terça-feira, 10 de junho de 2025

O SEGREDO DA MAÇÃ REVISITADO

 

O Segredo da Maçã Revisitado

 

A maçã, em sua aparente singeleza, torna-se um espelho para a própria existência. Ela não precisa de discursos, nem de explicações. Apenas é. E essa pura existência, tão alheia às nossas buscas e angústias, nos confronta com a complexidade de tentarmos ser. É um encontro com o mistério que reside em tudo, mas que raramente paramos para verdadeiramente sentir.

O SEGREDO DA MAÇÃ

 

O Segredo da Maçã

Ela estava ali, sobre a mesa de madeira, ou talvez sobre um prato de cerâmica branca que se disfarçava de si mesmo. Uma maçã. Nem vermelha gritante, nem verde ácida. Um tom entre, um desbotar de vitalidade, um ligeiro amarelado aqui e ali. E em seu centro, no seu umbigo seco, o resto de um galho que um dia a unira à árvore, a um grande e silencioso útero de onde veio.

 

A que observa em mim, a mesma de antes, a que não julga mas se assombra, fixou nela o olhar. Não era uma maçã para ser comida, não nesse momento. Era uma maçã para ser sentida. E, pelo sentir, quase tocada em sua mais íntima substância, aquela que a tornava maçã e nada mais.

 

Via-se a curva suave de sua pele, uma tensão que era a promessa de uma polpa que ainda não se revelava. A textura, lisa sob a luz, parecia gritar uma aspereza invisível, um segredo de sua casca que se recusava a ser meramente superficial. Havia nela uma quietude. Uma quietude de quem possui um vasto interior que não se expõe, de quem sabe sem precisar saber. Uma auto-suficiência que a fazia completa em si mesma, sem precisar de nome, sem precisar de função.

 

E a epifania surgiu: a maçã era a mais pura tradução do seu próprio mistério. Ela não se explicava. Simplesmente era. E nesse ser, sem esforço, sem a angústia da existência que nos devora, ela trazia à tona a nudez de uma verdade: que o mundo é feito de coisas que são, e a gente é feito de coisas que tentam ser. E o terror não era o de não entender a maçã, mas o de entender que a maçã, em sua completa e muda existência, compreendia mais sobre o ser do que eu jamais conseguiria. Ela era o início e o fim. E a sua silenciosa presença sobre a mesa era um grito. Um grito de pura e insondável existência.

DANÇA IMPROVISADA

 

DANÇA IMPROVISADA

 

Improvisada contra a luminosidade do teto.

Uma silhueta de corpo.

Corpo de nuvem

Brisas do vento

Cheiros da chuva

Ruídos do silêncio.

 

Dançam sons de acalanto

E eu nem me espanto em te ver assim

Acima dos medos

Acima dos credos

Além das mentiras

Aquém das verdades.

 

Eu te improvisei em fantasias

Quando te percebi o cheiro de hortelã

A cor da corola rosa

O balanço fresco das cadeiras ágeis.

Afinal, sua silhueta recortada

Reacende em mim motivos de poesias.

E assim termino

Para não te deixar em maus lençóis.

 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

POETIZANDO I

 

POETIZANDO I

 

ficou à espera

de qualquer sonho

qualquer glória

qualquer ambição

qualquer quimera

que trouxesse ao coração

qualquer vitória.

 

juntou palavras

apenas

palavras

que fizessem sentido

articuladas

demonstrando delicadezas

mentiras

amenas

verdades

inventadas

 

percebeu-se menos menina

sem choros

(porque às vezes sentia

sim

vontades de chorar)

sem medo

mas a implorar

coisas ao destino.

 

sentiu nela mesma

um vendaval

parecido com um sopro divino

que a libertou das incertezas

e lhe deu novas alegrias

e se fez poetiza

a entregar-se

às poesias.

 

O ELO DA TRAVESSIA

 


O Elo da Travessia

 

Faça-se em mim o elo, a ponte viva
Que une o que foi ao que ainda virá.
Não a ruptura, mas a trama que se tece,
Onde o antigo e o novo se encontram e se abraçam.
 
Que em minhas mãos se preserve a sabedoria dos séculos,
O pólen das memórias, a força dos que me antecederam.
E que em meu olhar desponte a aurora do porvir,
A ânsia da descoberta, o voo para o inédito.
 
Sou o tempo presente, o ponto de encontro,
Onde a história se curva e o futuro se inicia.
Que em cada batida do meu peito,
O passado encontre eco e o amanhã, sua melodia.
 
Faça-se em mim a fusão, a alquimia do ser, A tradição que inova, a raiz que se projeta. Que o velho me dê substância e o novo, direção, Para que eu seja a travessia, o constante renascer.


POR ONDE FORES

 



Por Onde Fores

Anda, ainda que a estrada
se esconda entre névoas e dor.
Não temas a sombra ou a dúvida:
contigo caminha o Senhor.

O mundo é vasto e incerto,
mas teu passo é firmado em luz.
Sê forte, sê corajoso —
quem te guia é quem te conduz.

Há mãos que não se veem,
mas sustentam teu caminhar.
Há voz que sussurra firme:
“Não pares, eu vou te guardar.”

Então vai, alma valente,
com esperança no olhar.
Pois por onde fores, sempre,
Deus contigo há de estar.

CAMINHO DE DENTRO

 

Caminho de Dentro

Nem sempre o dia vem leve,
às vezes o passo dói.
Mas cada pedra vencida
faz do chão um herói.

Há vento que corta o rosto,
e silêncio que pesa demais.
Mas o tempo, em sua dança,
ensina a ser mais capaz.

A vida não vem com mapas,
nem promessas de mar sereno.
Mas no tropeço insistente,
nasce um coração pleno.

Segue, mesmo que lento,
com fé nos gestos pequenos —
pois quem atravessa a noite
traz nos olhos novos acenos.




O GOSTO DO DESAFIO

 



O Gosto do Desfeito

 

O sabor do que se desfez.

Não é amargo, nem doce.

É a memória nas papilas,

um eco químico na língua da alma.

O resíduo do abraço que se soltou,

do riso que escorreu como areia fina.

 

Uma impressão, um resto,

no fundo da boca do tempo.

Não um gosto que se nomeia fácil,

mas a textura do vazio que sobrou.

Do que foi denso, cheio, presente,

e agora é apenas um rastro,

uma diluição no paladar do que não é mais.

 

É o café que esfriou,

o cheiro da chuva que passou.

A ausência tangível,

um paladar da perda

que não pede lágrimas,

apenas o reconhecimento

de que algo se foi.

E o gosto, ah, o gosto,

permanece.

Um sabor sutil e persistente,

do que se desfez em nós.








O SABOR DO QUE SE DESFEZ

 


O Sabor do Que Se Desfez

 

O sabor do que se desfez. Não um gosto na boca, mas uma sensação que reside mais fundo, na memória das papilas da alma. É o amargor da perda, sim, mas também a doçura fugidia do que um dia foi completo. Um paladar complexo, que não se traduz em notas de café ou vinho, mas em fragmentos de tempo e toque.

 

É o resíduo do abraço que se evaporou, da risada que se calou, do plano que desmoronou. Um gosto residual, que se adere ao palato do pensamento e insiste em permanecer. Não é o azedo da raiva, nem a ardência da tristeza. É algo mais sutil, a essência do que não é mais, mas que, de alguma forma, ainda está ali, presente na ausência, no silêncio que se prova líquido. É o sabor da saudade que se diluiu, deixando apenas a impressão de um gosto que não se nomeia, mas se sente profundamente.

PRESENÇA DILUÍDA

 


Presença Diluída

 

Não um silêncio de ausência de som.

Não o vácuo absoluto, o nada que precede o grito.

Mas um silêncio de presença diluída.

Algo que está, mas não se toca, não se vê,

apenas se sente escorrer.

Como a cor que se apaga na água,

ainda ali, mas sem a intensidade, sem o contorno.

 

É a sombra do que foi, espalhada em cada canto,

uma névoa fina que permeia o ar

e adere à pele.

A ausência não como vazio,

mas como ocupação sutil,

um peso que não se pesa,

uma forma que se desfez,

mas que ainda preenche o espaço.

 

É o respiro que não se ouve,

o movimento que não se vê,

mas que impregna a atmosfera.

Um silêncio que se prova amargo,

porque é o sabor do que se desfez,

do que se tornou parte do fundo,

misturado,

indistinguível,

mas eternamente presente

naquilo que sobrou.