sábado, 7 de junho de 2025

O VAZIO QUE NÃO SE PREENCHE

 




O Vazio que Não se Preenche

 

Nenhum recado. Nada.

 

Nem a delicadeza de um e-mail, essa modernidade tão pálida. Nem a promessa gasta de uma carta, dobrada e guardada no tempo. Ou a urgência íntima de um bilhete, rabiscado na pressa que o amor, às vezes, permite. Nada que preencha os espaços. Esses abismos minúsculos entre um ponto e outro da existência. Com letras, essa invenção tão humana e tão insuficiente. Ou palavras, essas criaturas que nascem e morrem no ar, sem jamais tocar o centro de nada. Ou mesmo os sinais de fumaça, essa ancestralidade que se ergue e se desfaz no vento. Ou o ritmo batendo de tambores, esse chamado primitivo que se perde na indiferença do mundo. Nem os repiques agudos de tarol, ou a caixa-de-guerra, essa ressonância que anuncia combates ou desfiles. Nada. Nada mesmo.

 

Nada que fizesse lembrar. As tantas promessas. Aquelas que surpreendiam pela ousadia, pela nudez de um futuro que se oferecia sem pudor. Promessas que eram, em si mesmas, um modo de ser, um modo de existir além do agora. E agora, o vazio, essa certeza insuportável de que nada se anuncia.

 

Que viesse ao menos. Ah, o mínimo, o ínfimo. Um mísero pombo-correio, esse arauto de outras eras, trazendo em sua pata um fio de esperança. Com uma pequena mensagem, ainda que passageira como a nuvem que se desmancha no céu. Ainda que ilusória, como a miragem no deserto da alma. Ainda que transitória, como a vida que flui e não se agarra. Uma única palavra. Apenas uma. Que externasse a vontade. Não a minha, mas a de outro, a de um universo paralelo que se dignasse a se manifestar. A vontade de mostrar a mim. A mim, esse ser que se debate em sua própria incompreensão. Que eu poderia ter esperança.

 

Porque todos aqueles momentos. Os passados, sim. E os esquecidos, esses que se desfazem na névoa da memória. Os amarelecidos, com o tempo que os mancha e os desfigura. Esses poderiam. Poderiam ser revividos. Não como repetição, mas como ressurgimento. Uma ressurreição sutil que se daria no mais profundo do ser, onde a ausência se torna a forma mais aguda de presença. Mas nada veio. E no não-vir, o que se fez, afinal, foi o silêncio. Um silêncio que, paradoxalmente, dizia tudo sobre a irreversibilidade do que não volta.

O DESCARTE

 



O Descarte

 

Não é um raio,

nem trombetas em brasa.

É só a porta que range

e se fecha, suave.

 

"Apartai-vos de mim", ecoa

no fone, um áudio antigo

que você ignora há tempos.

Um pop-up de uma conta

que você não lembra de ter.

 

Não há fúria no olhar,

apenas o vazio de quem desliga.

A conexão que se rompe,

não por falha, mas por escolha.

Você do lado de fora,

com a chave enferrujada

de um reino que nunca foi seu.

 

O chão não se abre,

o céu não cai.

Só o silêncio cresce

no espaço que você criou,

onde a sombra era mais cômoda

que a luz que te chamava.

 

E agora, o "apartai-vos"

é o seu próprio eco.

A semente que você plantou,

colhendo o nada.

Apenas o vazio do "foi-se".

A porta?

Fechada.

O VOO SUSPENSO

 



O Voo Suspenso

No palco, a penumbra acolhe

Um corpo que respira melodia.

Não há palavras, só o pulso

De um coração que dança.

 

Os músculos tecem arcos,

Linhas que o ar traça e desfaz.

Cada giro, um sussurro do tempo,

Cada salto, a fuga da gravidade.

 

No silêncio que se cria,

A pele transpira histórias não ditas.

As mãos moldam o invisível,

Os pés tocam o etéreo.

 

É a beleza de um instante roubado,

A eternidade de um fôlego contido.

A bailarina, um desenho vivo

No espaço que a define e liberta.




sexta-feira, 6 de junho de 2025

PERCEPÇÃO

 


PERCEPÇÃO

 

então me rendo às obviedades da percepção

porque suas mãos me passam a explicação do todo 

que eu jamais havia entendido.

 

percebo que elas suavizam ao toque

ao esplêndido toque que eu ousara querer

mas não quisera pedir.

nem tão pesado nem tão leve.

 

apenas toque

de mãos que

inquietas

não se desviam dos gestos

que a conversa obriga.

 

mãos que sabem a carícias e cuidados

revelando redes às quais me prendo

porque percorre em mim

de extremidade a extremidade.

 

e eu a ajudo

porque também a percorro

até que nos quedamos ao infinito prazer

de nos perder em retinas de fogo

que nos fazem a comunicação sem nada falarmos.

 alguns segundos que percorrem séculos

até percebermos que esses olhos nos desvendam

e nos desnudam.

 

alguns segundos que nos revelam

vontades

manias

nossas tantas coragens

de nos atirarmos ao fundo

do mais puro deleite

de sabermos nossas trocas.

que começaram com os toques.

 

VONTADE DE NÃO CONTINUAR

 

Vontade de Não Continuar

 

E a vontade de não continuar,

um cansaço que transcende o corpo.

Não é preguiça, não é desistência covarde,

é a exaustão da alma, o esgotamento da fé

em cada novo passo, em cada amanhecer.

 

Os dias se arrastam, pesados,

e a perspectiva de mais um "virá"

é um fardo insuportável.

É o desejo de que o tempo pare,

que o fio se rompa de vez,

que o silêncio se instale sem eco.

 

É a promessa do vazio, que de repente

parece menos ameaçadora que a plenitude da dor.

A ânsia de sumir, de dissolver-se

em um nada que finalmente traga a paz,

o fim da luta, o descanso sem sonhos.

 

SAUDADE SUBTERRÂNEA

 


Saudade Subterrânea

 

A saudade, sorrateira.

Não se anuncia em portões,

nem bate à porta.

Ela desliza, rente ao chão da alma,

como a sombra de um pássaro que não existe.

Um arrepio na nuca do tempo,

um quase-suspiro que se perde.

 

Não é dor que berra,

mas um vazio mudo,

onde antes pulsava um tanto.

Um lugar de eco,

onde a memória acende e apaga

lâmpadas trêmulas.

É o cheiro de um livro antigo

que se abriu sem querer.

A canção que o rádio distorceu,

mas que a pele reconhece.

 

A introspecção vira uma conversa de sussurros,

com fantasmas gentis.

A gente se pergunta:

o que ficou de mim no que se foi?

E o que se foi, afinal,

está mesmo ido, ou apenas camuflado

na poeira fina do que não se toca?

A saudade, ela não volta.

Ela sempre esteve,

e é isso que assombra.

Um pedaço de nós que se esconde,

esperando o próximo instante de silêncio

para se revelar.



INSÔNIA: BOCA DA NOITE

 

Insônia: Boca da Noite

Que insônia. Não essa insônia de quem não consegue dormir, mas a outra, a que escancara a boca da noite e te engole. Uma boca que não mastiga, apenas suga, e te deixa ali, suspenso no vazio. Os silêncios, ah, esses silêncios de estilhaçar cristais. Cada um deles uma pequena morte, um ruído interno que só a alma ouve, e que dói. Dói como se tentáculos, invisíveis, mas palpáveis, se apertassem na garganta, tirando-me não só a calma, mas a alma. E a gente se pergunta: que alma é essa que se deixa roubar assim, tão fácil?

 

Lá não-sei-onde, um badalar. Não sei quantas horas. Que importância tem o número, quando o tempo não passa, ele se dilui? A manhã se avizinha, mas não é a manhã de um novo dia. É uma manhã doentia, grávida de sol. Que sol? O sol que revela as imperfeições, que ilumina o que a escuridão da noite, em sua misericórdia, escondeu. Essa gravidez me assombra. O que nascerá dessa manhã tão pesada?

 

Não é o tempo que não passa, são os cães que não ladram. Ouço o silêncio deles, mais alto que qualquer latido. As corujas, não piam. E o aquário, em sua quietude, não borbulha. Tudo é silêncio, uma conspiração contra o som, contra a vida. E os scotchs? Ah, esses scotchs, que antes eram um porto, um refúgio. Definitivamente não são mais os mesmos. Perderam o sabor, ou fui eu que perdi a capacidade de saboreá-los? Essa perplexidade me consome. O que muda, afinal, é o mundo lá fora, ou o mundo aqui dentro, que se desfaz em partículas que não consigo agarrar?

 

A cama, imensa, me chama. Mas eu a abandono. Sua ausência, estranhamente, me reclama. Há uma ironia nisso, uma crueldade sutil. Enquanto a busca solitária da saciedade ainda se refestela em mim, em gotas cristalinas que despencam do chuveiro reparador. Reparador de quê? De uma alma que se perdeu nos labirintos da noite? De um eu que se desfez em pedaços miúdos? Essa saciedade que não sacia, que apenas prolonga a agonia, como uma promessa vã. E a gente se pergunta: o que é que a gente busca, afinal? E por que o que a gente encontra é sempre tão... vazio?

PELE NOVA

 

       


   

    Pele Nova

 

Não é simples, esse agora. Não é a linha reta que se traça com urgência, mas um emaranhado de silêncios que antes eram conforto. O tanto não querer, a névoa densa do "talvez um dia", do "não agora", se vestiu de uma pele nova. Não é renúncia, nem sequer aceitação plena. É um limite que surge, não dito, mas presente como o ar pesado antes da chuva.

 

O que se transforma, afinal? Não é o desejo de fugir, mas a exaustão de se esquivar. A ambiguidade, antes um refúgio acolhedor, revela-se um labirinto sem saída. O "basta" não grita, mas sussurra no fundo, um som quase inaudível, mas que ressoa em cada fibra. É a percepção de que a ausência de envolvimento, essa fuga constante, se tornou a própria forma de se perder. E o que era proteção, agora é o muro que aprisiona.

 

Há um cansaço que não se nomeia. Não é o cansaço do fazer, mas do não-fazer, do não-ser. Esse "agora basta" é a face oculta do desejo que existiu, que se negou, e que agora, ao se manifestar como limite, insinua a necessidade de um outro tanto. Um tanto de algo que antes se evitava. Um envolvimento que se recusa a ser ambíguo. Mas o que virá depois? O silêncio, talvez, responda. E a resposta, como sempre, estará no que não se diz.

A PELE

 

 

A Pele: O Grito Secreto do Conhecimento

E então, sem alarde, quase em rendição, quedaram-se. Ficaram mudos, inertes, lábios e pensamentos apressados. Aquela ânsia, que era uma sede primária de tanto se entregar. Entregar-se à procura dos arrepios, que são a linguagem mais antiga da pele, a verdade que não se aprende em livros, mas na fina camada que nos separa e nos conecta ao mundo.

Dos movimentos desconexos, que são a coreografia do abandono. O corpo que se entrega não mais ao comando, mas à súbita e doce anarquia da sensação. Um braço que se estende, uma mão que se fecha, não por vontade, mas por um impulso ancestral que brota do mais fundo. Ali, na epiderme, nas poros que respiram a vida, a inteligência da pele se fazia soberana.

Dos prazeres da pele, sim. Mas também do corpo mais profundo, aquele que reside além da forma, no cerne da própria sensação. Um corpo que não é apenas carne, mas memória, pressentimento, um repositório de tudo que se é e se foi. E esse silêncio que clama por um outro tipo de conhecimento, um saber que a mente, com sua lógica e seus argumentos, não alcança. É um saber bruto, animal, que antecede a palavra e a razão. Um saber que pulsa na superfície e se aprofunda até o osso, revelando a nós mesmos o que somos, antes mesmo de pensar que somos. A pele, essa nossa fronteira mais exposta, é a própria revelação do mistério de estar vivo.





 


quinta-feira, 5 de junho de 2025

TODA ETERNIDADE SERÁ EFÊMERA

 



TODA ETERNIDADE SERÁ EFÊMERA

 

as trocas eram

enlevo e dedicação

ternura

carinho

sem sombra de traição

(pra não precisar pedir perdão)

 

cumplicidade a toda prova

em risos e conversas

sem pressa

em todos os números

discados

trocados

idas e vindas

aos paraísos encantados.

 

juras reforçavam

a verdade

a vontade

a tanta necessidade

de se dizer

que não haveria separação

ainda que rolassem

e passassem

as eternidades

nada

ninguém

tempo

tempestade

nada.

 

aquele amor duraria

toda a eternidade.

 

depois de tudo

sabemos

que o nunca

é agora

que o amanhã chegou

que o eterno é efêmero

quando se trata de amor.