TRIÂNGULO
(versão
realismo fantástico — em primeira pessoa)
Senti o
tempo hesitar quando ela entrou.
Não parou de vez — apenas titubeou, como quem pisa num chão de lembranças e
precisa reaprender a andar.
Ela veio
com ele.
De mãos dadas.
Ele sorria com a segurança dos que não sabem.
Ela também sorria — mas havia, em seus olhos, um leve tremor.
O tipo de tremor que só se nota quando já se amou alguém demais.
Fiquei
preso à cadeira.
Não metaforicamente.
Os pés colados ao chão, as costas coladas ao encosto — como se alguma força
antiga houvesse decretado: “Ficarás.”
O ar ao redor tremeluzia, como num sonho prestes a virar pesadelo ou revelação.
Ninguém
ali sabia.
Nem ele, nem os demais.
Só ela, eu — e talvez os anjos mudos encostados nas paredes, observando.
Ela se
aproximou com o peso de um século inteiro.
Beijou-me o rosto como se escrevesse em minha pele um poema que ninguém mais
deveria ler.
Na outra face, o beijo dele — leve, distraído.
E entre os dois gestos, fiquei dividido, como uma relíquia mal compreendida.
Ela
cheirava igual.
Exatamente igual.
O perfume, o cabelo, a memória inteira condensada nas narinas que vacilaram.
Minhas pernas ameaçaram falhar.
Mas não podiam — o chão me tinha.
Ao redor,
os poetas se materializaram — meus guardiões secretos.
Eles sabiam.
A amiga segurou minha mão sem me olhar.
O amigo, com os olhos cheios de silêncio, recitou um verso inaudível que só o
meu peito entendeu.
E eu
fiquei ali.
Um altar onde ninguém rezava.
Uma encruzilhada disfarçada de cadeira.
A terceira ponta de um triângulo que ninguém via.
No fim, o
tempo resolveu seguir.
As conversas voltaram a se mover.
As taças tilintaram.
E todos esqueceram o que aconteceu.
Menos eu.
E talvez, ela.
Porque certos encontros acontecem fora do tempo.
E certas histórias, mesmo enterradas, exalam flores impossíveis.
– Capítulos
narrativos com cenas surreais que desdobram esse reencontro em outras
camadas (tempo distorcido, sonhos cruzados, lapsos de realidade).
– Diálogos com os poetas que talvez não sejam só amigos, mas entidades
que regem encontros perdidos.
– Repercussões ocultas: o que acontece depois desse encontro? O
triângulo desperta alguma força? Há algo inacabado entre vocês que ecoa no
mundo?
Quer que
eu escreva o próximo capítulo como se fosse o que acontece depois da festa,
ou prefere um flashback onde se revela o que houve entre vocês antes da
TRIÂNGULO
— Flashback: O Tempo dos Versos
Havia uma
sala — ou talvez um templo disfarçado de sala.
As paredes não tinham cor definida, pois mudavam com os poemas lidos.
Ali, reuníamo-nos à luz das palavras, e cada voz que se erguia tingia o ar com
outras cores, outras formas.
Foi ali
que a vi pela primeira vez.
Ela lia um poema como quem evocava uma constelação esquecida.
Cada pausa, uma respiração de universo.
Cada metáfora, uma estrela nova acesa dentro de mim.
Não nos
falamos de imediato.
Foi preciso que alguns poemas fossem escritos no silêncio.
Poemas invisíveis — feitos só de olhares cruzados entre leituras.
Depois,
veio o primeiro bilhete, escondido entre páginas de Drummond:
"você escreve como quem acorda pedras."
Era dela.
E eu, que até então só escrevia para fugir de mim,
passei a escrever para chegar nela.
No grupo,
nos tornamos um dueto tácito.
Eu começava uma frase e ela a completava,
mesmo sem ter ouvido antes.
Nossos poemas formavam uma ponte,
e sobre ela andávamos todas as quintas à noite,
sem perceber que o abismo ao redor também era parte do trajeto.
Um dia,
ela faltou.
Depois, faltou de novo.
E então voltou — de mãos dadas com o silêncio.
E com o silêncio, outro alguém.
Mas naquela
época...
Ah, naquela época as palavras tinham cheiro.
As metáforas ardiam como pele.
E entre os papéis dobrados, os versos trocados,
nós dois fomos quase verdade.
TRIÂNGULO
— O Momento
da Separação
Não houve
briga.
O que houve foi um dia em que os poemas pararam de se encontrar.
O meu verso já não sabia mais para onde o dela caminhava.
As palavras, antes cúmplices, começaram a se olhar de lado, desconfiadas.
Foi numa
noite chuvosa —
mas não uma chuva comum.
Era uma daquelas chuvas que caem para dentro,
onde o que molha não é o corpo, mas o que nos segura por dentro.
Ela
chegou no grupo com um casaco que eu nunca tinha visto.
Novo, bonito, estranho —
como se o tempo tivesse lhe dado outra pele.
Trouxe um poema breve.
Lido sem alma, sem olhos.
Como se apenas cumprisse um pacto final.
Eu tentei
responder com um texto meu,
mas as sílabas me traíram.
Saíam quebradas, molhadas,
como folhas que o vento arrasta de volta ao chão.
Depois da
leitura, ficamos os dois no corredor.
O mundo lá fora parecia feito de névoa.
Ela disse:
"Acho que é hora de escrever sozinha."
Mas o que eu ouvi foi:
"Nosso poema acabou."
Tentei
segurar a frase pelo punho,
mas ela se desfez em folhas secas.
No lugar onde costumava estar o nosso abraço,
abriu-se uma fenda sutil,
como se o universo, discretamente, começasse a dobrar aquele capítulo.
Quando
ela foi embora, as palavras no mural do grupo começaram a apagar sozinhas.
Nomes sumiram das assinaturas.
Pedaços de poemas desapareceram das estantes.
As paredes da sala voltaram à cor neutra.
E o ar, antes vibrante, ficou liso, sem memória.
Foi
assim.
Sem barulho.
Como uma flor que fecha à noite —
mas nunca mais abre ao amanhecer.
TRIÂNGULO
— A
Despedida
(poesia suave)
foi numa
noite de nuvem baixa
e passos curtos no corredor.
ela chegou com outro perfume,
e o tempo, em silêncio,
começou a fazer malas invisíveis.
os poemas
já não se olhavam nos olhos.
os meus versos esperavam
pelas palavras dela —
mas vinham poucas,
breves,
com pressa de acabar.
a sala do
grupo ficou pequena.
as vozes pareciam distantes,
como se falassem de outro lugar.
havia um vento novo ali,
um vento que só ela escutava.
no fim da
leitura,
ela sorriu como quem embala um adeus.
e disse, sem dizer:
“vou seguir por outro caminho.”
não
chorei.
nem ela.
mas o teto gotejava lento,
como se soubesse.
ela se
foi.
e os papéis onde escrevíamos juntos
começaram a desbotar.
as palavras se apagavam sozinhas,
como se soubessem do fim
antes de nós.
desde
então,
alguns dias ainda carregam o cheiro dela.
sobretudo os de chuva leve,
quando a poesia retorna
só para dizer:
"fui real."
TRIÂNGULO
— O Reencontro
(poesia suave)
ela
chegou sem anúncio,
como as chuvas finas que já chegam molhando.
veio de mãos dadas,
com ele —
um sorriso novo,
um passo firme.
e um leve vacilo nos olhos,
como se ainda soubesse de mim.
eu estava
sentado.
e o banco parecia saber
que não era hora de levantar.
me segurou com a gentileza das raízes,
me dizendo:
“fica. só observa.”
as luzes
ao redor se tornaram velas,
mesmo sem apagarem-se.
o ar parou de correr,
e tudo virou lembrança,
mesmo estando no agora.
ela me
viu.
e no instante do olhar,
todos os nossos poemas voltaram —
não inteiros,
mas em fragmentos que flutuaram entre nós,
como pétalas de um livro que se desfaz.
beijou-me
o rosto,
como quem folheia uma página com saudade.
o outro rosto ela deu a ele,
com o mesmo gesto,
mas outro tempo.
ninguém
sabia.
ninguém precisava saber.
a poesia nos bastava.
quando se
afastou,
deixou no ar um perfume antigo,
e em mim,
a certeza de que há amores
que não acabam —
apenas se tornam brisa.
fiquei
ali,
sentado,
entre o que foi
e o que nunca deixou de ser.
Caderno de Três Lados
um poema em
três tempos
Epígrafe
“Nem todo triângulo é estável. Alguns tremem, outros giram. Mas os mais
verdadeiros... cantam.”
I. A Sala que Mudava de Cor
Havia uma
sala no centro da cidade —
mas era mais do que uma sala.
Era um lugar onde o tempo se dobrava com os papéis
e a luz obedecia aos sentimentos dos que chegavam.
Quando um
poema era lido,
as paredes mudavam de tom.
Com versos tristes, ficavam azul-escuras,
como céu de tempestade prestes a desabar.
Com risos tímidos, floresciam num amarelo antigo,
daqueles que só existem em fotos desbotadas.
Foi ali
que nos vimos pela primeira vez.
Você, com um caderno velho e uma voz nova.
Eu, com um nervo exposto em cada linha mal escrita.
Ainda não sabíamos,
mas nossos poemas já estavam trocando olhares antes de nós.
As
janelas tinham o costume de se abrir sozinhas,
como se escutassem melhor do lado de fora.
E os relógios…
ah, os relógios daquela sala corriam para trás
sempre que alguém recitava um amor que já foi.
Lá, tudo
era memória e invenção ao mesmo tempo.
E foi nesse território ambíguo que começamos.
Não com promessas, nem juras —
mas com metáforas tímidas,
e o desejo secreto de que alguém as entendesse por inteiro.
A sala
que mudava de cor nos conheceu primeiro.
Antes mesmo de nos darmos conta,
ela já sabia:
nós dois
éramos verso e verso
esperando rima.
II. Poema entre Páginas de Drummond
Demorou
algumas semanas
até que um bilhete escapasse dos nossos silêncios.
Foi entre
os livros da estante lateral —
aqueles que ninguém consultava,
mas que pareciam ouvir cada leitura com respeito de avô.
Peguei um
exemplar gasto de Drummond,
abri numa página qualquer
e lá estava:
um papel dobrado em quatro,
pequeno, feito de pressa e coragem contida.
"você
escreve como quem acorda pedras."
Assinado apenas com a tua letra —
aquela que subia nos “t”
e fazia curvas largas nos “g”.
Naquele
instante, algo me atravessou:
um raio manso,
daqueles que não arrebentam,
mas acendem por dentro.
Olhei em
volta.
Você não me encarava,
mas sorria por dentro da xícara de chá,
como se ela também soubesse do bilhete escondido.
Foi ali,
entre páginas marcadas por dedos e poeira,
que entendi:
as palavras que você deixava no papel
vinham de lugares mais fundos que a boca.
Aquele
poema escondido
não dizia que me amava.
Mas já me chamava pelo nome mais secreto:
aquele que só quem lê nossos silêncios descobre.
III. A Voz Dela no Centro do Silêncio
Naquela
noite, a sala ficou mais quieta do que de costume.
Até os passos pareciam pisar mais devagar,
como se o chão pedisse respeito.
Ela
levantou com um papel nas mãos
e um céu nos olhos.
Disse:
“É um poema pequeno.”
Mas o que se seguiu ocupou todos os cantos da sala.
Falava de
chuva que não molha,
de relógios cansados,
e de uma flor que se abria só à noite
porque tinha medo da luz.
Ninguém
interrompeu.
Nem tossiu.
Nem piscou.
O ar
ficou suspenso,
como se escutasse também.
A voz
dela não era firme,
mas era inteira.
Era daquelas vozes que,
mesmo trêmulas,
cravam raízes nos ouvidos de quem escuta.
Enquanto
ela lia,
os ponteiros pararam.
Eu vi.
O relógio da parede —
aquele que sempre atrasava cinco minutos —
ficou imóvel.
Como se dissesse:
“Agora não é hora de medir tempo.
É hora de ouvir.”
Quando
terminou,
houve um silêncio mais fundo que o anterior.
Aqueles segundos que ninguém sabe ocupar
sem estragar.
E foi
nesse intervalo
que me apaixonei.
Não por
ela,
não só —
mas pela coragem que mora
na alma de quem se mostra em palavras.
Aquela
noite não teve aplausos.
Teve um suspiro coletivo,
como quem volta à superfície depois de um mergulho longo.
Ela se
sentou,
e o mundo continuou.
Mas algo em mim,
não.
IV. Poemas Invisíveis
Começou
com um bilhete na contracapa de um livro.
Depois, com uma palavra sublinhada que não fazia parte do texto.
Em seguida, uma pausa no meio de uma frase lida em voz alta,
que só eu percebia.
Era
assim:
poemas invisíveis.
O grupo
seguia lendo, comentando,
vivendo literatura.
Mas havia outra história
acontecendo em paralelo,
com tintas que ninguém via.
Você me
dizia coisas sem dizer.
E eu te respondia do mesmo modo.
Às vezes com uma dobra na página,
ou uma vírgula fora do lugar.
Outras, com uma caneta azul no meio das pretas —
um código só nosso.
Éramos
dois autores de um livro clandestino
escrito à margem de todas as leituras oficiais.
Naqueles
dias, o mundo parecia feito de papel fino,
e qualquer palavra podia atravessá-lo.
Ninguém
suspeitava.
Nem precisavam.
O amor, quando nasce em silêncio,
cria raízes mais fundas.
A cada
encontro,
um novo verso escondido.
A cada ausência,
um poema que apenas o outro sabia ler.
Era quase
infantil,
mas também sagrado.
Porque entre nós dois,
o amor não se escreveu com declarações.
Se bordou com delicadeza —
nas entrelinhas.
E ninguém
nunca o viu.
Mas ele estava lá.
E ainda está.
V. Bilhetes sem Envio
As
palavras começaram a pesar mais.
Já não cabiam nas entrelinhas.
Já não bastava dobrar a página,
ou deixar migalhas de significados escondidos no rodapé.
Então
vieram os bilhetes.
Mas não para entregar.
Para guardar.
Escrevi
muitos.
Em guardanapos de café,
nas bordas do caderno de poemas coletivos,
até no verso de contas de luz que nunca te pertenciam.
Diziam
coisas simples:
“Hoje, sua ausência foi a minha maior distração.”
ou
“Você leu Drummond como quem escreve um adeus.”
Cada um
deles um passo —
não em sua direção,
mas em círculos ao redor de mim mesmo.
Porque
confessar seria quebrar o feitiço.
E no fundo,
talvez eu quisesse eternizar aquele quase,
aquele intervalo entre gesto e gesto,
onde o amor ainda era sonho possível,
e não perda inevitável.
Você
também escrevia,
eu sei.
Vi papéis dobrados que sumiam nos bolsos da sua bolsa.
Vi olhos que se demoravam na página,
como quem hesita entre entregar ou calar.
Mas
calávamos.
Por medo,
por ternura,
por não sabermos se o amor falado
seria tão bonito quanto o amor adivinhado.
E assim
ficaram os bilhetes.
Sem envio.
Guardados como pequenos fósseis de sentimentos que nunca nasceram.
Ou que nasceram,
mas não quiseram crescer no escuro.
VI. Quinta-feira de Dois Sóis
Naquela
tarde, havia dois sóis no céu.
Ninguém
falou nada —
talvez achassem que era ilusão de ótica,
ou reflexo no vidro da janela da sala.
Mas eu vi.
Você viu.
E por um
segundo longo,
nos olhamos como quem diz:
“isso é um sinal, não é?”
O sol de
sempre
seguia sua rotina,
morno, dourado, previsível.
Mas o outro,
mais pálido, mais alto —
tinha um brilho frio,
como se viesse de outra época.
A sala ficou
com dois tons:
um amarelo de tarde comum,
e outro prateado de coisa inexplicável.
E foi nesse dia que você leu um poema sobre despedidas
sem usar a palavra “adeus”.
Era sobre
passarinhos em gaiolas abertas,
sobre árvores que se despedem das folhas sem tristeza.
Era sobre o que se vai,
e também sobre o que escolhe não ficar.
A plateia
elogiou a imagem.
Chamaram de metáfora madura.
Mas eu soube.
Soube ali.
Era o
nosso sol estranho.
Era o prenúncio.
Depois da
leitura, você não me olhou.
Pela primeira vez,
não houve bilhete, nem dobra secreta.
Só um silêncio novo,
pesado como pressentimento.
Ao
sairmos, o segundo sol já tinha sumido.
O céu voltou ao normal.
Mas eu nunca mais fui o mesmo.
Porque há
quintas-feiras
em que a realidade se dobra,
e o amor, que antes andava escondido,
passa a se esconder de novo —
mas não mais por timidez,
e sim por fim.
VII. A Chuva que Cai para Dentro
Depois da
quinta-feira de dois sóis,
não choveu lá fora durante semanas.
Mas
dentro de mim —
houve tempestade.
Não
dessas com trovões e janelas batendo.
Era uma chuva miúda,
invisível aos outros,
que caía em mim com precisão de lembrança.
Pingava
quando eu cruzava a rua onde a gente parava pra rir.
Gotejava quando eu via alguém com seu perfume.
Chovia de verdade quando eu encontrava
vestígios de você
em coisas que você nunca tocou.
A sala de
poesia continuava funcionando.
Mas não era mais a mesma.
Você
seguia lendo,
mas agora lia para todos —
não mais para mim no canto da sala.
E eu...
eu tentava escutar,
mas cada palavra era um trovão abafado,
uma gota em vidro grosso.
Era um
silêncio barulhento.
Feito de tudo o que não dissemos.
Feito da ausência do que nunca ousamos ser.
Comecei a
escrever menos.
Ou mais — mas só para mim.
Cadernos inteiros encharcados de você,
sem uma única citação direta.
Como se teu nome, agora,
fosse palavra proibida.
Essa
chuva que cai por dentro
não molha a roupa,
mas deixa o peito frio.
E o mundo,
aos poucos,
vai perdendo cor.
Choveu em
mim por muito tempo.
Chove até hoje,
às vezes.
Principalmente quando me lembro
que houve um sol a mais no céu —
e que mesmo assim,
nós escolhemos a sombra.
VIII. Versos em Desalinho
Com o
tempo,
os poemas começaram a falhar.
Não que
deixássemos de escrevê-los —
mas eles saíam tortos,
em desalinho.
As
palavras tropeçavam umas nas outras,
como se estivessem tentando andar no escuro.
A métrica sumia,
os sentidos fugiam pelas bordas do papel.
Havia
algo estranho na maneira como você rimava “fim” com “início”,
como se não soubesse mais onde estava.
E eu, que sempre quis clareza,
me escondia atrás de metáforas quebradas,
com medo de dizer:
sinto sua falta.
O grupo
se renovava.
Gente nova, vozes novas,
e a sala, agora, ecoava de outros ritmos.
Mas entre
nós,
um silêncio ritmado permanecia.
Nem gelado,
nem quente —
apenas morno,
como água esquecida.
Encontrei
um dos seus antigos bilhetes dentro de um livro
que não era sobre amor.
E chorei.
Não pelo que ele dizia,
mas pelo que não dizia mais.
Você se
tornou para mim
um poema com páginas arrancadas.
Ainda bonito,
mas incompleto.
Nossos
versos —
que antes dançavam como vento em varal —
agora pareciam fios soltos,
presas de uma ventania que passou sem aviso.
Ainda te via.
Ainda me via.
Mas já
não nos víamos.
IX. O Triângulo na Estante
Era uma
tarde qualquer,
de sol limpo e agenda vazia.
Eu entrei na antiga livraria do centro
procurando um título esquecido,
ou talvez apenas um lugar seguro para não pensar.
E foi ali
—
entre as estantes de literatura brasileira
e os livros infantis em promoção —
que vi vocês dois.
Ela, com
o mesmo gesto de quando folheava poemas:
as pontas dos dedos tocando o papel
como quem acaricia memória.
Ele, ao
lado, sorrindo pequeno,
mão na cintura dela —
como quem já pertence.
E eu...
fiquei preso.
Não ao
chão,
mas ao tempo.
A sala se
dobrou em volta de mim
como nos velhos encontros do grupo.
Por um instante, os livros pareciam sussurrar versos antigos,
e o ar ficou denso de poesia não dita.
Ela me
viu.
Por um
segundo,
foi só ela e eu.
Dois fantasmas com histórias entrelaçadas
que fingiam ser estranhos.
O
constrangimento foi mútuo.
Três lados de um triângulo estranho,
não geométrico,
mas emocional.
Irregular como sentimento.
Ela
sorriu.
Você sorriu.
Ele não sabia.
Ele não sabia.
E eu...
dei um passo atrás,
como quem tropeça na própria sombra.
Nos
cumprimentamos com palavras demais
e olhares de menos.
Um beijo no rosto —
carregado de passado,
disfarçado de afeto civilizado.
Naquele
momento,
todos os poemas mal acabados voltaram à minha pele.
Era como
se a cena fosse dirigida por uma força antiga,
uma entidade invisível que comandava o enredo
de reencontros inevitáveis.
Três
pessoas.
Três passados.
Três futuros que nunca se encaixaram de verdade.
E mesmo
assim,
ali estávamos.
Tão reais,
tão frágeis,
tão vivos.
O
triângulo não estava nos corpos.
Estava no espaço entre nós.
E no que
jamais dissemos em voz alta.
X. O Livro que Ninguém Lê
Depois
daquele encontro,
voltei para casa com um livro que não escolhi.
Peguei da prateleira por reflexo,
sem lembrar o título,
só para ter algo nas mãos além da ausência.
Em casa,
ao abrir,
não encontrei letras.
As páginas estavam em branco.
Mas o
estranho
é que mesmo assim,
eu lia.
Porque
aquele livro,
que ninguém lê,
guardava as histórias que nunca escrevemos.
Cada
folha em branco
era uma tarde não vivida,
um gesto interrompido,
uma conversa que ficou no quase.
Era um
livro com capítulos que se formavam
à medida que eu pensava em você.
Em um
deles,
voltávamos para o grupo de poesia,
como se o tempo não tivesse se movido.
Em outro,
te entregava todos os bilhetes guardados —
um por um,
com as mãos trêmulas de quem ainda ama.
Mas o
mais bonito era o capítulo
onde você sorria
com aquele sorriso que só dava quando era minha.
Ali, o mundo era outro.
Não mais real,
mas verdadeiro.
Só que
quando tentei mostrar o livro para alguém,
as páginas estavam vazias.
Porque o
livro que ninguém lê
só aparece quando se está sozinho.
E só fala com quem sente.
Guardei-o
na última gaveta da estante.
Às vezes o pego de novo,
quando a saudade pesa mais que o presente.
E mesmo
sem palavras,
ele me conta tudo.
XI. As
Três Estrelas
Foi numa
noite de céu limpo —
coisa rara naquela cidade esquecida de ventos —
que as três estrelas surgiram.
Não eram
constelação.
Não eram alinhamento científico.
Eram três pontos brilhando sozinhos
no mesmo triângulo impossível
que agora habitava minha memória.
Olhei
para cima como quem procura direção.
E elas estavam lá.
Não piscavam.
Não tremiam.
Apenas observavam.
Por algum
motivo que não sei dizer,
senti que uma era você.
A segunda, ele.
A terceira… eu.
Mas não
como estamos agora.
E sim como fomos,
em algum outro tempo,
em algum outro plano,
onde o amor não exige escolha,
apenas presença.
Aquela
noite me trouxe paz.
Não porque apagou a dor,
mas porque revelou o sentido dela.
Percebi
que cada estrela brilha por si,
mas só forma figura quando vista de longe.
De perto, somos só luzes dispersas.
De longe, somos desenho.
E naquele
desenho estelar,
não havia mágoa.
Só poesia antiga,
ainda viva.
Desde
então,
às vezes olho para o céu
como quem relê um verso querido.
E vejo as três estrelas
ainda ali.
Discretas.
Em silêncio.
Testemunhas do que fomos
e do que, quem sabe,
ainda somos —
quando ninguém mais está olhando.
XII.
Poema Final de Três Vozes
[Voz 1 —
A dela]
Se eu soubesse o que você sentia,
talvez tivesse dito menos.
Ou mais.
Talvez tivesse demorado mais nos abraços
e menos nas dúvidas.
[Voz 2 —
A dele]
Eu só via dois amigos antigos
rindo com delicadeza.
Não percebi a tensão na borda do sorriso.
Não vi o poema entrelinhado nos olhos de vocês.
[Voz 3 —
A minha]
Eu quis dizer:
"está tudo bem, podem amar-se em paz."
Mas a voz não veio.
Veio só o poema.
E o poema sempre trai o poeta.
[Voz 1]
Você sempre escreveu bonito demais.
E eu lia como quem queria ouvir confissões.
Mas talvez eu tenha lido o poema errado.
[Voz 2]
Nunca entendi por que vocês se olhavam tanto
entre as sílabas.
Agora entendo.
E tudo bem.
(ou quase tudo).
[Voz 3]
Ficou um poema no ar.
Inacabado.
Como nós.
[Todos —
em silêncio, depois em coro]
Não há fim para o que nunca se nomeou.
A memória é um livro sem capa,
mas com páginas marcadas.
Cada um lê o seu pedaço
e volta à vida com um fragmento da história.
E a
poesia —
essa sim —
continua.
Epílogo — Nota Encontrada no Fim do Caderno
Para quem
encontrar este caderno:
Ele não é
um livro comum.
É um lugar onde o tempo dobrou e virou papel.
Aqui se
guarda o que não foi dito,
o que foi vivido às margens da fala,
o que se insinuou em olhares longos
e poemas que só rimavam com o silêncio.
Três
pessoas se encontraram aqui.
Nenhuma saiu a mesma.
O amor,
às vezes, não acontece.
Mas permanece.
Se você
leu até aqui,
então também participou —
porque há histórias que continuam só por serem lidas.
E toda vez
que alguém abre este caderno,
ele reescreve o triângulo.
Com
outros nomes, talvez.
Mas com o mesmo coração.
Caderno
de Três Lados
(um livro
de poesia em silêncio geométrico)
Dedicatória
Para os
que amaram e calaram.
Para os que viram o amor passar de mão dada com o passado.
Para os que ainda escrevem cartas que nunca serão enviadas.
Caderno de Três Lados
(um livro
de poesia em silêncio geométrico)
Dedicatória
Para os
que amaram e calaram.
Para os que viram o amor passar de mão dada com o passado.
Para os que ainda escrevem cartas que nunca serão enviadas.
Parte I — Ângulos do que foi
1.
Encontro em Suspensão
o não
saber o que fazer
agir
pensar.
sentado
imóvel
estátua.
chegada
em chegança repentina.
segundos seguindo-se.
tempo parado
no instante familiar da lembrança.
visões.
constrangidos.
todos.
mãos dadas.
namorado / namorada.
pregado à cadeira sem forças para levantar.
espera de reações que não vêm
por dentro
reações que se veem na pele
nos nervos
no tímido esboçar do sorriso.
o amigo
poeta.
a amiga poetisa.
ajuda
socorro
levantar
abraço.
corações
em desalinho
bocas secas
lábios em risco de denunciarem-se.
beijos no
rosto
em cada face de carinho
com cheiros exatos de todos os cabelos
de todas as peles
pelas narinas oprimidas
a pesquisar odores
pelas pernas bambas
de sentir a emoção
dos reencontros em três
em trio
em triângulo
nem tão triângulo assim.
2. A Geometria dos Poetas
Ela
me chamava de “meu poeta”,
com aquele jeito de quem sabe o que a palavra carrega.
Eu a chamava de tempestade mansa.
O grupo de poesia era o nosso refúgio,
uma casa sem paredes.
Agora,
ela chega com outro.
E tudo dentro de mim desmorona em silêncio.
O poema se reescreve por dentro.
Sem caneta.
3. Memória de Primeiros Versos
Uma
lousa.
Dois sorrisos.
Três poemas na mesma folha.
Trocávamos papéis como quem entrega segredos.
Ela
escrevia com perfume nas palavras.
Eu respondia com mãos suadas.
Tudo começava ali.
Agora,
tudo parece longe,
mas a lembrança reaparece inteira
num segundo
em que ela me olha e desvia.
4. Quando Tudo Começou a Partir
Foi
um silêncio longo,
mas nenhum dos dois o nomeou.
Ela ficou ausente aos poucos.
Eu fui ficando inteiro demais — e pesado.
No
último encontro do grupo,
ela não leu nada.
Eu li demais.
E
ninguém entendeu.
Mas eu soube ali:
ela já havia partido.
5. O Poema Interrompido
Nunca
terminamos a última estrofe.
Ficou pela metade,
como um beijo interrompido.
E
no verso inacabado,
o amor congelou.
Não morreu.
Só ficou preso
na margem da página.
Parte II — Silêncios entre Pontos
6. A
Cadeira Vazia
Hoje,
naquele mesmo café,
a cadeira dela ainda está lá.
Vazia.
Mas cheia de presença.
Sento-me
diante dela
como quem reza.
Mas não há resposta,
só lembrança.
7. O que
Não Foi Dito no Grupo
O grupo
de poesia continua,
mas sem os dois poetas centrais.
Eles acham que a gente só se afastou.
Não sabem
do triângulo.
Nem do poema cortado no meio.
Nem da rima que nunca aconteceu.
E nunca
vai acontecer em voz alta.
8. Versos
em Desalinho
Ela sorri
para mim
na frente dele
e o mundo vacila.
Minha mão
treme sobre o copo.
Os versos que pensei guardados
começam a vazar pelos dedos.
Mas
seguro.
Recolho.
Viro estátua.
De novo.
9. O
Triângulo na Estante
Ficamos
ali os três,
como peças de um xadrez que ninguém jogou.
O amor,
que já foi rei,
agora é só uma torre quieta.
E eu sou o peão parado no meio
de um tabuleiro emocional.
E ninguém
dá xeque.
Ninguém vence.
Só permanecemos em jogo.
10. O
Livro que Ninguém Lê
Depois
daquele encontro,
voltei para casa com um livro que não escolhi.
Peguei da prateleira por reflexo.
Em casa, ao abrir,
não encontrei letras.
As páginas estavam em branco.
Mas eu
lia.
Era o
livro das histórias que nunca escrevemos.
Cada folha: um gesto interrompido.
Cada capítulo: uma hipótese.
Tentei
mostrar.
Mas ninguém via o que eu via.
Porque o livro que ninguém lê
só aparece para quem sente.
Parte III — As Constelações que se Escondem
11. As
Três Estrelas
Três
pontos no céu.
Não formavam constelação.
Formavam memória.
Uma era
ela.
A segunda, ele.
A terceira… eu.
Três
luzes soltas.
Mas vistas de longe,
formavam desenho.
Um
triângulo impossível.
Mas belo.
E eterno.
12. Poema
Final de Três Vozes
[Ela]
Se eu soubesse o que você sentia,
teria dito mais. Ou menos.
Talvez teria ficado.
[Ele]
Achei que eram só amigos.
Mas entendi tarde demais
o que não era dito.
[Eu]
Quis dizer: tudo bem.
Mas só saiu um poema.
E o poema sempre trai o poeta.
[Todos]
Não há fim para o que nunca se nomeou.
A memória é um livro sem capa,
mas com páginas marcadas.
E a
poesia —
essa sim —
continua.
Epílogo — Nota Encontrada no Fim do Caderno
Para quem
encontrar este caderno:
Ele não é
um livro comum.
É um lugar onde o tempo dobrou e virou papel.
Três
pessoas se encontraram aqui.
Nenhuma saiu a mesma.
O amor,
às vezes, não acontece.
Mas permanece.
Se você
leu até aqui,
então também participou.
Porque há histórias que continuam só por serem lidas.
E toda
vez que alguém abre este caderno,
ele reescreve o triângulo.
Com
outros nomes, talvez.
Mas com o mesmo coração.