sábado, 31 de maio de 2025

O TEMPO ME ENSINOU

 

O tempo me ensinou

O tempo me ensinou
a não esperar promessas de volta,
a recolher as palavras ditas ao vento
sem querer prendê-las ao chão.

Ensinou-me o ritmo das ausências,
o dom de ficar sem partir,
e a beleza de um olhar quieto
que já não exige ser visto.

Mostrou que o amor,
quando verdadeiro,
não grita.
Permanece, mesmo no silêncio.

O tempo me ensinou
a deixar ir
sem despedaçar o que fui,
a entender que feridas
também sabem florescer.

E me ensinou, por fim,
que a saudade não é fraqueza —
é só o rastro
de quem amou demais
e aprendeu a continuar.

QUE

 

 

Que

 

Que a vida revele seus pequenos milagres no simples respirar,

E que tua mão encontre o chão, para plantar uma semente minúscula que seja,

Na certeza de que cada gesto simples pode florescer em um jardim.

 

Que a leveza te abrace quando a vida tropeçar,

Que o riso brote, mesmo diante de um dia que não amanheceu perfeito.

Há beleza na falha, um novo ritmo na pausa inesperada.

Que a gratidão seja tua bússola, apontando para o que permanece,

E que a alegria se faça presente no que já és, no que já tens.

 

Que a tua voz seja a mais pura canção de quem tu és,

Sem o disfarce que a vida, por vezes, tenta nos impor.

Que a verdade em teus olhos seja o espelho da tua alma,

E que em cada abraço, em cada palavra, a integridade se revele,

Pois a beleza maior reside em seres que realmente deves ser.

 

Que a espera seja tua aliada e o tempo, um mestre gentil,

Que as árvores, mesmo nuas, saibam que a primavera virá.

Nos dias de cinza, que a paciência semeie a certeza do novo broto.

Que a resiliência te ensine a arte de curar cada ferida,

E a fé te faça entender que tudo floresce no momento exato.

 

Que um abraço sincero te encontre quando a alma se cala,

Que um olhar compreenda o silêncio e a história que ele carrega.

No toque das mãos, que a cumplicidade teça fios de ternura.

Que o afeto seja a ponte que conecta corações sem alarde,

E que tuas relações floresçam na gentileza que se entrega.

 

Que teu amor seja livre, sem amarras que o prendam,

Que a liberdade de voar seja a essência de cada partida e chegada.

Sem o receio de partir, sem o peso do que não te pertence.

Que cada passo seja um ato de coragem, uma escolha tua,

E que a vasta imensidão da vida te acolha em seu próprio compasso.

 

Enfim, que cada dia seja a dádiva em teu viver,

Um convite à entrega, à dança que o presente te oferece.

Que o amor, em suas múltiplas faces, seja teu eterno abrigo,

E que a paz que buscas já resida em ti, um farol a florescer,

Na certeza de que, ao amar e ser, a vida te devolverá o que é teu.

CONSELHOS PARA A ALMA

 

Conselhos Para a Alma

 

Caminha suave, pois a vida te acena.

Desvenda o novo, com um olhar que transcende o agora.

O amanhã respira em cada passo, em cada fresta de luz.

Permite que a esperança te guie, serena e forte,

Rumo aos dias que se erguem, plenos de possibilidade.

 

Sê teu próprio farol, a voz que ecoa em teu peito.

Não te percas em ecos alheios, nem em máscaras que ocultam.

A verdade que te habita é a mais pura melodia,

Oferece-a ao mundo com a coragem da tua essência,

E a paz florescerá na integridade do teu ser.

 

Abre teus ouvidos à melodia não dita, ao silêncio que fala.

Compreende o outro, não para julgar, mas para acolher.

Em cada partilha, há um universo a se revelar,

Um elo de luz que se tece na ponte do entendimento.

E o coração se expande na arte de se conectar.

 

Quando a tormenta se erguer e o vento soprar forte,

Não te curves, mas busca a âncora em teu interior.

Cada cicatriz é um mapa de força, uma lição aprendida.

Renova tua alma, pois a essência é indestrutível,

E a luz do recomeço sempre encontra um novo amanhecer.

 

Mesmo nas sombras, busca a semente do que floresce.

A gratidão tece milagres nos detalhes da rotina.

Olha o sol que se põe, e a estrela que surge na noite.

O otimismo é um jardim que cultivas a cada aurora,

E a alegria um eco que ressoa do teu próprio bem-querer.

 

Sente a terra sob teus pés, o vasto azul acima de ti.

Há uma melodia universal que te chama, um propósito maior.

Em cada ser, em cada folha, a dança da vida se revela.

Conecta-te ao fluxo que te nutre, à grandiosidade do existir,

E encontra na imensidão a tua própria paz, o teu lugar.

 

Lembra-te do Criador que tece o universo e a ti.

A humildade te abre as portas da verdadeira sabedoria,

Reconhecendo a vastidão além do teu próprio saber.

No silêncio da alma, escuta a voz que guia os passos,

E entrega-te à fé, à força maior que tudo sustenta.

 

No turbilhão dos dias, busca o centro que te acalma.

A impermanência é a dança da vida, aceita-a sem temor.

Nem tudo controlas, mas a tua resposta, sim.

Cultiva o jardim da serenidade, rega-o com aceitação,

E a paz interior será o teu mais fiel e constante abrigo.

 

Assim, na vastidão do tempo e no breve sopro do viver,

Que a tua jornada seja a mais bela canção de bem-querer.

Aceita o que és, liberta o que não te serve, sê apenas luz.

A vida é o presente, a dádiva em tuas mãos a cada alvorecer,

E nela, descansa em paz, pois o bem é o teu mais puro e eterno ser.


Epílogo: Uma Reflexão Final

Que a leitura dessas palavras ecoe em teu íntimo, não omo dogma, mas como um gentil sussurro da alma. Permite que a paz que buscas se revele no simples respirar, na beleza dos pequenos gestos e na certeza de que o bem já habita em teu ser, um farol eterno em cada amanhecer.       Vicente Siqueira.



 

A COLHEITA DA LUZ

 

 

A Colheita da Luz

A esperança não é um raio que rompe a nuvem,

um presente que despenca do alto,

pronto e sem custo.

Ela é um solo que se prepara,

um campo que se cultiva

com a paciência da terra.

 

O futuro,

esse espaço que desejamos mais luminoso,

não brota do acaso,

nem da inércia dos sonhos.

É a semente que lançamos,

o suor que rega,

a dedicação que nos toma no presente,

que o faz florescer.

 

A colheita farta,

a abundância que o olhar alcança,

não é um milagre,

mas a ressonância exata

do trabalho de agora.

É o eco fiel de cada mão que planta,

de cada esforço que se doa,

no silêncio produtivo do hoje.



"A esperança é um campo cultivado, não um dom que cai do céu. O futuro mais luminoso é aquele que regamos com esforço e dedicação no presente. A colheita farta é o eco do trabalho de agora."            Vicente Siqueira

A URDIDURA DO AMANHÃ

 

A Urdidura do Amanhã


O futuro não é um texto selado,

um pergaminho já pronto,

desenhado pelas sombras

que as ansiedades do agora projetam.

Não é um fardo imposto

pela apreensão que nos visita.

 

Ele nasce, sim,

na teia das ações que escolhemos,

na trama de cada passo que damos,

com intenção, com sentido.

O amanhã, essa paisagem que se desenha,

é o reflexo puro

das decisões que brotam

de um coração aberto,

sem as travas que o medo impõe,

sem as portas que o temor insiste em fechar.

 

Não é a sombra que nos guia,

nem a inquietude que nos move.

É a esperança, essa força silenciosa,

que se lança para além do agora,

que realmente molda,

que realmente constrói.

Ela é a verdadeira arquiteta do porvir,

a mão que desenha os horizontes,

mesmo quando a vista ainda é névoa. 


"O futuro não está escrito nas ansiedades do presente, mas nas ações que se escolhe realizar. O amanhã é um reflexo das decisões tomadas com o coração aberto, não das portas fechadas pelo temor. A esperança, e não a apreensão, é a verdadeira arquiteta do porvir."                 Vicente Siqueira

 

A SETA INFINITA

 

A Seta Infinita


Não há como negociar

com a linha que se estende.

O segundo, quando nasce,

já se despede.

 

Não há pedido,

nem súplica,

nem barganha.

Ele não para para ouvir.

 

O relógio interno do mundo

segue um ritmo próprio,

imutável.

Não conhece o atraso,

não aceita a pausa.

 

Somos nós que corremos,

ou rastejamos,

ou paramos,

enquanto a seta aponta sempre para a frente.

 

E nessa marcha incansável,

nesse avanço sem freio,

moram as perdas e as chances,

o que foi e o que será.

 

Porque ele não espera.

Apenas vai.

E o que nos resta

é aprender a ir com ele.



"O tempo, rio que não volta, nos leva para águas que jamais vimos."

                                 Vicente Siqueira

 

 

FLUXO CONSTANTE

 

Fluxo Constante

 

O tempo, um rio, disseste.

E a imagem persiste, agora.

Não a calmaria da represa,

mas a força silenciosa da corrente.

 

Não escolhemos a cor da água,

nem a temperatura,

nem os seixos que rolam no fundo.

Somos apenas levados.

 

As margens de ontem, seguranças tênues,

escorrem pelos dedos da memória.

E o horizonte se alarga,

nem sempre convidativo,

muitas vezes opaco,

mas sempre novo.

 

Não há mapa para este curso.

Apenas a certeza do movimento,

para um delta desconhecido,

onde o rio, talvez,

se encontre com um mar imenso.

 

E nesse seguir,

nesta jornada imposta,

aprendemos a nadar em águas turvas,

a respirar a umidade do incerto,

porque a margem imóvel

é apenas uma promessa vã.

O rio nos sabe mais fortes em seu fluxo.

 

   

"O tempo, rio que não volta, nos leva para águas que jamais vimos."

                       Vicente Siqueira

AS MARCAS DA TRAVESSIA

 

As Marcas da Travessia

 

Não há pele que seja pura,

sem a história de um arranhão,

de uma rasura.

Cada marca,

um relevo na paisagem do corpo,

do espírito,

é o sinal deixado pela ferida,

o traço indelével da dor.

 

Mas nesse desenho,

nessa linha que agora se assenta,

reside a memória mais profunda:

a da superação.

Não é o grito do momento do corte,

mas o silêncio da cura que se anuncia.

 

A cicatriz,

essa testemunha calada,

não fala da queda,

mas do chão que a alma encontrou depois,

da força que o corpo buscou

para se erguer de novo.

Ela é a prova, serena e firme,

de que a vida,

em sua infinita capacidade de renovação,

sempre encontra um jeito,

um novo alento,

para continuar.



"Não há ferida que não deixe um sinal, e é nesse sinal que reside a memória da superação. A cicatriz é a testemunha silenciosa de que, apesar da queda, o corpo e o espírito souberam se levantar. Ela é o lembrete de que a vida sempre encontra um jeito de continuar." 

                                        Vicente Siqueira

A SEMENTE DO AMANHÃ

 

A Semente do Amanhã

 

A vida não nos entrega um mapa,

nem roteiro com cada dobra e curva.

Não promete o solo firme,

o sol constante.

Apenas desdobra,

em cada amanhecer,

a página em branco de uma nova oportunidade.

Um espaço para aprender,

para a alma se esticar, evoluir.

 

E a mais rica dessas chances,

essa que acende a luz mais forte,

está justamente no que não se pode prever.

No passo que se dá no escuro,

no caminho que se abre sem aviso,

onde a mente não tem rascunho

e o coração precisa de coragem.

 

O desconhecido,

essa névoa que nos cerca,

não é um monstro à espreita,

nem uma ameaça a ser temida.

É, na verdade, um convite silencioso,

velado em mistério,

para o vasto potencial que dorme em nós.

Uma porta para a força que aguarda

para ser descoberta,

no salto sem garantias.



"O novo não é um monstro. É apenas o não-conhecido, uma tela em branco que aguarda".

                                               Vicente Siqueira


 

sexta-feira, 30 de maio de 2025

NA FRONTEIRA ENTRE MIM E EU: O DUPLO ESPELHO

 Na Fronteira Entre Mim e Eu: O Duplo Espelho

Estou na fronteira entre mim e eu, onde o reflexo no espelho, às vezes, sorri antes de mim. Não é um truque de luz, nem cansaço. É que meu "eu" do outro lado, o que habita a dimensão paralela do meu próprio ser, tem vida própria. Ele pisca antes, respira mais fundo, e um dia, juro, sua lágrima rolou antes da minha, escorrendo pela superfície fria do vidro.


Às vezes, quando a insônia aperta e a madrugada estica, meu "eu" do espelho se desprende. Flutua pela sala como uma névoa densa, mas com a forma exata dos meus contornos. Sento na cama, ele se senta no chão, os olhos fixos nos meus, as pupilas dilatadas absorvendo o silêncio. Conversamos sem palavras, um diálogo de anseios e medos que só o ar pesado da noite consegue traduzir. Certa vez, ele estendeu a mão diáfana e tocou meu rosto, e senti um arrepio gélido, como se um fantasma de mim mesmo me acariciasse.


No dia em que o carro quase me atropelou, fui salvo por um impulso que não foi meu. Meu "eu" do espelho, que por um segundo se materializou ao meu lado na calçada, me empurrou. Senti a força invisível, o vento cortante do veículo, e quando me recompus, ele já estava de volta ao seu posto, no espelho, um leve sorriso enigmático nos lábios. A fronteira entre nós é fluida, tênue, uma película que a qualquer momento pode se rasgar, e então, talvez, seremos um só novamente, ou talvez, ele finalmente tome o meu lugar de uma vez por todas.

A ZONA DA EXPANSÃO

 

A Zona da Expansão

 

Há grades invisíveis,

técnicas de conforto,

onde muitos escolhem ficar.

É o familiar,

a prisão doce

de tudo que já se sabe,

mesmo quando aperta a alma.

 

Lá fora,

o voo é incerto.

O novo convida,

mas sem garantias,

sem o chão que já se conhece.

É a liberdade,

que assusta mais que o cativeiro.

 

No entanto,

o crescimento real não nasce em berço de certeza.

A sabedoria profunda,

essa essência que transforma,

floresce apenas

quando a ousadia cruza a fronteira

do que não se domina,

do que o intelecto não pode mapear.

 

Aceitar o desafio

desse desconhecido,

desse vasto e inexplorado amanhã,

é, em cada passo incerto,

amadurecer.

É a respiração mais plena da vida,

a que nos alarga o peito.


 

"A vida não promete certezas, apenas oportunidades para aprender e evoluir. A maior delas reside naquilo que não se pode prever, no caminho que se abre sem aviso. O desconhecido não é uma ameaça, mas um convite velado para o nosso próprio potencial."


 

O SALTO E O VAZIO

 

O Salto e o Vazio

 

Não é a queda,

a gravidade que puxa,

que nos det

É o invisível sob os pés,

a incerteza de um solo que pode não estar lá.

 

O abismo, em si,

é apenas um espaço.

Sua verdadeira ameaça

não está na escuridão de sua profundidade,

mas na falta de contorno,

de um traço familiar para a mão buscar.

 

O novo não é um monstro.

É apenas o não-conhecido,

uma tela em branco que aguarda.

Seu desafio maior

não reside na surpresa que pode trazer,

mas na ausência do mapa que nos guia,

na melodia que ainda não escutamos.

 

A alma se encolhe não pela ameaça,

mas pela vastidão sem nome.

É o silêncio do futuro

que nos faz hesitar,

mais que o barulho de qualquer fim.

 

CADERNO DE TRÊS LADOS

 

 

TRIÂNGULO
(versão realismo fantástico — em primeira pessoa)

Senti o tempo hesitar quando ela entrou.
Não parou de vez — apenas titubeou, como quem pisa num chão de lembranças e precisa reaprender a andar.

Ela veio com ele.
De mãos dadas.
Ele sorria com a segurança dos que não sabem.
Ela também sorria — mas havia, em seus olhos, um leve tremor.
O tipo de tremor que só se nota quando já se amou alguém demais.

Fiquei preso à cadeira.
Não metaforicamente.
Os pés colados ao chão, as costas coladas ao encosto — como se alguma força antiga houvesse decretado: “Ficarás.”
O ar ao redor tremeluzia, como num sonho prestes a virar pesadelo ou revelação.

Ninguém ali sabia.
Nem ele, nem os demais.
Só ela, eu — e talvez os anjos mudos encostados nas paredes, observando.

Ela se aproximou com o peso de um século inteiro.
Beijou-me o rosto como se escrevesse em minha pele um poema que ninguém mais deveria ler.
Na outra face, o beijo dele — leve, distraído.
E entre os dois gestos, fiquei dividido, como uma relíquia mal compreendida.

Ela cheirava igual.
Exatamente igual.
O perfume, o cabelo, a memória inteira condensada nas narinas que vacilaram.
Minhas pernas ameaçaram falhar.
Mas não podiam — o chão me tinha.

Ao redor, os poetas se materializaram — meus guardiões secretos.
Eles sabiam.
A amiga segurou minha mão sem me olhar.
O amigo, com os olhos cheios de silêncio, recitou um verso inaudível que só o meu peito entendeu.

E eu fiquei ali.
Um altar onde ninguém rezava.
Uma encruzilhada disfarçada de cadeira.
A terceira ponta de um triângulo que ninguém via.

No fim, o tempo resolveu seguir.
As conversas voltaram a se mover.
As taças tilintaram.
E todos esqueceram o que aconteceu.

Menos eu.
E talvez, ela.
Porque certos encontros acontecem fora do tempo.
E certas histórias, mesmo enterradas, exalam flores impossíveis.

 

 

Capítulos narrativos com cenas surreais que desdobram esse reencontro em outras camadas (tempo distorcido, sonhos cruzados, lapsos de realidade).
Diálogos com os poetas que talvez não sejam só amigos, mas entidades que regem encontros perdidos.
Repercussões ocultas: o que acontece depois desse encontro? O triângulo desperta alguma força? Há algo inacabado entre vocês que ecoa no mundo?

Quer que eu escreva o próximo capítulo como se fosse o que acontece depois da festa, ou prefere um flashback onde se revela o que houve entre vocês antes da

 

TRIÂNGULO — Flashback: O Tempo dos Versos

Havia uma sala — ou talvez um templo disfarçado de sala.
As paredes não tinham cor definida, pois mudavam com os poemas lidos.
Ali, reuníamo-nos à luz das palavras, e cada voz que se erguia tingia o ar com outras cores, outras formas.

Foi ali que a vi pela primeira vez.
Ela lia um poema como quem evocava uma constelação esquecida.
Cada pausa, uma respiração de universo.
Cada metáfora, uma estrela nova acesa dentro de mim.

Não nos falamos de imediato.
Foi preciso que alguns poemas fossem escritos no silêncio.
Poemas invisíveis — feitos só de olhares cruzados entre leituras.

Depois, veio o primeiro bilhete, escondido entre páginas de Drummond:
"você escreve como quem acorda pedras."
Era dela.
E eu, que até então só escrevia para fugir de mim,
passei a escrever para chegar nela.

No grupo, nos tornamos um dueto tácito.
Eu começava uma frase e ela a completava,
mesmo sem ter ouvido antes.
Nossos poemas formavam uma ponte,
e sobre ela andávamos todas as quintas à noite,
sem perceber que o abismo ao redor também era parte do trajeto.

Um dia, ela faltou.
Depois, faltou de novo.
E então voltou — de mãos dadas com o silêncio.
E com o silêncio, outro alguém.

Mas naquela época...
Ah, naquela época as palavras tinham cheiro.
As metáforas ardiam como pele.
E entre os papéis dobrados, os versos trocados,
nós dois fomos quase verdade.

 

 

 

 

 

 

 

TRIÂNGULO — O Momento da Separação

Não houve briga.
O que houve foi um dia em que os poemas pararam de se encontrar.
O meu verso já não sabia mais para onde o dela caminhava.
As palavras, antes cúmplices, começaram a se olhar de lado, desconfiadas.

Foi numa noite chuvosa —
mas não uma chuva comum.
Era uma daquelas chuvas que caem para dentro,
onde o que molha não é o corpo, mas o que nos segura por dentro.

Ela chegou no grupo com um casaco que eu nunca tinha visto.
Novo, bonito, estranho —
como se o tempo tivesse lhe dado outra pele.
Trouxe um poema breve.
Lido sem alma, sem olhos.
Como se apenas cumprisse um pacto final.

Eu tentei responder com um texto meu,
mas as sílabas me traíram.
Saíam quebradas, molhadas,
como folhas que o vento arrasta de volta ao chão.

Depois da leitura, ficamos os dois no corredor.
O mundo lá fora parecia feito de névoa.
Ela disse:
"Acho que é hora de escrever sozinha."
Mas o que eu ouvi foi:
"Nosso poema acabou."

Tentei segurar a frase pelo punho,
mas ela se desfez em folhas secas.
No lugar onde costumava estar o nosso abraço,
abriu-se uma fenda sutil,
como se o universo, discretamente, começasse a dobrar aquele capítulo.

Quando ela foi embora, as palavras no mural do grupo começaram a apagar sozinhas.
Nomes sumiram das assinaturas.
Pedaços de poemas desapareceram das estantes.
As paredes da sala voltaram à cor neutra.
E o ar, antes vibrante, ficou liso, sem memória.

Foi assim.
Sem barulho.
Como uma flor que fecha à noite —
mas nunca mais abre ao amanhecer.

 

 

TRIÂNGULO — A Despedida

(poesia suave)

foi numa noite de nuvem baixa
e passos curtos no corredor.
ela chegou com outro perfume,
e o tempo, em silêncio,
começou a fazer malas invisíveis.

os poemas já não se olhavam nos olhos.
os meus versos esperavam
pelas palavras dela —
mas vinham poucas,
breves,
com pressa de acabar.

a sala do grupo ficou pequena.
as vozes pareciam distantes,
como se falassem de outro lugar.
havia um vento novo ali,
um vento que só ela escutava.

no fim da leitura,
ela sorriu como quem embala um adeus.
e disse, sem dizer:
“vou seguir por outro caminho.”

não chorei.
nem ela.
mas o teto gotejava lento,
como se soubesse.

ela se foi.
e os papéis onde escrevíamos juntos
começaram a desbotar.
as palavras se apagavam sozinhas,
como se soubessem do fim
antes de nós.

desde então,
alguns dias ainda carregam o cheiro dela.
sobretudo os de chuva leve,
quando a poesia retorna
só para dizer:
"fui real."

 

TRIÂNGULO — O Reencontro

(poesia suave)

ela chegou sem anúncio,
como as chuvas finas que já chegam molhando.
veio de mãos dadas,
com ele —
um sorriso novo,
um passo firme.
e um leve vacilo nos olhos,
como se ainda soubesse de mim.

eu estava sentado.
e o banco parecia saber
que não era hora de levantar.
me segurou com a gentileza das raízes,
me dizendo:
“fica. só observa.”

as luzes ao redor se tornaram velas,
mesmo sem apagarem-se.
o ar parou de correr,
e tudo virou lembrança,
mesmo estando no agora.

ela me viu.
e no instante do olhar,
todos os nossos poemas voltaram —
não inteiros,
mas em fragmentos que flutuaram entre nós,
como pétalas de um livro que se desfaz.

beijou-me o rosto,
como quem folheia uma página com saudade.
o outro rosto ela deu a ele,
com o mesmo gesto,
mas outro tempo.

ninguém sabia.
ninguém precisava saber.
a poesia nos bastava.

quando se afastou,
deixou no ar um perfume antigo,
e em mim,
a certeza de que há amores
que não acabam —
apenas se tornam brisa.

fiquei ali,
sentado,
entre o que foi
e o que nunca deixou de ser.

 

 

 

 

 

 

Caderno de Três Lados

um poema em três tempos

Epígrafe
“Nem todo triângulo é estável. Alguns tremem, outros giram. Mas os mais verdadeiros... cantam.”

 

I. A Sala que Mudava de Cor

Havia uma sala no centro da cidade —
mas era mais do que uma sala.
Era um lugar onde o tempo se dobrava com os papéis
e a luz obedecia aos sentimentos dos que chegavam.

Quando um poema era lido,
as paredes mudavam de tom.
Com versos tristes, ficavam azul-escuras,
como céu de tempestade prestes a desabar.
Com risos tímidos, floresciam num amarelo antigo,
daqueles que só existem em fotos desbotadas.

Foi ali que nos vimos pela primeira vez.
Você, com um caderno velho e uma voz nova.
Eu, com um nervo exposto em cada linha mal escrita.
Ainda não sabíamos,
mas nossos poemas já estavam trocando olhares antes de nós.

As janelas tinham o costume de se abrir sozinhas,
como se escutassem melhor do lado de fora.
E os relógios…
ah, os relógios daquela sala corriam para trás
sempre que alguém recitava um amor que já foi.

Lá, tudo era memória e invenção ao mesmo tempo.
E foi nesse território ambíguo que começamos.
Não com promessas, nem juras —
mas com metáforas tímidas,
e o desejo secreto de que alguém as entendesse por inteiro.

A sala que mudava de cor nos conheceu primeiro.
Antes mesmo de nos darmos conta,
ela já sabia:
nós dois
éramos verso e verso
esperando rima.

 

II. Poema entre Páginas de Drummond

Demorou algumas semanas
até que um bilhete escapasse dos nossos silêncios.

Foi entre os livros da estante lateral —
aqueles que ninguém consultava,
mas que pareciam ouvir cada leitura com respeito de avô.

Peguei um exemplar gasto de Drummond,
abri numa página qualquer
e lá estava:
um papel dobrado em quatro,
pequeno, feito de pressa e coragem contida.

"você escreve como quem acorda pedras."
Assinado apenas com a tua letra —
aquela que subia nos “t”
e fazia curvas largas nos “g”.

Naquele instante, algo me atravessou:
um raio manso,
daqueles que não arrebentam,
mas acendem por dentro.

Olhei em volta.
Você não me encarava,
mas sorria por dentro da xícara de chá,
como se ela também soubesse do bilhete escondido.

Foi ali, entre páginas marcadas por dedos e poeira,
que entendi:
as palavras que você deixava no papel
vinham de lugares mais fundos que a boca.

Aquele poema escondido
não dizia que me amava.
Mas já me chamava pelo nome mais secreto:
aquele que só quem lê nossos silêncios descobre.

 

 

III. A Voz Dela no Centro do Silêncio

Naquela noite, a sala ficou mais quieta do que de costume.
Até os passos pareciam pisar mais devagar,
como se o chão pedisse respeito.

Ela levantou com um papel nas mãos
e um céu nos olhos.

Disse:
“É um poema pequeno.”
Mas o que se seguiu ocupou todos os cantos da sala.

Falava de chuva que não molha,
de relógios cansados,
e de uma flor que se abria só à noite
porque tinha medo da luz.

Ninguém interrompeu.
Nem tossiu.
Nem piscou.

O ar ficou suspenso,
como se escutasse também.

A voz dela não era firme,
mas era inteira.
Era daquelas vozes que,
mesmo trêmulas,
cravam raízes nos ouvidos de quem escuta.

Enquanto ela lia,
os ponteiros pararam.
Eu vi.
O relógio da parede —
aquele que sempre atrasava cinco minutos —
ficou imóvel.
Como se dissesse:
“Agora não é hora de medir tempo.
É hora de ouvir.”

Quando terminou,
houve um silêncio mais fundo que o anterior.
Aqueles segundos que ninguém sabe ocupar
sem estragar.

E foi nesse intervalo
que me apaixonei.

Não por ela,
não só —
mas pela coragem que mora
na alma de quem se mostra em palavras.

Aquela noite não teve aplausos.
Teve um suspiro coletivo,
como quem volta à superfície depois de um mergulho longo.

Ela se sentou,
e o mundo continuou.
Mas algo em mim,
não.

 

 

IV. Poemas Invisíveis

Começou com um bilhete na contracapa de um livro.
Depois, com uma palavra sublinhada que não fazia parte do texto.
Em seguida, uma pausa no meio de uma frase lida em voz alta,
que só eu percebia.

Era assim:
poemas invisíveis.

O grupo seguia lendo, comentando,
vivendo literatura.
Mas havia outra história
acontecendo em paralelo,
com tintas que ninguém via.

Você me dizia coisas sem dizer.
E eu te respondia do mesmo modo.
Às vezes com uma dobra na página,
ou uma vírgula fora do lugar.
Outras, com uma caneta azul no meio das pretas —
um código só nosso.

Éramos dois autores de um livro clandestino
escrito à margem de todas as leituras oficiais.

Naqueles dias, o mundo parecia feito de papel fino,
e qualquer palavra podia atravessá-lo.

Ninguém suspeitava.
Nem precisavam.
O amor, quando nasce em silêncio,
cria raízes mais fundas.

A cada encontro,
um novo verso escondido.
A cada ausência,
um poema que apenas o outro sabia ler.

Era quase infantil,
mas também sagrado.
Porque entre nós dois,
o amor não se escreveu com declarações.
Se bordou com delicadeza —
nas entrelinhas.

E ninguém nunca o viu.
Mas ele estava lá.
E ainda está.

 

V. Bilhetes sem Envio

As palavras começaram a pesar mais.
Já não cabiam nas entrelinhas.
Já não bastava dobrar a página,
ou deixar migalhas de significados escondidos no rodapé.

Então vieram os bilhetes.
Mas não para entregar.
Para guardar.

Escrevi muitos.
Em guardanapos de café,
nas bordas do caderno de poemas coletivos,
até no verso de contas de luz que nunca te pertenciam.

Diziam coisas simples:
“Hoje, sua ausência foi a minha maior distração.”
ou
“Você leu Drummond como quem escreve um adeus.”

Cada um deles um passo —
não em sua direção,
mas em círculos ao redor de mim mesmo.

Porque confessar seria quebrar o feitiço.
E no fundo,
talvez eu quisesse eternizar aquele quase,
aquele intervalo entre gesto e gesto,
onde o amor ainda era sonho possível,
e não perda inevitável.

Você também escrevia,
eu sei.
Vi papéis dobrados que sumiam nos bolsos da sua bolsa.
Vi olhos que se demoravam na página,
como quem hesita entre entregar ou calar.

Mas calávamos.
Por medo,
por ternura,
por não sabermos se o amor falado
seria tão bonito quanto o amor adivinhado.

E assim ficaram os bilhetes.
Sem envio.
Guardados como pequenos fósseis de sentimentos que nunca nasceram.
Ou que nasceram,
mas não quiseram crescer no escuro.

 

VI. Quinta-feira de Dois Sóis

 

Naquela tarde, havia dois sóis no céu.

Ninguém falou nada —
talvez achassem que era ilusão de ótica,
ou reflexo no vidro da janela da sala.
Mas eu vi.
Você viu.

E por um segundo longo,
nos olhamos como quem diz:
“isso é um sinal, não é?”

O sol de sempre
seguia sua rotina,
morno, dourado, previsível.
Mas o outro,
mais pálido, mais alto —
tinha um brilho frio,
como se viesse de outra época.

A sala ficou com dois tons:
um amarelo de tarde comum,
e outro prateado de coisa inexplicável.
E foi nesse dia que você leu um poema sobre despedidas
sem usar a palavra “adeus”.

Era sobre passarinhos em gaiolas abertas,
sobre árvores que se despedem das folhas sem tristeza.
Era sobre o que se vai,
e também sobre o que escolhe não ficar.

A plateia elogiou a imagem.
Chamaram de metáfora madura.
Mas eu soube.
Soube ali.

Era o nosso sol estranho.
Era o prenúncio.

Depois da leitura, você não me olhou.
Pela primeira vez,
não houve bilhete, nem dobra secreta.
Só um silêncio novo,
pesado como pressentimento.

Ao sairmos, o segundo sol já tinha sumido.
O céu voltou ao normal.
Mas eu nunca mais fui o mesmo.

Porque há quintas-feiras
em que a realidade se dobra,
e o amor, que antes andava escondido,
passa a se esconder de novo —
mas não mais por timidez,
e sim por fim.

 

 

VII. A Chuva que Cai para Dentro

Depois da quinta-feira de dois sóis,
não choveu lá fora durante semanas.

Mas dentro de mim —
houve tempestade.

Não dessas com trovões e janelas batendo.
Era uma chuva miúda,
invisível aos outros,
que caía em mim com precisão de lembrança.

Pingava quando eu cruzava a rua onde a gente parava pra rir.
Gotejava quando eu via alguém com seu perfume.
Chovia de verdade quando eu encontrava
vestígios de você
em coisas que você nunca tocou.

A sala de poesia continuava funcionando.
Mas não era mais a mesma.

Você seguia lendo,
mas agora lia para todos —
não mais para mim no canto da sala.

E eu...
eu tentava escutar,
mas cada palavra era um trovão abafado,
uma gota em vidro grosso.

Era um silêncio barulhento.
Feito de tudo o que não dissemos.
Feito da ausência do que nunca ousamos ser.

Comecei a escrever menos.
Ou mais — mas só para mim.
Cadernos inteiros encharcados de você,
sem uma única citação direta.
Como se teu nome, agora,
fosse palavra proibida.

Essa chuva que cai por dentro
não molha a roupa,
mas deixa o peito frio.
E o mundo,
aos poucos,
vai perdendo cor.

Choveu em mim por muito tempo.
Chove até hoje,
às vezes.
Principalmente quando me lembro
que houve um sol a mais no céu —
e que mesmo assim,
nós escolhemos a sombra.

 

 

 

VIII. Versos em Desalinho

Com o tempo,
os poemas começaram a falhar.

Não que deixássemos de escrevê-los —
mas eles saíam tortos,
em desalinho.

As palavras tropeçavam umas nas outras,
como se estivessem tentando andar no escuro.
A métrica sumia,
os sentidos fugiam pelas bordas do papel.

Havia algo estranho na maneira como você rimava “fim” com “início”,
como se não soubesse mais onde estava.
E eu, que sempre quis clareza,
me escondia atrás de metáforas quebradas,
com medo de dizer:
sinto sua falta.

O grupo se renovava.
Gente nova, vozes novas,
e a sala, agora, ecoava de outros ritmos.

Mas entre nós,
um silêncio ritmado permanecia.
Nem gelado,
nem quente —
apenas morno,
como água esquecida.

Encontrei um dos seus antigos bilhetes dentro de um livro
que não era sobre amor.
E chorei.
Não pelo que ele dizia,
mas pelo que não dizia mais.

Você se tornou para mim
um poema com páginas arrancadas.
Ainda bonito,
mas incompleto.

Nossos versos —
que antes dançavam como vento em varal —
agora pareciam fios soltos,
presas de uma ventania que passou sem aviso.

Ainda te via.
Ainda me via.

Mas já não nos víamos.

 

 

IX. O Triângulo na Estante

Era uma tarde qualquer,
de sol limpo e agenda vazia.
Eu entrei na antiga livraria do centro
procurando um título esquecido,
ou talvez apenas um lugar seguro para não pensar.

E foi ali —
entre as estantes de literatura brasileira
e os livros infantis em promoção —
que vi vocês dois.

Ela, com o mesmo gesto de quando folheava poemas:
as pontas dos dedos tocando o papel
como quem acaricia memória.

Ele, ao lado, sorrindo pequeno,
mão na cintura dela —
como quem já pertence.

E eu...
fiquei preso.

Não ao chão,
mas ao tempo.

A sala se dobrou em volta de mim
como nos velhos encontros do grupo.
Por um instante, os livros pareciam sussurrar versos antigos,
e o ar ficou denso de poesia não dita.

Ela me viu.

Por um segundo,
foi só ela e eu.
Dois fantasmas com histórias entrelaçadas
que fingiam ser estranhos.

O constrangimento foi mútuo.
Três lados de um triângulo estranho,
não geométrico,
mas emocional.
Irregular como sentimento.

Ela sorriu.
Você sorriu.
Ele não sabia.
Ele não sabia.

E eu...
dei um passo atrás,
como quem tropeça na própria sombra.

Nos cumprimentamos com palavras demais
e olhares de menos.
Um beijo no rosto —
carregado de passado,
disfarçado de afeto civilizado.

Naquele momento,
todos os poemas mal acabados voltaram à minha pele.

Era como se a cena fosse dirigida por uma força antiga,
uma entidade invisível que comandava o enredo
de reencontros inevitáveis.

Três pessoas.
Três passados.
Três futuros que nunca se encaixaram de verdade.

E mesmo assim,
ali estávamos.
Tão reais,
tão frágeis,
tão vivos.

O triângulo não estava nos corpos.
Estava no espaço entre nós.

E no que jamais dissemos em voz alta.

 

X. O Livro que Ninguém Lê

Depois daquele encontro,
voltei para casa com um livro que não escolhi.
Peguei da prateleira por reflexo,
sem lembrar o título,
só para ter algo nas mãos além da ausência.

Em casa, ao abrir,
não encontrei letras.
As páginas estavam em branco.

Mas o estranho
é que mesmo assim,
eu lia.

Porque aquele livro,
que ninguém lê,
guardava as histórias que nunca escrevemos.

Cada folha em branco
era uma tarde não vivida,
um gesto interrompido,
uma conversa que ficou no quase.

Era um livro com capítulos que se formavam
à medida que eu pensava em você.

Em um deles,
voltávamos para o grupo de poesia,
como se o tempo não tivesse se movido.
Em outro,
te entregava todos os bilhetes guardados —
um por um,
com as mãos trêmulas de quem ainda ama.

Mas o mais bonito era o capítulo
onde você sorria
com aquele sorriso que só dava quando era minha.
Ali, o mundo era outro.
Não mais real,
mas verdadeiro.

Só que quando tentei mostrar o livro para alguém,
as páginas estavam vazias.

Porque o livro que ninguém lê
só aparece quando se está sozinho.
E só fala com quem sente.

Guardei-o na última gaveta da estante.
Às vezes o pego de novo,
quando a saudade pesa mais que o presente.

E mesmo sem palavras,
ele me conta tudo.

 

 

XI. As Três Estrelas

Foi numa noite de céu limpo —
coisa rara naquela cidade esquecida de ventos —
que as três estrelas surgiram.

Não eram constelação.
Não eram alinhamento científico.
Eram três pontos brilhando sozinhos
no mesmo triângulo impossível
que agora habitava minha memória.

Olhei para cima como quem procura direção.
E elas estavam lá.
Não piscavam.
Não tremiam.
Apenas observavam.

Por algum motivo que não sei dizer,
senti que uma era você.
A segunda, ele.
A terceira… eu.

Mas não como estamos agora.
E sim como fomos,
em algum outro tempo,
em algum outro plano,
onde o amor não exige escolha,
apenas presença.

Aquela noite me trouxe paz.
Não porque apagou a dor,
mas porque revelou o sentido dela.

Percebi que cada estrela brilha por si,
mas só forma figura quando vista de longe.
De perto, somos só luzes dispersas.
De longe, somos desenho.

E naquele desenho estelar,
não havia mágoa.
Só poesia antiga,
ainda viva.

Desde então,
às vezes olho para o céu
como quem relê um verso querido.
E vejo as três estrelas
ainda ali.
Discretas.
Em silêncio.
Testemunhas do que fomos
e do que, quem sabe,
ainda somos —
quando ninguém mais está olhando.

XII. Poema Final de Três Vozes

[Voz 1 — A dela]
Se eu soubesse o que você sentia,
talvez tivesse dito menos.
Ou mais.
Talvez tivesse demorado mais nos abraços
e menos nas dúvidas.

[Voz 2 — A dele]
Eu só via dois amigos antigos
rindo com delicadeza.
Não percebi a tensão na borda do sorriso.
Não vi o poema entrelinhado nos olhos de vocês.

[Voz 3 — A minha]
Eu quis dizer:
"está tudo bem, podem amar-se em paz."
Mas a voz não veio.
Veio só o poema.
E o poema sempre trai o poeta.

[Voz 1]
Você sempre escreveu bonito demais.
E eu lia como quem queria ouvir confissões.
Mas talvez eu tenha lido o poema errado.

[Voz 2]
Nunca entendi por que vocês se olhavam tanto
entre as sílabas.
Agora entendo.
E tudo bem.
(ou quase tudo).

[Voz 3]
Ficou um poema no ar.
Inacabado.
Como nós.

[Todos — em silêncio, depois em coro]
Não há fim para o que nunca se nomeou.
A memória é um livro sem capa,
mas com páginas marcadas.
Cada um lê o seu pedaço
e volta à vida com um fragmento da história.

E a poesia —
essa sim —
continua.

 

Epílogo — Nota Encontrada no Fim do Caderno

Para quem encontrar este caderno:

Ele não é um livro comum.
É um lugar onde o tempo dobrou e virou papel.

Aqui se guarda o que não foi dito,
o que foi vivido às margens da fala,
o que se insinuou em olhares longos
e poemas que só rimavam com o silêncio.

Três pessoas se encontraram aqui.
Nenhuma saiu a mesma.

O amor, às vezes, não acontece.
Mas permanece.

Se você leu até aqui,
então também participou —
porque há histórias que continuam só por serem lidas.

E toda vez que alguém abre este caderno,
ele reescreve o triângulo.

Com outros nomes, talvez.
Mas com o mesmo coração.

Caderno de Três Lados

(um livro de poesia em silêncio geométrico)

Dedicatória

Para os que amaram e calaram.
Para os que viram o amor passar de mão dada com o passado.
Para os que ainda escrevem cartas que nunca serão enviadas.


Caderno de Três Lados

(um livro de poesia em silêncio geométrico)

Dedicatória

Para os que amaram e calaram.
Para os que viram o amor passar de mão dada com o passado.
Para os que ainda escrevem cartas que nunca serão enviadas.


Parte I — Ângulos do que foi

1. Encontro em Suspensão

o não saber o que fazer
agir
pensar.

sentado
imóvel
estátua.

chegada em chegança repentina.
segundos seguindo-se.
tempo parado
no instante familiar da lembrança.
visões.

constrangidos.
todos.
mãos dadas.
namorado / namorada.
pregado à cadeira sem forças para levantar.
espera de reações que não vêm
por dentro
reações que se veem na pele
nos nervos
no tímido esboçar do sorriso.

o amigo poeta.
a amiga poetisa.
ajuda
socorro
levantar
abraço.

corações em desalinho
bocas secas
lábios em risco de denunciarem-se.

beijos no rosto
em cada face de carinho
com cheiros exatos de todos os cabelos
de todas as peles
pelas narinas oprimidas
a pesquisar odores
pelas pernas bambas
de sentir a emoção
dos reencontros em três
em trio
em triângulo
nem tão triângulo assim.


2. A Geometria dos Poetas

Ela me chamava de “meu poeta”,
com aquele jeito de quem sabe o que a palavra carrega.
Eu a chamava de tempestade mansa.
O grupo de poesia era o nosso refúgio,
uma casa sem paredes.

Agora, ela chega com outro.
E tudo dentro de mim desmorona em silêncio.
O poema se reescreve por dentro.
Sem caneta.


3. Memória de Primeiros Versos

Uma lousa.
Dois sorrisos.
Três poemas na mesma folha.
Trocávamos papéis como quem entrega segredos.

Ela escrevia com perfume nas palavras.
Eu respondia com mãos suadas.
Tudo começava ali.

Agora, tudo parece longe,
mas a lembrança reaparece inteira
num segundo
em que ela me olha e desvia.


4. Quando Tudo Começou a Partir

Foi um silêncio longo,
mas nenhum dos dois o nomeou.
Ela ficou ausente aos poucos.
Eu fui ficando inteiro demais — e pesado.

No último encontro do grupo,
ela não leu nada.
Eu li demais.

E ninguém entendeu.
Mas eu soube ali:
ela já havia partido.


5. O Poema Interrompido

Nunca terminamos a última estrofe.
Ficou pela metade,
como um beijo interrompido.

E no verso inacabado,
o amor congelou.
Não morreu.
Só ficou preso
na margem da página.


Parte II — Silêncios entre Pontos

6. A Cadeira Vazia

Hoje, naquele mesmo café,
a cadeira dela ainda está lá.
Vazia.
Mas cheia de presença.

Sento-me diante dela
como quem reza.
Mas não há resposta,
só lembrança.


7. O que Não Foi Dito no Grupo

O grupo de poesia continua,
mas sem os dois poetas centrais.
Eles acham que a gente só se afastou.

Não sabem do triângulo.
Nem do poema cortado no meio.
Nem da rima que nunca aconteceu.

E nunca vai acontecer em voz alta.


8. Versos em Desalinho

Ela sorri para mim
na frente dele
e o mundo vacila.

Minha mão treme sobre o copo.
Os versos que pensei guardados
começam a vazar pelos dedos.

Mas seguro.
Recolho.
Viro estátua.
De novo.


9. O Triângulo na Estante

Ficamos ali os três,
como peças de um xadrez que ninguém jogou.

O amor, que já foi rei,
agora é só uma torre quieta.
E eu sou o peão parado no meio
de um tabuleiro emocional.

E ninguém dá xeque.
Ninguém vence.
Só permanecemos em jogo.


10. O Livro que Ninguém Lê

Depois daquele encontro,
voltei para casa com um livro que não escolhi.
Peguei da prateleira por reflexo.
Em casa, ao abrir,
não encontrei letras.
As páginas estavam em branco.

Mas eu lia.

Era o livro das histórias que nunca escrevemos.
Cada folha: um gesto interrompido.
Cada capítulo: uma hipótese.

Tentei mostrar.
Mas ninguém via o que eu via.
Porque o livro que ninguém lê
só aparece para quem sente.


Parte III — As Constelações que se Escondem

11. As Três Estrelas

Três pontos no céu.
Não formavam constelação.
Formavam memória.

Uma era ela.
A segunda, ele.
A terceira… eu.

Três luzes soltas.
Mas vistas de longe,
formavam desenho.

Um triângulo impossível.
Mas belo.
E eterno.


12. Poema Final de Três Vozes

[Ela]
Se eu soubesse o que você sentia,
teria dito mais. Ou menos.
Talvez teria ficado.

[Ele]
Achei que eram só amigos.
Mas entendi tarde demais
o que não era dito.

[Eu]
Quis dizer: tudo bem.
Mas só saiu um poema.
E o poema sempre trai o poeta.

[Todos]
Não há fim para o que nunca se nomeou.
A memória é um livro sem capa,
mas com páginas marcadas.

E a poesia —
essa sim —
continua.

 

Epílogo — Nota Encontrada no Fim do Caderno

Para quem encontrar este caderno:

Ele não é um livro comum.
É um lugar onde o tempo dobrou e virou papel.

Três pessoas se encontraram aqui.
Nenhuma saiu a mesma.

O amor, às vezes, não acontece.
Mas permanece.

Se você leu até aqui,
então também participou.
Porque há histórias que continuam só por serem lidas.

E toda vez que alguém abre este caderno,
ele reescreve o triângulo.

Com outros nomes, talvez.
Mas com o mesmo coração.