sexta-feira, 30 de maio de 2025

NA FRONTEIRA ENTRE MIM E EU: O DUPLO ESPELHO

 Na Fronteira Entre Mim e Eu: O Duplo Espelho

Estou na fronteira entre mim e eu, onde o reflexo no espelho, às vezes, sorri antes de mim. Não é um truque de luz, nem cansaço. É que meu "eu" do outro lado, o que habita a dimensão paralela do meu próprio ser, tem vida própria. Ele pisca antes, respira mais fundo, e um dia, juro, sua lágrima rolou antes da minha, escorrendo pela superfície fria do vidro.


Às vezes, quando a insônia aperta e a madrugada estica, meu "eu" do espelho se desprende. Flutua pela sala como uma névoa densa, mas com a forma exata dos meus contornos. Sento na cama, ele se senta no chão, os olhos fixos nos meus, as pupilas dilatadas absorvendo o silêncio. Conversamos sem palavras, um diálogo de anseios e medos que só o ar pesado da noite consegue traduzir. Certa vez, ele estendeu a mão diáfana e tocou meu rosto, e senti um arrepio gélido, como se um fantasma de mim mesmo me acariciasse.


No dia em que o carro quase me atropelou, fui salvo por um impulso que não foi meu. Meu "eu" do espelho, que por um segundo se materializou ao meu lado na calçada, me empurrou. Senti a força invisível, o vento cortante do veículo, e quando me recompus, ele já estava de volta ao seu posto, no espelho, um leve sorriso enigmático nos lábios. A fronteira entre nós é fluida, tênue, uma película que a qualquer momento pode se rasgar, e então, talvez, seremos um só novamente, ou talvez, ele finalmente tome o meu lugar de uma vez por todas.

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