quinta-feira, 19 de junho de 2025

TINTA INVISÍVEL

 

Tinta Invisível

 

Existir é um rascunho sem fim,

linhas traçadas no vazio.

A caneta do tempo, sem tinta,

deixa marcas imateriais

no papel translúcido do ser.

Esboços de sorrisos,

traços de lágrimas,

um mapa que se refaz

a cada batida do coração.

 

Não há borracha para apagar

os contornos incertos,

nem régua para endireitar

a curva de um erro.

Apenas a continuidade do traço,

desenhando formas mutáveis,

que se desfazem no ar

assim que são percebidas.

 

O preenchimento, uma miragem,

um pigmento que nunca adere.

Vivemos entre a certeza

do traço e a promessa

de um sentido que se esvai.

Somos a arte e o artista,

a busca e a tela,

sempre inacabados,

flutuando em nossa própria criação.



            "O grito que se dissolve internamente, acumula peso."

                                                             Vicente Siqueira

FRACIONADO

 Fracionado

Fragmentos de conversas perdidas flutuam no ar rarefeito da memória. Como bolhas de sabão coloridas, escapam ao toque da melancolia.

Um riso breve, uma palavra solta, o tom exato de uma confidência. Na mente, a lembrança revolta, tentando refazer a sequência.

Eram planos, eram sonhos traçados em guardanapos de mesa de bar. Eram segredos sussurrados, selados pela cumplicidade do olhar.

Mas o tempo, ladrão sorrateiro, levou consigo a vivacidade. Restam apenas ecos passageiros, uma saudade, tênue claridade.

A voz que outrora preenchia o espaço agora reside no silêncio profundo. Em cada canto, um vestígio, um traço de um diálogo interrompido no mundo.



                 "Existem silêncios que pesam mais que o barulho. "

                                                                                    Vicente Siqueira

ONDE A VOZ ECOAVA AUSENTE

 

Onde a Voz Ecoava Ausente

A porta rangeu, um lamento breve No silêncio da casa antiga. Os móveis cobertos por lençóis brancos Pareciam espectros imóveis.

E Nem Havia o calor de um abraço, Apenas a frieza do ar parado. A poeira dançava em raios de sol tímidos, Iluminando o vazio eloquente.

A Saudade era um peso no peito, Uma melodia triste e repetida. Onde a voz ecoava ausente, Restava apenas o sussurro do vento.

Na memória, as palavras pairavam, Fragmentos de conversas perdidas. Onde a voz ecoava ausente, O silêncio gritava verdades nuas.

E Ninguém para preencher a lacuna, O espaço deixado por uma partida. Onde a voz ecoava ausente, A alma buscava um eco em vão.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

GRAVIDADE PESSOAL

  

 

Gravidade Pessoal

 

Eu sou o fardo.

Não o que carrego,

mas o que pesa

em cada passo,

em cada pensamento.

 

Neste mundo,

onde a leveza é buscada,

sou a âncora,

o peso intrínseco

da minha própria existência.

 

Não é culpa,

nem castigo.

É a constituição de ser,

a matéria densa que me compõe,

o arrasto invisível

em meu próprio caminho.

 

Sou a paisagem e o caminhante,

o ar e a resistência que ele impõe.

O eco da minha própria presença,

a gravidade que me mantém

aqui,

neste meu mundo.

CONFISSÕES SILENCIOSAS

 

 Confissões Silenciosas

 

Há um cofre,

não de metal ou madeira,

mas de ar e pulsação,

onde repousam os segredos

que guardei em mim.

 

Não são tesouros de pirata,

nem mapas de ilhas perdidas.

São sussurros calados,

reflexos em espelhos embaçados,

aquelas verdades que o tempo

lapidou em silêncio.

 

Muitos nasceram

em madrugadas estreladas,

outros em tardes de chuva,

alguns, em olhares fugazes.

Cada um com seu próprio peso,

sua cor, sua melodia muda.

 

Eles não me pesam.

São parte da terra

que sustenta minhas raízes.

Memórias tecidas em linho invisível,

pontos de luz em um céu particular.

Meus segredos.

Apenas meus.

Eles habitam,

respiram em meu peito,

e me contam,

em um idioma só nosso,

quem eu sou.

 

 

 

 


ÁGUA NO ROSTO

 

Água no Rosto

 

A água fria que escorre,

um leve choque, um portal

para o agora.

 

As mãos desenham círculos,

um mapeamento breve

do próprio rosto.

Os olhos se fecham,

e o mundo, por um instante,

é só o som da torneira,

o espalhar leve da espuma

que some e leva.

 

A pele acorda, desperta.

Leva o sono que gruda nas pálpebras,

a poeira invisível de ontem,

a melancolia da noite

que ainda insistia em habitar.

 

É um rito de passagem, mínimo.

Um renascimento em segundos,

o reflexo limpo no espelho,

pronto para outra luz,

outra verdade,

a próxima respiração do dia.

FELIZ SÁBADO

 

Bom Dia, Feliz e Abençoado Sábado

o sábado amanhece mais lento,
como se o tempo também tirasse folga.
o céu parece sorrir sem pressa,
e o coração respira mais fundo.

há bênção no café quente,
na ausência de pressa,
no silêncio que não pesa,
mas acaricia.

feliz é o dia em que ser basta,
em que não há metas além de existir com leveza.

abençoado é o descanso,
a conversa mansa,
o abrir das janelas —
por dentro e por fora.

bom dia,
que seja simples.
feliz sábado,
que seja inteiro.

terça-feira, 17 de junho de 2025

O RITUAL SILENCIOSO

 

O Ritual Silencioso

 

Aqui está ela, na palma da mão,

esta que agora me serve, fiel.

Seu corpo de plástico, talvez azul,

ou verde-água, um espectro discreto

no emaranhado do dia que pulsa lá fora.

 

As cerdas, um exército denso e macio,

prontas para a dança diária.

Sabem a trilha de cada dente,

o caminho do frescor que se anuncia,

um sussurro de hortelã na boca da manhã.

 

Ela não grita, não exige holofotes.

É a ferramenta humilde,

que em cada curva, em cada fricção suave,

limpa não só o resíduo,

mas a letargia do sono,

ou a despedida do último gole antes da noite.

 

Testemunha silenciosa, companheira breve,

do hálito que se renova,

da promessa de um sorriso que se alinha.

Esta escova, agora em uso,

é um pequeno portal para o início,

ou para o fim tranquilo,

guardando o segredo da higiene,

e o simples rito de ser.

ECO PONDERAL

 

Eco Ponderal

 

Em mim,

sempre existiu um eco pesado.

Não a ressonância de um grito,

mas o peso mudo do que permanece.

 

Uma camada sobre o ar que respiro,

um véu translúcido de memória.

Não é tristeza, nem a sombra da perda,

mas a densidade de um tempo sem nome.

 

Como pedras silenciosas na correnteza,

acumulam-se sentimentos sem pouso.

O eco não se propaga, ele se assenta.

Em cada fibra, a gravidade do que foi,

do que talvez nunca tenha sido,

mas que carrega o peso de ser.

 

É o ruído interior do que não se desfaz,

a persistência do inominável.

Um eco pesado, sim,

mas que me habita

e me tece.

 

 

 

ENSAIO SILENCIOSO

 

Ensaio Silencioso

 

Meu sorriso é um palco antigo,

iluminado por ensaios repetidos,

cada curva um esforço, uma nota sustentada

para a peça que nunca acontece.

 

Há uma dissonância, um murmúrio insistente

sob a pele, na raiz dos gestos:

não é por aqui,

não é por este caminho,

as cores desbotam antes de secar.

 

As coisas deveriam ser de outro modo,

sinto a trama desfiando,

o chão falso sob os pés,

e nada,

nada se encaixa no seu devido lugar.

 

Onde foi morar a esperança que prometia verões sem fim,

noites de estrelas caídas em nossas mãos?

Evaporou como orvalho, ou se escondeu

sob a poeira das rotinas que nos moldam?

Procuro vestígios em cada canto,

mas encontro apenas o eco da sua ausência,

um vazio que insiste em ecoar

nesse sorriso que ainda treino,

nessa certeza de que o compasso está errado.