não-sei-onde, um badalar. Não sei quantas horas. Que importância tem o número, quando o tempo não passa, ele se dilui? A manhã se avizinha, mas não é a manhã de um novo dia. É uma manhã doentia, grávida de sol. Que sol? O sol que revela as imperfeições, que ilumina o que a escuridão da noite, em sua misericórdia, escondeu. Essa gravidez me assombra. O que nascerá dessa manhã tão pesada?

 

Não é o tempo que não passa, são os cães que não ladram. Ouço o silêncio deles, mais alto que qualquer latido. As corujas, não piam. E o aquário, em sua quietude, não borbulha. Tudo é silêncio, uma conspiração contra o som, contra a vida. E os scotchs? Ah, esses scotchs, que antes eram um porto, um refúgio. Definitivamente não são mais os mesmos. Perderam o sabor, ou fui eu que perdi a capacidade de saboreá-los? Essa perplexidade me consome. O que muda, afinal, é o mundo lá fora, ou o mundo aqui dentro, que se desfaz em partículas que não consigo agarrar?

 

A cama, imensa, me chama. Mas eu a abandono. Sua ausência, estranhamente, me reclama. Há uma ironia nisso, uma crueldade sutil. Enquanto a busca solitária da saciedade ainda se refestela em mim, em gotas cristalinas que despencam do chuveiro reparador. Reparador de quê? De uma alma que se perdeu nos labirintos da noite? De um eu que se desfez em pedaços miúdos? Essa saciedade que não sacia, que apenas prolonga a agonia, como uma promessa vã. E a gente se pergunta: o que é que a gente busca, afinal? E por que o que a gente encontra é sempre tão... vazio?

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