O Outro: Espelho Insuportável
Ela estava ali, sentada à minha frente, na mesa oposta, ou
talvez na mesma mesa, separada por um espaço que era um abismo. Uma mulher. Com
a inevitabilidade de quem simplesmente existe. Não havia nada de extraordinário
nela, nada que saltasse aos olhos para prender o olhar mais do que a passagem
fugaz de um transeunte. Mas a que observa em mim, aquela que se assombra com a
vida, fixou-se nela com uma intensidade quase dolorosa.
Não era a beleza, ou a feiura. Era a existência dela. O
simples fato de que ali estava outro ser, uma consciência. E essa consciência,
eu sabia, continha universos inteiros, labirintos tão complexos quanto os meus,
talvez mais. Ela respirava o mesmo ar rarefeito, sentia a mesma gravidade, mas
em seu rosto, nos movimentos sutis de seus olhos que desviavam o olhar, havia
um segredo. Um segredo que não era para mim.
A epifania não veio como um raio, mas como um sussurro frio.
Aquele outro era um espelho. Não um espelho que refletia a minha imagem, mas um
que me mostrava a impossibilidade de eu ser ela, e a impossibilidade de ela ser
eu. A minha solidão não era a ausência de alguém, mas a presença irrefutável do
outro em sua totalidade inatingível.
Ela moveu a mão para a xícara, e em seu gesto banal, vi a
vastidão da sua própria vida, as dores que não conheço, as alegrias que nunca
foram minhas, os pensamentos que jamais me pertencerão. E nesse reconhecimento
da sua irredutível alteridade, senti um assombro. Não era medo dela, mas um
pavor da fronteira, da impossibilidade de atravessar e fundir-me nela.
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