terça-feira, 10 de junho de 2025

O OUTRO: ESPELHO INSUPORTÁVEL

 O Outro: Espelho Insuportável

Ela estava ali, sentada à minha frente, na mesa oposta, ou talvez na mesma mesa, separada por um espaço que era um abismo. Uma mulher. Com a inevitabilidade de quem simplesmente existe. Não havia nada de extraordinário nela, nada que saltasse aos olhos para prender o olhar mais do que a passagem fugaz de um transeunte. Mas a que observa em mim, aquela que se assombra com a vida, fixou-se nela com uma intensidade quase dolorosa.

 

Não era a beleza, ou a feiura. Era a existência dela. O simples fato de que ali estava outro ser, uma consciência. E essa consciência, eu sabia, continha universos inteiros, labirintos tão complexos quanto os meus, talvez mais. Ela respirava o mesmo ar rarefeito, sentia a mesma gravidade, mas em seu rosto, nos movimentos sutis de seus olhos que desviavam o olhar, havia um segredo. Um segredo que não era para mim.

 

A epifania não veio como um raio, mas como um sussurro frio. Aquele outro era um espelho. Não um espelho que refletia a minha imagem, mas um que me mostrava a impossibilidade de eu ser ela, e a impossibilidade de ela ser eu. A minha solidão não era a ausência de alguém, mas a presença irrefutável do outro em sua totalidade inatingível.

 

Ela moveu a mão para a xícara, e em seu gesto banal, vi a vastidão da sua própria vida, as dores que não conheço, as alegrias que nunca foram minhas, os pensamentos que jamais me pertencerão. E nesse reconhecimento da sua irredutível alteridade, senti um assombro. Não era medo dela, mas um pavor da fronteira, da impossibilidade de atravessar e fundir-me nela.

 

O "eu" encontrava-se com o "outro" e, nesse encontro, não havia união, mas a reafirmação de um abismo insuperável. A mulher à minha frente era a prova viva de que minha consciência, por mais que se expandisse, jamais poderia conter a dela. E essa limitação, antes um murmúrio, tornou-se um grito silencioso. O outro era a minha própria fronteira. E isso era, ao mesmo tempo, um mistério terrível e a mais pura verdade.

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