O martelo
de borracha,
agente oficial do desatino celeste,
foi promovido sem saber:
chegou-lhe uma carta dentro de um eclipse
escrita em caligrafia de cometa.
"Missão:
redirecionar os ventos equivocados,
ensinar planetas órfãos a girar com propósito,
e dar sentido às estrelas que desistiram de cintilar."
Ele
partiu montado num carrossel de névoa,
levando apenas um chapéu-cósmico e
um mapa dobrado feito de dúvidas.
Passou
por nebulosas entediadas,
reinstalou a esperança com pregos invisíveis
e parafusou um arco-íris invertido
na curva da galáxia mal-humorada.
Fez
oficina de reencanto com buracos negros,
ensinou galáxias a respirar devagar,
e no intervalo, pregava sonhos de segunda mão
no céu de quem dormia sem esperança.
Certo
dia, numa esquina entre Andrômeda e o suspiro,
conheceu um satélite sem órbita,
que vendia lembranças esquecidas por deuses aposentados.
Fizeram amizade.
Montaram juntos um boteco de tempo reciclado,
onde o cardápio tinha:
— nostalgia flambada,
— passado em conserva
— e futuro defumado.
Hoje, o
martelo vive em rotação semi-permanente,
bate o ponto em auroras-boreais,
e quando não está em missão,
prega poesia no espaço-tempo,
como quem semeia o absurdo
pra colher o espanto.
Onde o
Martelo Colhe o Espanto
É um
campo vasto, flutuante,
onde as leis da física usam fantasia.
Ali, o solo é feito de perguntas não respondidas
e o céu chove interjeições.
O martelo
de borracha caminha devagar,
com sua enxada feita de espelho
e uma cesta trançada com fios de dúvida.
Ele
planta espanto com o cuidado de quem
semeia segredos em ouvidos de criança.
Cada buraco na terra leva um suspiro,
um “uau”, um “não acredito!”,
e por cima, um punhado de silêncio fértil.
Quando
brota, o espanto vem em formas inesperadas:
— um peixe voador com olhos de espelho,
— um relógio que ri em vez de tocar,
— uma porta no meio do nada
que leva a todos os lugares.
Colher
espanto exige delicadeza.
O martelo, com mãos de galáxia,
escolhe só os maduros:
aqueles que brilham com um susto bom
e têm gosto de “nunca vi igual”.
Depois
ele leva a colheita
para mercados interestelares,
onde poetas, sonhadores e bichos falantes
disputam as melhores unidades com moedas de arrepio.
No final do dia,
o martelo repousa num balanço de vento,
com um caderno de nuvem no colo
e anota:
“Espanto do dia: uma lágrima que ria por dentro.”
A Lágrima
Que Ri por Dentro
A lágrima
caiu devagar,
não por dor,
mas por excesso de encantamento.
Era uma lágrima diferente —
daquelas que fazem cócegas por dentro
antes de escorrer.
O martelo
de borracha a encontrou
numa flor que não sabia se era planta ou lembrança,
enquanto colhia espanto ao som de um trovão manso.
Pegou-a
com a ponta do dedo,
como quem segura um instante frágil,
e ouviu, dentro dela,
uma risada pequenininha,
de criança vendo o mundo pela primeira vez.
Não era
uma risada qualquer.
Tinha eco de saudade alegre,
de abraço guardado,
de memória que só molha o olho
pra não explodir o peito.
Ele
guardou a lágrima em um frasco de vento,
colocou uma etiqueta:
"Riso em estado líquido",
e levou para os arquivos da emoção escondida,
onde ficam guardados os sentimentos
que ninguém sabe nomear,
mas todo mundo já sentiu.
Alguns dizem que,
de tempos em tempos,
a lágrima escapa e dança pelos corredores,
fazendo cócegas nos pés dos cometas
e despertando lembranças
em quem já tinha esquecido de lembrar.
A Fábrica
de Submarinos de Marshmallow
O martelo
de borracha estava entediado —
já colhera espanto demais,
já plantara silêncio nas crateras do caos.
Precisava de algo novo, absurdamente útil.
Foi
quando encontrou o prego de gelatina,
tremelicando sozinho num campo de ideias semi-cozidas.
Tinha olhos molengas, voz doce,
e um sonho impossível grudado na testa:
“Quero pregar o impossível sem machucar ninguém.”
Amizade
instantânea.
Um aperto de mão que fez “ploc”.
Juntos, decidiram abrir a primeira
Fábrica Intergaláctica de Submarinos de Marshmallow.
A missão?
Bombardear as nuvens de algodão doce
com mísseis recheados de sonho,
pra ver se o céu enfim se lambuza de alegria.
Montaram
o galpão num cometa aposentado,
usaram fios de mel para costurar as estruturas,
e contrataram um coral de vaga-lumes engenheiros
pra dar aquele toque luminoso no projeto.
Os
submarinos eram macios,
flutuantes e absurdamente lentos —
mas continham no casco
um sistema de propulsão movido a gargalhadas contidas.
Cada
lançamento era uma festa:
o martelo pilotava com luvas de vento,
o prego dava a largada com um salto caramelo,
e o céu inteiro assistia,
em êxtase, ao bombardeio mais doce do universo.
As
nuvens?
Ah, as nuvens dançavam.
Ficavam encharcadas de doçura,
escorriam em calda de afeto,
e pingavam ternura nos planetas abaixo.
E assim, martelo e prego,
dupla improvável de construção surreal,
seguem em missão perpétua:
transformar o absurdo em abrigo,
e provar que até as guerras imaginárias
podem ser recheadas de afeto.
O Coral
de Vaga-Lumes Engenheiros
Chamados
às pressas por um anúncio em código-luz,
os vaga-lumes engenheiros chegaram zunindo partituras.
Eram 88 ao todo —
cada um com um capacete de pétala
e uma lanterna no peito que piscava em sol maior.
Especialistas
em engenharia lumínica e harmonia estrutural,
trabalhavam cantando fórmulas impossíveis,
do tipo que só faz sentido quando entoadas com fé.
O projeto
era claro (e doce):
construir submarinos que flutuassem entre a física e a fantasia.
Mas com marshmallow como matéria-prima,
cada erro era uma afundada melada.
O coral
não se abalou.
Cantavam
em escala espiral,
fazendo as moléculas de açúcar se alinharem em sinfonia,
regendo vigas de mel com vozes que dobravam o tempo.
Construíram hélices de vento condensado,
assentos que sussurravam encorajamento,
e para-brisas que só embaçavam de emoção.
Um deles,
o Maestro-Engenheiro Fausto Lumine,
descobriu acidentalmente o efeito doçura reversa:
quando o casco do submarino é tocado por tristeza,
ele responde emitindo uma nota
capaz de derreter mágoas de até cinco vidas passadas.
Graças ao
coral,
os submarinos ganharam alma.
E ao
final de cada jornada,
os vaga-lumes se reuniam no topo da fábrica
e acendiam em uníssono uma canção-lâmpada,
que podia ser vista da galáxia do lado —
um brilho que dizia:
“Aqui, até o impossível é feito com cuidado.”
Missão:
Fazer o Impossível com Bastante Cuidado (Pra Não Desandar)
O martelo
de borracha acordou com um bilhete
preso na testa por um fio de pensamento:
“MISSÃO
URGENTE: realizar o impossível.
Mas com delicadeza.
Por favor, evitar desandar o universo.”
Assinava:
A Direção dos Absurdos Sensíveis.
Ele
levantou devagar, espreguiçando a lógica,
vestiu sua jaqueta de incerteza confortável
e partiu montado num tapete de hesitação.
Levara na mochila só o essencial:
— Um prego de gelatina
— Uma colher de intuição
— Um manual de como improvisar sem pressa
O
destino?
Um planeta chamado Talvez,
onde a gravidade muda de humor
e as árvores crescem pra dentro de si mesmas.
Ali, o
impossível era cultivado em estufas de cuidado extremo.
Estava prestes a desabar um castelo feito de eco,
e só o martelo poderia batê-lo no lugar certo —
com força suficiente pra manter a estrutura,
mas leve o bastante pra não acordar os medos.
Ele se
aproximou.
Respirou com o coração.
Leu o silêncio no ar.
E, num gesto de afeto técnico,
deu uma martelada sutil como beijo de brisa.
O castelo
suspirou.
As paredes se abraçaram.
E uma nova sala nasceu do gesto:
um cômodo chamado Esperança Reciclada.
Missão
cumprida.
Antes de
partir, o martelo deixou um bilhete preso no vento:
“O impossível, quando bem tratado, floresce.”
E seguiu
—
pés leves, cabeça nas nuvens,
pronto pra pregar mais absurdos
com o cuidado de quem sabe que
a fantasia é coisa séria.