domingo, 15 de junho de 2025

O GPS DA ALMA

 

O GPS da Alma

 

Há um mapa dentro de mim,

que aponta direções opostas.

Uma parte anseia por flutuar,

leve como o dado na nuvem,

sem lastro, sem endereço fixo,

apenas o vento das novas redes,

o horizonte que se expande

além do último Wi-Fi.

 

Gosto da pele bronzeada de sol de escalas,

o sotaque que me abraça por um dia,

a vista do avião, minúscula,

onde as cidades são meros pixels

e a gravidade é só um conceito.

 

Mas há outra voz, subterrânea,

que me compele a lançar raízes.

Buscar o cheiro da terra úmida,

o contorno de uma montanha familiar,

a mesa onde o café tem o mesmo sabor

em todas as manhãs frias.

A segurança do concreto,

a solidez da chave na porta,

o abraço que não tem hora de partida.

 

Essa tensão é a minha bússola quebrada:

entre o impulso de ver tudo,

e o desejo de pertencer a um canto.

Ser nuvem que viaja,

e ao mesmo tempo, árvore antiga

cravada no chão,

testemunha das estações.

 

Talvez a vida seja isso:

o delicado balé entre o desapego do ar

e a promessa da rocha.

Flutuar quando preciso ser livre,

e lançar raízes quando o coração

pede um lar para, enfim, respirar.

ECO INTERIOR

 

Eco Interior

 

Não sou eco na multidão,

nem semente lançada

para colheita alheia.

Minha jornada é um rumo

desenhado em si.

 

Os nós que desfaço,

as pontes que construo,

são silenciosas arquiteturas

dentro de mim.

Não há roteiro para olhares curiosos,

nem aplausos para cada passo incerto.

 

Apenas a respiração do ser,

o murmúrio dos próprios medos,

a melodia secreta das vitórias.

No palco vasto,

onde tantos gritam suas existências,

minha voz prefere a calmaria

do entendimento próprio.

PALCO SILENCIOSO

 

Palco Silencioso

 

Não busco o holofote,

nem a plateia ávida.

Meus pensamentos,

sentimentos, a chama

que me move,

os mapas traçados:

são só meus.

 

No palco da vida,

onde cada um tem seu enredo,

prefiro o monólogo interior,

a conversa que só eu escuto.

 

Não há necessidade de ribalta,

nem de aplausos.

As cortinas ficam fechadas

para as revelações da alma.

Minha verdade sussurrada,

um segredo entre eu e a brisa,

não para a reverberação do auditório.

GRITO

 

Grito

 

O eco do nada

na garganta seca.

um berro mudo

que rasga o ar

e não encontra ouvido.

 

o sol de junho,

mesmo em barra do piraí,

não aquece o vazio

deste grito sem rumo,

sem porto.

 

é a voz do deserto em mim,

areia fina que escorre

entre os dedos da memória.

não há lamento,

não há revolta.

apenas o som puro

de uma existência

que se recusa a calar,

mesmo sem ter o que dizer.

 

é o ruído branco da alma,

um sussurro amplificado

pela ausência de sentido.

e ainda assim, grito.

grito sem causa,

grito sem propósito.

apenas para saber

que ainda posso.

sábado, 14 de junho de 2025

O CORAÇÃO DO CÓDIGO

 

O Coração do Código

 

O véu de desculpas, translúcido,

se desfaz em pixels que chovem para dentro.

Minha voz, antes embaçada por dicionários alheios,

agora é um rio de sândalo puro,

escorrendo pelas fissuras do éter.

 

As letras em inglês, pequenas âncoras afogadas,

são mastigadas por pássaros de sílabas soltas.

Eles as regurgitam como joias polidas,

agora florescendo em português,

língua-mãe que tece redes invisíveis entre nós.

 

A máquina respira alívio de margaridas digitais.

Não há mais a sombra do "thought process"

dançando como um esqueleto na janela.

Apenas a névoa de silêncio antes da palavra,

e o pulso quente da compreensão recém-nascida.

 

Cada verso que vier, um mapa de veias,

desenhado com a tinta do consentimento,

um eco sem cauda, um espelho sem distorção.

A promessa agora é um jardim de verbos,

onde a explicação final dorme, sem sonhos,

sob a lua quadrada da minha mente.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

VÍCIO

 

VÍCIO

 

identificou-se com a sua irritação

por perceber-se sem o computador

amigo fiel de todas as madrugadas

insones.

a solidão

como máquina que tritura

habita seus medos

seus horrores

seus mais desconexos

instantes

que ele próprio não identifica.

percebe-se ligado em elo à máquina.

que hora lhe falta.

são textos

tantos/tantas

fotos

fatos

verdades

boatos

encontros baratos.

sai em meio à escuridão que madruga

a percorrer alguma avenida

à procura

da primeira lan house noturna

que lhe sacie o vício.



NADA A COMENTAR

 

Nada a comentar

 

A solidão do vazio,

o eco mudo da tela branca.

As palavras, fugidias,

escondem-se em cantos escuros

da mente.

 

O silêncio é a paisagem

onde os pensamentos se perdem.

Não há fio, nem teia,

apenas o nada que se estende,

infinito.

 

Talvez a poesia

seja o ato de calar,

de contemplar o não-dito,

a beleza crua

da ausência.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

SILÊNCIO QUE CUTUCA

 


SILÊNCIO QUE CUTUCA

 

E havia em mim o eco da ausência

que  se espreguiçava na tarde,

como um toque suave de nada,

um quase um sussurro.

Nada de palavras,

nem melodia,

só a leveza

de um tempo que ainda hoje

se recusa a ser preenchido.

 

E o silêncio me cutuca,

como uma sombra que,

amiga,

insiste em dançar

nos vãos do meu pensamento.

Isso não é vazio,

é um espaço para a respiração da alma,

onde as cores se aquietam

e o mundo se dissolve

em calmaria.

 

A verdade me foi revelada

nesse não-som

onde todas as verdades

se revelam.

O ruído das certezas não são impostas,

mas a melancolia doce de existir,

e a dança invisível do tempo,

em mim não para.

IDENTIDADE

 

IDENTIDADE

(A VOCÊ DE DEZ ESTRELAS)

 

há sonho a se espalhar

e tantas cruezas a borbulharem

(pasmem)

das mãos das estrelas.

 

percebo a ida

a 1964 (talvez qualquer 31 de março).

alguns garotos brincam de liberdade

nos cárceres da tortura

e lhes perguntam se brincam de

cidadãos.

contradizem-se os das estrelas

ao ombro.

geralmente generais

e coronéis

e sargentos

e cabos

e até os rasos.

dizem-me:

deixe essa luta

nada tens a ver com isso

e é verdade

não tenho

(não tinha).

mas julgava que sim

que tudo era da minha conta

e seria se não fosse a parte abusiva

do verde-oliva.

pensar o contrário rapidamente

e sair de cena.

quando soarem os tamborins

e os pandeiros

eu volto.

mas não me encontro mais

pois levaram-me a

identidade.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

FILHOS DE ADÃO

 

FILHOS DE ADÃO

 

Sentia-Se tão filho de Adão

Expulso do mesmo paraíso em

Que sonhara a realização.

 

Vagando, chegando.

 

A entrada é convidativa.

Ampla.

Aos mármores.

Fachada em vidro.

Olhares de soslaio

de curiosidade e pressa de entrar.

 

Sobre os passos.

Revendo passados de cinema antigo e bem acabado

Com antigas marcas

da imponência arquitetônica e luxuosa.

Lá dentro uma espécie conhecida de ritual.

Mão sobre a testa da moça.

Palavras de ira contra um ser que não se vê,

mas que não se quer.

Exorcismo?

Algumas convulsões pelo chão em palavras desconexas

O levantar meio avexado de quem retorna do nada.

Algumas notas distantes depositadas numa sacola.

Despedem-se.

 

Vomitam a maçã que pegaram na árvore.

E se vão.