A DESPEDIDA: O Ínfimo
Ponto que Não se Move
Ela estava ali. Não se via. Mas a imagem, essa criatura de
pura sensação, pareceu-me em movimento, embora estivesse lá, intransponível,
como uma rocha de silêncio petrificada em minha memória. Mais antiga que a
primeira respiração, mais ancestral que o susto de nascer. Ladeada, sim, por
impenetráveis diagramas que a mente, essa traidora, se recusava a decifrar. E
eu, que sou feito de enigmas e perguntas sem fim, sentia-a em meu tecido mais
íntimo, essa imagem que não se movia.
Eu quis, com uma urgência que me roía as entranhas, ser
aquele livro aberto que ousara não folhear. Um volume de verdades não ditas, de
páginas ainda virgens, intocadas pelo peso do olhar. Ou, quem sabe, me atirar,
com uma coragem que não possuo, rumo ao Sol, sem os efeitos desastrosos de
Ícaro, sem a cera que se derrete e a queda que esmaga o sonho. Um Ícaro que
compreendesse a distância e a mantivesse. Um ser que soubesse o ponto exato do
limite e não o ultrapassasse, ou o ultrapassasse com a sabedoria da não-morte.
Então, sorri. Um sorriso seco, de uma ironia que só a alma
conhece. Sorri todas as mentiras que me juravam verdades inventadas. Verdades
de araque, construídas com o ar que se respira e se exala sem deixar rastro. E
nesse instante de despojamento, de uma aceitação quase vulgar da farsa, eu me
percebi. Não como um corpo, ou um nome, mas como um verso. Um verso solto, sem
a prisão da rima, buscando seu próprio ritmo. E uma bandeira, sim, mas uma
bandeira esvoaçando ao vento de um lugar que não existia, feita de tecido que não
se rasgava.
E ela, a imagem. Essa coisa silenciosa e teimosa. Continuava
lá. Não se mexia, não se desfazia, como no primeiro instante de sua insidiosa
chegada. Impregnando, com uma tenacidade que me parecia quase sagrada, minhas
retinas, não com a sua presença ruidosa, mas com a sua mais pura e terrível
ausência. Pois a ausência, percebi, era a forma mais cruel e eterna de
presença.
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