Cupins, Lambaris e a Cobra
Quando eu era criança
morava onde o mato tem cheiro de vento
e o tempo, cor de ferrugem.
Eu e meu irmão —
esse que o tempo levou antes que eu quisesse —
caminhávamos juntos pelos campos
à procura de cupinzeiros,
maciços de terra
onde a infância cavava o mundo.
Rasgávamos o barro com enxadas
para colher iscas vivas,
cupins miúdos
que depois virariam movimento na água,
anzol no córrego,
pequena alegria na ponta da linha.
Um dia,
a terra respirou mais fundo.
E do ventre seco de um cupinzeiro antigo
surgiu uma cobra.
Não era venenosa —
mas não sabíamos.
Não soubemos.
O susto falou por nós,
e nossas mãos de meninos
golpearam o que parecia ameaça.
A cobra morreu ali.
Dentro da própria casa,
sem entender o motivo,
sem ter a chance
de se recolher.
Hoje,
setenta anos depois,
aquela terra ainda me pesa nas mãos.
A cobra às vezes me olha
dos cantos da memória,
sem raiva —
mas com um silêncio
que me atravessa.
Não foi crueldade,
foi ignorância.
Mas a vida que se perde sem razão
grita,
mesmo no mais fundo arrependimento.
E é por isso que volto,
em sonho,
ao cupinzeiro quebrado,
não para caçar,
mas para pedir perdão
àquilo que jamais quis ferir.
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