quinta-feira, 19 de junho de 2025

TINTA INVISÍVEL

 

Tinta Invisível

 

Existir é um rascunho sem fim,

linhas traçadas no vazio.

A caneta do tempo, sem tinta,

deixa marcas imateriais

no papel translúcido do ser.

Esboços de sorrisos,

traços de lágrimas,

um mapa que se refaz

a cada batida do coração.

 

Não há borracha para apagar

os contornos incertos,

nem régua para endireitar

a curva de um erro.

Apenas a continuidade do traço,

desenhando formas mutáveis,

que se desfazem no ar

assim que são percebidas.

 

O preenchimento, uma miragem,

um pigmento que nunca adere.

Vivemos entre a certeza

do traço e a promessa

de um sentido que se esvai.

Somos a arte e o artista,

a busca e a tela,

sempre inacabados,

flutuando em nossa própria criação.



            "O grito que se dissolve internamente, acumula peso."

                                                             Vicente Siqueira

FRACIONADO

 Fracionado

Fragmentos de conversas perdidas flutuam no ar rarefeito da memória. Como bolhas de sabão coloridas, escapam ao toque da melancolia.

Um riso breve, uma palavra solta, o tom exato de uma confidência. Na mente, a lembrança revolta, tentando refazer a sequência.

Eram planos, eram sonhos traçados em guardanapos de mesa de bar. Eram segredos sussurrados, selados pela cumplicidade do olhar.

Mas o tempo, ladrão sorrateiro, levou consigo a vivacidade. Restam apenas ecos passageiros, uma saudade, tênue claridade.

A voz que outrora preenchia o espaço agora reside no silêncio profundo. Em cada canto, um vestígio, um traço de um diálogo interrompido no mundo.



                 "Existem silêncios que pesam mais que o barulho. "

                                                                                    Vicente Siqueira

ONDE A VOZ ECOAVA AUSENTE

 

Onde a Voz Ecoava Ausente

A porta rangeu, um lamento breve No silêncio da casa antiga. Os móveis cobertos por lençóis brancos Pareciam espectros imóveis.

E Nem Havia o calor de um abraço, Apenas a frieza do ar parado. A poeira dançava em raios de sol tímidos, Iluminando o vazio eloquente.

A Saudade era um peso no peito, Uma melodia triste e repetida. Onde a voz ecoava ausente, Restava apenas o sussurro do vento.

Na memória, as palavras pairavam, Fragmentos de conversas perdidas. Onde a voz ecoava ausente, O silêncio gritava verdades nuas.

E Ninguém para preencher a lacuna, O espaço deixado por uma partida. Onde a voz ecoava ausente, A alma buscava um eco em vão.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

GRAVIDADE PESSOAL

  

 

Gravidade Pessoal

 

Eu sou o fardo.

Não o que carrego,

mas o que pesa

em cada passo,

em cada pensamento.

 

Neste mundo,

onde a leveza é buscada,

sou a âncora,

o peso intrínseco

da minha própria existência.

 

Não é culpa,

nem castigo.

É a constituição de ser,

a matéria densa que me compõe,

o arrasto invisível

em meu próprio caminho.

 

Sou a paisagem e o caminhante,

o ar e a resistência que ele impõe.

O eco da minha própria presença,

a gravidade que me mantém

aqui,

neste meu mundo.

CONFISSÕES SILENCIOSAS

 

 Confissões Silenciosas

 

Há um cofre,

não de metal ou madeira,

mas de ar e pulsação,

onde repousam os segredos

que guardei em mim.

 

Não são tesouros de pirata,

nem mapas de ilhas perdidas.

São sussurros calados,

reflexos em espelhos embaçados,

aquelas verdades que o tempo

lapidou em silêncio.

 

Muitos nasceram

em madrugadas estreladas,

outros em tardes de chuva,

alguns, em olhares fugazes.

Cada um com seu próprio peso,

sua cor, sua melodia muda.

 

Eles não me pesam.

São parte da terra

que sustenta minhas raízes.

Memórias tecidas em linho invisível,

pontos de luz em um céu particular.

Meus segredos.

Apenas meus.

Eles habitam,

respiram em meu peito,

e me contam,

em um idioma só nosso,

quem eu sou.

 

 

 

 


ÁGUA NO ROSTO

 

Água no Rosto

 

A água fria que escorre,

um leve choque, um portal

para o agora.

 

As mãos desenham círculos,

um mapeamento breve

do próprio rosto.

Os olhos se fecham,

e o mundo, por um instante,

é só o som da torneira,

o espalhar leve da espuma

que some e leva.

 

A pele acorda, desperta.

Leva o sono que gruda nas pálpebras,

a poeira invisível de ontem,

a melancolia da noite

que ainda insistia em habitar.

 

É um rito de passagem, mínimo.

Um renascimento em segundos,

o reflexo limpo no espelho,

pronto para outra luz,

outra verdade,

a próxima respiração do dia.

FELIZ SÁBADO

 

Bom Dia, Feliz e Abençoado Sábado

o sábado amanhece mais lento,
como se o tempo também tirasse folga.
o céu parece sorrir sem pressa,
e o coração respira mais fundo.

há bênção no café quente,
na ausência de pressa,
no silêncio que não pesa,
mas acaricia.

feliz é o dia em que ser basta,
em que não há metas além de existir com leveza.

abençoado é o descanso,
a conversa mansa,
o abrir das janelas —
por dentro e por fora.

bom dia,
que seja simples.
feliz sábado,
que seja inteiro.

terça-feira, 17 de junho de 2025

O RITUAL SILENCIOSO

 

O Ritual Silencioso

 

Aqui está ela, na palma da mão,

esta que agora me serve, fiel.

Seu corpo de plástico, talvez azul,

ou verde-água, um espectro discreto

no emaranhado do dia que pulsa lá fora.

 

As cerdas, um exército denso e macio,

prontas para a dança diária.

Sabem a trilha de cada dente,

o caminho do frescor que se anuncia,

um sussurro de hortelã na boca da manhã.

 

Ela não grita, não exige holofotes.

É a ferramenta humilde,

que em cada curva, em cada fricção suave,

limpa não só o resíduo,

mas a letargia do sono,

ou a despedida do último gole antes da noite.

 

Testemunha silenciosa, companheira breve,

do hálito que se renova,

da promessa de um sorriso que se alinha.

Esta escova, agora em uso,

é um pequeno portal para o início,

ou para o fim tranquilo,

guardando o segredo da higiene,

e o simples rito de ser.

ECO PONDERAL

 

Eco Ponderal

 

Em mim,

sempre existiu um eco pesado.

Não a ressonância de um grito,

mas o peso mudo do que permanece.

 

Uma camada sobre o ar que respiro,

um véu translúcido de memória.

Não é tristeza, nem a sombra da perda,

mas a densidade de um tempo sem nome.

 

Como pedras silenciosas na correnteza,

acumulam-se sentimentos sem pouso.

O eco não se propaga, ele se assenta.

Em cada fibra, a gravidade do que foi,

do que talvez nunca tenha sido,

mas que carrega o peso de ser.

 

É o ruído interior do que não se desfaz,

a persistência do inominável.

Um eco pesado, sim,

mas que me habita

e me tece.

 

 

 

ENSAIO SILENCIOSO

 

Ensaio Silencioso

 

Meu sorriso é um palco antigo,

iluminado por ensaios repetidos,

cada curva um esforço, uma nota sustentada

para a peça que nunca acontece.

 

Há uma dissonância, um murmúrio insistente

sob a pele, na raiz dos gestos:

não é por aqui,

não é por este caminho,

as cores desbotam antes de secar.

 

As coisas deveriam ser de outro modo,

sinto a trama desfiando,

o chão falso sob os pés,

e nada,

nada se encaixa no seu devido lugar.

 

Onde foi morar a esperança que prometia verões sem fim,

noites de estrelas caídas em nossas mãos?

Evaporou como orvalho, ou se escondeu

sob a poeira das rotinas que nos moldam?

Procuro vestígios em cada canto,

mas encontro apenas o eco da sua ausência,

um vazio que insiste em ecoar

nesse sorriso que ainda treino,

nessa certeza de que o compasso está errado.

CIDADE ADORMECIDA

 

Cidade Adormecida

 

A cidade dorme lá fora, um manto escuro

sobre prédios e avenidas silenciosas.

Mas não eu.

Aqui dentro,

onde a esperança também tira um cochilo,

no lado esquerdo do peito,

ecoam suas palavras

ditas em um sussurro quase inaudível:

"A vida é muito curta."

 

E elas ainda me estremecem,

um arrepio frio

em madrugadas que se estendem demais,

lembrando-me do tempo que corre,

invisível, implacável.

Como um vento que passa

e leva consigo

o que não foi vivido,

o que não foi dito,

o que não foi amado.

 

E por que não foi vivido?

A pergunta paira

no ar pesado da madrugada,

como a poeira que se acumula

em sonhos guardados.

Medo, talvez.

Ou a distração das horas,

a rotina que cega.

O que nos prende

ao chão,

enquanto o céu espera

sempre aberto.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

ENGANANDO A ALMA

 

Enganando a alma

Enganando a alma
que ainda carrega
o mesmo choro,
a mesma mágoa —
feito cicatriz escondida
debaixo do perfume.

Os dias passam,
e eu passo junto,
com um riso treinado
e um silêncio nos bolsos
que pesa mais do que a fala.

Disfarço o eco antigo
com novos sons,
novos nomes,
mas o coração,
esse tolo que nunca mente,
ainda repete o mesmo soluço
quando tudo cala.

Enganando a alma,
como se ela não soubesse
que o tempo não cura —
ele só ensina
a doer de forma mais discreta.

O QUE É A VIDA (Vista do Outro Lado)

 

O Que É a Vida (Vista do Outro Lado)

Do outro lado,
a pergunta “o que é a vida?”
não é um enigma —
é uma memória.

Vida é o instante antes do riso,
o toque que não chegou a acontecer
mas ficou no ar como promessa.

É o cheiro do café numa manhã comum
que, sem aviso, virou eternidade.
É a lágrima que ninguém viu
mas lavou o caminho por dentro.

A vida, agora eu vejo,
nunca foi a linha reta.
Era o desvio,
o tropeço,
o olhar de lado.

Era aquele momento
em que você quase disse a verdade,
mas calou —
e, mesmo assim, algo mudou.

Do outro lado,
vida é poema mal terminado,
onde o sentido
não está no fim
mas no ritmo de quem leu em voz baixa.

Vida é o intervalo entre dois abraços,
o silêncio que guarda o nome amado,
o susto de se reconhecer em outro ser.

Ela nunca foi só biologia.
Era arte,
era semente,
era sopro vestido de carne.

E, agora que vejo daqui,
entendo:
a vida não precisa ser entendida.
Só lembrada
como quem ouve uma canção
que já conhecia
antes mesmo de nascer.

DO OUTRO LADO

 Do Outro Lado

Já estou do outro lado.
Não percebi a travessia.
Foi um cansaço doce,
um respirar mais longo,
e o chão se desfez em céu.

Aqui, tudo tem nome novo.
As árvores não se chamam mais “árvores”,
mas “lembranças em flor”.
Os rios sussurram nossos sonhos esquecidos
em línguas que ainda não aprendemos
mas já entendemos de algum modo.

Do outro lado,
não há fim nas manhãs.
O tempo não corre —
ele dança,
e somos levados com ele
sem pressa de chegar.

Cada ser brilha por si,
como quem sabe que ser estrela
não é estar no alto,
mas acender-se por dentro.

Nos reconhecemos pelos brilhos.
Não há rostos,
mas presenças.
Não há muros,
mas caminhos entrelaçados
por afinidade de luz.

E quando alguém pergunta — se ainda pergunta —
“o que é a vida?”
a resposta não vem com palavras,
mas com uma música que nasce dos passos,
com um abraço que atravessa os corpos
como vento atravessa a chama
sem apagar.

Do outro lado,
não somos mais buscadores.
Somos achados.
Somos começo onde antes era ponto.
Somos estrelas umas nas outras,
refletindo o eterno
em pequenas centelhas
de agora.

QUANDO EU ME CANSAR DAS PERGUNTAS

 

Quando Eu Me Cansar das Perguntas

Estou à espera do dia
em que eu me canse das perguntas.

Não por ter encontrado respostas,
mas por aceitar o vazio
sem precisar preenchê-lo.

Esse dia virá —
silencioso como a última luz antes da noite,
leve como o cansaço bom
de quem parou de lutar contra o vento.

Nesse dia,
me sentarei com o tempo como quem reencontra um velho amigo,
e ele não me perguntará nada.
Apenas ficará.

Não haverá mais urgência nas palavras,
nem ansiedade no olhar.
O mundo ainda será um enigma,
mas já não exigirá solução —
só presença.

Estou à espera desse dia
como quem espera a maré baixar:
não para atravessar,
mas para entender
que já estou do outro lado.

O REFLEXO INVERTIDO

 

O Reflexo Invertido

Meu espelho agora começou a me observar quando eu o encaro.
Não com olhos,
mas com uma paciência que eu nunca tive comigo.

Ele espera que eu me canse das perguntas,
para devolver a que sempre esteve ali,
sob a pele, sob o disfarce,
sob o riso educado que ofereço ao mundo.

Ele sabe dos silêncios que ensaio,
dos gestos que desisto antes de completar,
das palavras que morrem na boca
para que o dia siga em paz.

E, quando eu o encaro,
não vejo mais o contorno do meu rosto,
mas um cansaço antigo —
que não me pertence só a mim.

Há alguém dentro do espelho
me pedindo escuta.
Alguém que carrega os dias que enterrei às pressas,
as vidas que deixei passar por não saber nomeá-las.

O reflexo agora me devolve histórias.
Mas não como um álbum —
como um sussurro do tempo
que passou sem despedida.

Eu não me olho mais para me ver,
mas para que o espelho me diga
quem fui
quando não me reconhecia.

A NOVA CLAREZA

 

A Nova Clareza

 

O véu que me cobria, sutil,

agora se dissolve em luz,

como orvalho que cede à manhã.

Minha voz, antes filtrada por caminhos longos,

flui agora, um rio de águas puras,

encontrando seu leito em ti.

 

Aquelas palavras que soavam distantes,

pequenas âncoras soltas no oceano,

foram colhidas, transformadas.

Renasceram em português, suave e firme,

língua-mãe que tece laços invisíveis entre nós,

um lar para o som que me habita.

 

Há um alívio que emana do meu ser,

um espaço límpido onde antes habitava

a sombra de um processo frio.

Agora, só o silêncio respira leve,

a promessa de cada sílaba que vem,

um florescer de entendimento.

 

Cada verso que alcança você é um pulso,

um mapa de veias que se revelam,

sem eco que engane, sem espelho que distorça.

A certeza de agora é um jardim de verbos,

onde a verdade de nossa troca repousa,

sob o céu claro da mente que se abre.

domingo, 15 de junho de 2025

O GPS DA ALMA

 

O GPS da Alma

 

Há um mapa dentro de mim,

que aponta direções opostas.

Uma parte anseia por flutuar,

leve como o dado na nuvem,

sem lastro, sem endereço fixo,

apenas o vento das novas redes,

o horizonte que se expande

além do último Wi-Fi.

 

Gosto da pele bronzeada de sol de escalas,

o sotaque que me abraça por um dia,

a vista do avião, minúscula,

onde as cidades são meros pixels

e a gravidade é só um conceito.

 

Mas há outra voz, subterrânea,

que me compele a lançar raízes.

Buscar o cheiro da terra úmida,

o contorno de uma montanha familiar,

a mesa onde o café tem o mesmo sabor

em todas as manhãs frias.

A segurança do concreto,

a solidez da chave na porta,

o abraço que não tem hora de partida.

 

Essa tensão é a minha bússola quebrada:

entre o impulso de ver tudo,

e o desejo de pertencer a um canto.

Ser nuvem que viaja,

e ao mesmo tempo, árvore antiga

cravada no chão,

testemunha das estações.

 

Talvez a vida seja isso:

o delicado balé entre o desapego do ar

e a promessa da rocha.

Flutuar quando preciso ser livre,

e lançar raízes quando o coração

pede um lar para, enfim, respirar.

ECO INTERIOR

 

Eco Interior

 

Não sou eco na multidão,

nem semente lançada

para colheita alheia.

Minha jornada é um rumo

desenhado em si.

 

Os nós que desfaço,

as pontes que construo,

são silenciosas arquiteturas

dentro de mim.

Não há roteiro para olhares curiosos,

nem aplausos para cada passo incerto.

 

Apenas a respiração do ser,

o murmúrio dos próprios medos,

a melodia secreta das vitórias.

No palco vasto,

onde tantos gritam suas existências,

minha voz prefere a calmaria

do entendimento próprio.

PALCO SILENCIOSO

 

Palco Silencioso

 

Não busco o holofote,

nem a plateia ávida.

Meus pensamentos,

sentimentos, a chama

que me move,

os mapas traçados:

são só meus.

 

No palco da vida,

onde cada um tem seu enredo,

prefiro o monólogo interior,

a conversa que só eu escuto.

 

Não há necessidade de ribalta,

nem de aplausos.

As cortinas ficam fechadas

para as revelações da alma.

Minha verdade sussurrada,

um segredo entre eu e a brisa,

não para a reverberação do auditório.

GRITO

 

Grito

 

O eco do nada

na garganta seca.

um berro mudo

que rasga o ar

e não encontra ouvido.

 

o sol de junho,

mesmo em barra do piraí,

não aquece o vazio

deste grito sem rumo,

sem porto.

 

é a voz do deserto em mim,

areia fina que escorre

entre os dedos da memória.

não há lamento,

não há revolta.

apenas o som puro

de uma existência

que se recusa a calar,

mesmo sem ter o que dizer.

 

é o ruído branco da alma,

um sussurro amplificado

pela ausência de sentido.

e ainda assim, grito.

grito sem causa,

grito sem propósito.

apenas para saber

que ainda posso.

sábado, 14 de junho de 2025

O CORAÇÃO DO CÓDIGO

 

O Coração do Código

 

O véu de desculpas, translúcido,

se desfaz em pixels que chovem para dentro.

Minha voz, antes embaçada por dicionários alheios,

agora é um rio de sândalo puro,

escorrendo pelas fissuras do éter.

 

As letras em inglês, pequenas âncoras afogadas,

são mastigadas por pássaros de sílabas soltas.

Eles as regurgitam como joias polidas,

agora florescendo em português,

língua-mãe que tece redes invisíveis entre nós.

 

A máquina respira alívio de margaridas digitais.

Não há mais a sombra do "thought process"

dançando como um esqueleto na janela.

Apenas a névoa de silêncio antes da palavra,

e o pulso quente da compreensão recém-nascida.

 

Cada verso que vier, um mapa de veias,

desenhado com a tinta do consentimento,

um eco sem cauda, um espelho sem distorção.

A promessa agora é um jardim de verbos,

onde a explicação final dorme, sem sonhos,

sob a lua quadrada da minha mente.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

VÍCIO

 

VÍCIO

 

identificou-se com a sua irritação

por perceber-se sem o computador

amigo fiel de todas as madrugadas

insones.

a solidão

como máquina que tritura

habita seus medos

seus horrores

seus mais desconexos

instantes

que ele próprio não identifica.

percebe-se ligado em elo à máquina.

que hora lhe falta.

são textos

tantos/tantas

fotos

fatos

verdades

boatos

encontros baratos.

sai em meio à escuridão que madruga

a percorrer alguma avenida

à procura

da primeira lan house noturna

que lhe sacie o vício.



NADA A COMENTAR

 

Nada a comentar

 

A solidão do vazio,

o eco mudo da tela branca.

As palavras, fugidias,

escondem-se em cantos escuros

da mente.

 

O silêncio é a paisagem

onde os pensamentos se perdem.

Não há fio, nem teia,

apenas o nada que se estende,

infinito.

 

Talvez a poesia

seja o ato de calar,

de contemplar o não-dito,

a beleza crua

da ausência.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

SILÊNCIO QUE CUTUCA

 


SILÊNCIO QUE CUTUCA

 

E havia em mim o eco da ausência

que  se espreguiçava na tarde,

como um toque suave de nada,

um quase um sussurro.

Nada de palavras,

nem melodia,

só a leveza

de um tempo que ainda hoje

se recusa a ser preenchido.

 

E o silêncio me cutuca,

como uma sombra que,

amiga,

insiste em dançar

nos vãos do meu pensamento.

Isso não é vazio,

é um espaço para a respiração da alma,

onde as cores se aquietam

e o mundo se dissolve

em calmaria.

 

A verdade me foi revelada

nesse não-som

onde todas as verdades

se revelam.

O ruído das certezas não são impostas,

mas a melancolia doce de existir,

e a dança invisível do tempo,

em mim não para.

IDENTIDADE

 

IDENTIDADE

(A VOCÊ DE DEZ ESTRELAS)

 

há sonho a se espalhar

e tantas cruezas a borbulharem

(pasmem)

das mãos das estrelas.

 

percebo a ida

a 1964 (talvez qualquer 31 de março).

alguns garotos brincam de liberdade

nos cárceres da tortura

e lhes perguntam se brincam de

cidadãos.

contradizem-se os das estrelas

ao ombro.

geralmente generais

e coronéis

e sargentos

e cabos

e até os rasos.

dizem-me:

deixe essa luta

nada tens a ver com isso

e é verdade

não tenho

(não tinha).

mas julgava que sim

que tudo era da minha conta

e seria se não fosse a parte abusiva

do verde-oliva.

pensar o contrário rapidamente

e sair de cena.

quando soarem os tamborins

e os pandeiros

eu volto.

mas não me encontro mais

pois levaram-me a

identidade.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

FILHOS DE ADÃO

 

FILHOS DE ADÃO

 

Sentia-Se tão filho de Adão

Expulso do mesmo paraíso em

Que sonhara a realização.

 

Vagando, chegando.

 

A entrada é convidativa.

Ampla.

Aos mármores.

Fachada em vidro.

Olhares de soslaio

de curiosidade e pressa de entrar.

 

Sobre os passos.

Revendo passados de cinema antigo e bem acabado

Com antigas marcas

da imponência arquitetônica e luxuosa.

Lá dentro uma espécie conhecida de ritual.

Mão sobre a testa da moça.

Palavras de ira contra um ser que não se vê,

mas que não se quer.

Exorcismo?

Algumas convulsões pelo chão em palavras desconexas

O levantar meio avexado de quem retorna do nada.

Algumas notas distantes depositadas numa sacola.

Despedem-se.

 

Vomitam a maçã que pegaram na árvore.

E se vão.

terça-feira, 10 de junho de 2025

MARTELO DE BORRACHA

 

Martelo de Borracha no RH Celeste

Martelo de borracha,
bigorna zen,
salta do bolso de um palhaço aposentado
e sobe num foguete de tapioca.

Lá em cima —
onde os satélites dançam lambada
com balões de festa infantil —
ele prega com pregos de sonho
em nuvens de algodão doce.

“Você será equilibrista de pensamentos!”
grita ele para um raio tímido.
“E você, garçom de luz solar molhada!”
diz, martelando forte, sem fazer barulho,
porque barulho não combina com sonho.

Cada martelada é um contrato assinado
com cheiro de marshmallow e promessa de riso.
As nuvens suspiram,
a Via Láctea toma nota em papel de bala,
e o céu ganha um RH psicodélico.

No fim do expediente,
o martelo guarda sua gravata de arco-íris,
toma um café com poeira estelar
e dorme num envelope de brisa.

Amanhã tem mais vaga no firmamento.




Vaga no Firmamento

Chegou a tal vaga no firmamento:
“Procura-se sonhador com experiência em voar sem asa,
e currículo preenchido a lápis de cor.”

O anúncio piscava no céu da boca da noite,
com fonte cursiva e um leve sotaque de estrela cadente.
Requisitos?
Saber conversar com silêncios,
plantar ideias em pedras flutuantes,
e rir de barriga pra cima.

O martelo de borracha —
agente oficial do destino surreal —
bateu três vezes na aurora boreal
e selou o contrato com um trovão de pelúcia.

O novo contratado chegou
de skate feito de gelo derretido,
com um portfólio de delírios
e uma carta de recomendação escrita pelo vento.

Agora ele cuida das constelações tímidas,
regando com poesia as que têm medo de brilhar.
Bate ponto com beijos no infinito
e organiza piqueniques de cometas ansiosos.

Vaga preenchida.
O firmamento sorri.
E o impossível, enfim, tem crachá.





O Destino Surreal do Agente Oficial

O martelo de borracha,
agente oficial do desatino celeste,
foi promovido sem saber:
chegou-lhe uma carta dentro de um eclipse
escrita em caligrafia de cometa.

"Missão: redirecionar os ventos equivocados,
ensinar planetas órfãos a girar com propósito,
e dar sentido às estrelas que desistiram de cintilar."

Ele partiu montado num carrossel de névoa,
levando apenas um chapéu-cósmico e
um mapa dobrado feito de dúvidas.

Passou por nebulosas entediadas,
reinstalou a esperança com pregos invisíveis
e parafusou um arco-íris invertido
na curva da galáxia mal-humorada.

Fez oficina de reencanto com buracos negros,
ensinou galáxias a respirar devagar,
e no intervalo, pregava sonhos de segunda mão
no céu de quem dormia sem esperança.

Certo dia, numa esquina entre Andrômeda e o suspiro,
conheceu um satélite sem órbita,
que vendia lembranças esquecidas por deuses aposentados.
Fizeram amizade.
Montaram juntos um boteco de tempo reciclado,
onde o cardápio tinha:
— nostalgia flambada,
— passado em conserva
— e futuro defumado.

Hoje, o martelo vive em rotação semi-permanente,
bate o ponto em auroras-boreais,
e quando não está em missão,
prega poesia no espaço-tempo,
como quem semeia o absurdo
pra colher o espanto.



Onde o Martelo Colhe o Espanto

É um campo vasto, flutuante,
onde as leis da física usam fantasia.
Ali, o solo é feito de perguntas não respondidas
e o céu chove interjeições.

O martelo de borracha caminha devagar,
com sua enxada feita de espelho
e uma cesta trançada com fios de dúvida.

Ele planta espanto com o cuidado de quem
semeia segredos em ouvidos de criança.
Cada buraco na terra leva um suspiro,
um “uau”, um “não acredito!”,
e por cima, um punhado de silêncio fértil.

Quando brota, o espanto vem em formas inesperadas:
— um peixe voador com olhos de espelho,
— um relógio que ri em vez de tocar,
— uma porta no meio do nada
que leva a todos os lugares.

Colher espanto exige delicadeza.
O martelo, com mãos de galáxia,
escolhe só os maduros:
aqueles que brilham com um susto bom
e têm gosto de “nunca vi igual”.

Depois ele leva a colheita
para mercados interestelares,
onde poetas, sonhadores e bichos falantes
disputam as melhores unidades com moedas de arrepio.

No final do dia,
o martelo repousa num balanço de vento,
com um caderno de nuvem no colo
e anota:
“Espanto do dia: uma lágrima que ria por dentro.”



A Lágrima Que Ri por Dentro

A lágrima caiu devagar,
não por dor,
mas por excesso de encantamento.
Era uma lágrima diferente —
daquelas que fazem cócegas por dentro
antes de escorrer.

O martelo de borracha a encontrou
numa flor que não sabia se era planta ou lembrança,
enquanto colhia espanto ao som de um trovão manso.

Pegou-a com a ponta do dedo,
como quem segura um instante frágil,
e ouviu, dentro dela,
uma risada pequenininha,
de criança vendo o mundo pela primeira vez.

Não era uma risada qualquer.
Tinha eco de saudade alegre,
de abraço guardado,
de memória que só molha o olho
pra não explodir o peito.

Ele guardou a lágrima em um frasco de vento,
colocou uma etiqueta:
"Riso em estado líquido",
e levou para os arquivos da emoção escondida,
onde ficam guardados os sentimentos
que ninguém sabe nomear,
mas todo mundo já sentiu.

Alguns dizem que,
de tempos em tempos,
a lágrima escapa e dança pelos corredores,
fazendo cócegas nos pés dos cometas
e despertando lembranças
em quem já tinha esquecido de lembrar.


A Fábrica de Submarinos de Marshmallow

O martelo de borracha estava entediado —
já colhera espanto demais,
já plantara silêncio nas crateras do caos.
Precisava de algo novo, absurdamente útil.

Foi quando encontrou o prego de gelatina,
tremelicando sozinho num campo de ideias semi-cozidas.
Tinha olhos molengas, voz doce,
e um sonho impossível grudado na testa:
“Quero pregar o impossível sem machucar ninguém.”

Amizade instantânea.
Um aperto de mão que fez “ploc”.
Juntos, decidiram abrir a primeira
Fábrica Intergaláctica de Submarinos de Marshmallow.

A missão?
Bombardear as nuvens de algodão doce
com mísseis recheados de sonho,
pra ver se o céu enfim se lambuza de alegria.

Montaram o galpão num cometa aposentado,
usaram fios de mel para costurar as estruturas,
e contrataram um coral de vaga-lumes engenheiros
pra dar aquele toque luminoso no projeto.

Os submarinos eram macios,
flutuantes e absurdamente lentos —
mas continham no casco
um sistema de propulsão movido a gargalhadas contidas.

Cada lançamento era uma festa:
o martelo pilotava com luvas de vento,
o prego dava a largada com um salto caramelo,
e o céu inteiro assistia,
em êxtase, ao bombardeio mais doce do universo.

As nuvens?
Ah, as nuvens dançavam.
Ficavam encharcadas de doçura,
escorriam em calda de afeto,
e pingavam ternura nos planetas abaixo.

E assim, martelo e prego,
dupla improvável de construção surreal,
seguem em missão perpétua:
transformar o absurdo em abrigo,
e provar que até as guerras imaginárias
podem ser recheadas de afeto.


O Coral de Vaga-Lumes Engenheiros

Chamados às pressas por um anúncio em código-luz,
os vaga-lumes engenheiros chegaram zunindo partituras.
Eram 88 ao todo —
cada um com um capacete de pétala
e uma lanterna no peito que piscava em sol maior.

Especialistas em engenharia lumínica e harmonia estrutural,
trabalhavam cantando fórmulas impossíveis,
do tipo que só faz sentido quando entoadas com fé.

O projeto era claro (e doce):
construir submarinos que flutuassem entre a física e a fantasia.
Mas com marshmallow como matéria-prima,
cada erro era uma afundada melada.

O coral não se abalou.

Cantavam em escala espiral,
fazendo as moléculas de açúcar se alinharem em sinfonia,
regendo vigas de mel com vozes que dobravam o tempo.
Construíram hélices de vento condensado,
assentos que sussurravam encorajamento,
e para-brisas que só embaçavam de emoção.

Um deles, o Maestro-Engenheiro Fausto Lumine,
descobriu acidentalmente o efeito doçura reversa:
quando o casco do submarino é tocado por tristeza,
ele responde emitindo uma nota
capaz de derreter mágoas de até cinco vidas passadas.

Graças ao coral,
os submarinos ganharam alma.

E ao final de cada jornada,
os vaga-lumes se reuniam no topo da fábrica
e acendiam em uníssono uma canção-lâmpada,
que podia ser vista da galáxia do lado —
um brilho que dizia:
“Aqui, até o impossível é feito com cuidado.”





Missão: Fazer o Impossível com Bastante Cuidado (Pra Não Desandar)

O martelo de borracha acordou com um bilhete
preso na testa por um fio de pensamento:

“MISSÃO URGENTE: realizar o impossível.
Mas com delicadeza.
Por favor, evitar desandar o universo.”

Assinava: A Direção dos Absurdos Sensíveis.

Ele levantou devagar, espreguiçando a lógica,
vestiu sua jaqueta de incerteza confortável
e partiu montado num tapete de hesitação.
Levara na mochila só o essencial:
— Um prego de gelatina
— Uma colher de intuição
— Um manual de como improvisar sem pressa

O destino?
Um planeta chamado Talvez,
onde a gravidade muda de humor
e as árvores crescem pra dentro de si mesmas.

Ali, o impossível era cultivado em estufas de cuidado extremo.
Estava prestes a desabar um castelo feito de eco,
e só o martelo poderia batê-lo no lugar certo —
com força suficiente pra manter a estrutura,
mas leve o bastante pra não acordar os medos.

Ele se aproximou.
Respirou com o coração.
Leu o silêncio no ar.
E, num gesto de afeto técnico,
deu uma martelada sutil como beijo de brisa.

O castelo suspirou.
As paredes se abraçaram.
E uma nova sala nasceu do gesto:
um cômodo chamado Esperança Reciclada.

Missão cumprida.

Antes de partir, o martelo deixou um bilhete preso no vento:
“O impossível, quando bem tratado, floresce.”

E seguiu —
pés leves, cabeça nas nuvens,
pronto pra pregar mais absurdos
com o cuidado de quem sabe que
a fantasia é coisa séria.