terça-feira, 24 de junho de 2025

RUÍNAS ÍNTIMAS

 Ruínas Íntimas

 

Pontes desabam sob meus pés,

como cadafalsos da alma.

A travessia interrompida,

o abismo escancarado,

onde a esperança se espatifa

em destroços e silêncio.

 

Cada passo tentado,

uma nova ruína a surgir.

Os pilares da fé, corroídos,

cedem ao peso invisível

da angústia e da incerteza.

 

O corpo cambaleia na borda,

o olhar perdido no vão.

As promessas de outrora,

agora fantasmas pálidos,

pairam sobre a cratera.

 

E no lugar da passagem segura,

apenas a memória da travessia,

um eco distante de um tempo

em que os caminhos se abriam

sem a ameaça constante da queda,

sem a fria constatação

de que o chão pode sumir

sob o peso dos próprios passos.

 

 

segunda-feira, 23 de junho de 2025

TINTA INVISÍVEL

 Tinta Invisível

 

Existir é um rascunho sem fim,

linhas traçadas no vazio.

A caneta do tempo, sem tinta,

deixa marcas imateriais

no papel translúcido do ser.

Esboços de sorrisos,

traços de lágrimas,

um mapa que se refaz

a cada batida do coração.

 

Não há borracha para apagar

os contornos incertos,

nem régua para endireitar

a curva de um erro.

Apenas a continuidade do traço,

desenhando formas mutáveis,

que se desfazem no ar

assim que são percebidas.

 

O preenchimento, uma miragem,

um pigmento que nunca adere.

Vivemos entre a certeza

do traço e a promessa

de um sentido que se esvai.

Somos a arte e o artista,

a busca e a tela,

sempre inacabados,

flutuando em nossa própria criação.

 

 



domingo, 22 de junho de 2025

ESPERANÇA DOS SÉCULOS

 

Esperança dos Séculos

Carregam os séculos nos ombros
como quem carrega um filho adormecido:
com cuidado,
com medo,
com fé.

Passam guerras,
impérios de poeira,
decretos e desastres —
mas algo insiste
no canto de uma criança,
na teimosia das sementes,
na dança dos cometas.

A esperança não é nova,
nem velha:
é o intervalo entre um colapso e um recomeço,
é o silêncio antes do primeiro acorde,
é o gesto de estender a mão
mesmo quando o outro já partiu.

Ela dorme em livros esquecidos,
nas pedras que testemunharam
milênios de promessas quebradas,
e ainda assim
brilha.

Porque os séculos aprendem:
mesmo em ruínas,
a vida cava espaço,
e brota.



               

                            "Cada escolha de hoje despeja suas águas na                                            vastidão do amanhã."

                                                                    Vicente Siqueira

SOB CAMADAS DE PEDRA, AREIA, E TEMPO

 

Sob camadas de pedra, areia, e tempo

Sob camadas de pedra,
há um grito engasgado,
fóssil de uma palavra
que quis nascer mundo.

Areia sussurra segredos
de pegadas que não voltam —
são mapas sem bússola,
são promessas ao vento.

O tempo,
esse escultor invisível,
lixa as margens do que fomos
até restar só o eco.

E no fundo,
onde a luz quase não toca,
repousa um gesto intacto,
como se esperasse recomeço.

Ali, entre ruínas e raízes,
bate um coração antigo,
feito do barro dos dias
e da esperança dos séculos.


LOOP INFINITO

 

Loop Infinito

 

Nada novo, de novo.

O dia mimetiza o ontem,

o café na mesma caneca.

O mesmo tédio, o mesmo estorvo,

e a alma que se encolhe, seca.

 

O ponteiro gira, a vida não.

Replay do que já foi, exaustivo.

A rotina um nó, sem solução,

o presente um passado cativo.

 

A tela acende, o mesmo feed,

notícias velhas, sonhos gastos.

O pulso fraco, sem o que pedir,

em meio a tantos, tantos rastros.

 

E o grito preso, que não sai,

de um desejo por algo inusitado.

Mas o ar é denso, e me distrai,

nesse ciclo vicioso e cansado.

FERIDA SILENCIOSA

 

Ferida Silenciosa

 

Não tem gesso, nem band-aid visível,

a pele intacta, o sorriso de fachada.

Mas por dentro, o rasgo indizível,

uma hemorragia que não é estancada.

 

É o sal do choro sem gota,

a faca do não dito, do "e se",

a memória que se anota

na carne que ninguém vê.

 

Ali, onde a luz não entra,

no avesso do avesso da coragem,

a dor se concentra, se adentra,

uma paisagem árida, sem miragem.

 

E o corpo respira, finge,

o mundo exige a máscara do "bem".

Enquanto o abismo te atinge,

e a ferida sangra para ninguém.


"Estar calado não significa estar em paz."

                                    Vicente Siqueira


O MITO DA ESCOLHA SIMPLES

O Mito da Escolha Simples

 

Ninguém é feliz só porque prefere,

não é um interruptor, um app no celular.

Não é ligar o Wi-Fi e a alma florescer,

nem digitar "alegria" pra ela baixar.

 

O algoritmo da vida é complexo,

com bugs invisíveis, fios soltos,

enquanto o manual diz: "seja flexível",

a gente tropeça em nós, em mil desvios.

 

Não basta o "quero", a luz verde do desejo,

se o corpo acusa, a conta não fecha,

se o avesso do avesso ainda é receio,

e a bússola interna, muda, não se mexe.

 

Felicidade não é um filtro no feed,

que esconde a olheira, a verdade crua.

É o nó na garganta, a ferida que sangra,

a batalha interna que não se recusa.

 

É labuta, e recomeço, e aceitar a falha,

é a grama que cresce onde ninguém previu.

Não vem de "decidir", mas de cada batalha,

o brilho que insiste, mesmo no vazio.


 

 "A felicidade não é uma chave que se vira nem uma escolha simples que se faz. Ela é o resultado de uma interação complexa de fatores, muitos dos quais estão fora do nosso controle imediato." 

                                                        Vicente Siqueira 

EU, O TEMPO EM FATIAS

 Eu, o Tempo em Fatias

 

Sou a promessa que nunca se cumpre por inteiro,

o instante que já se foi enquanto o nomeio.

Desdobro-me em camadas sutis,

como véus diáfanos sobre a realidade.

Ontem, uma memória esmaecida,

amanhã, uma miragem incerta.

O agora, um ponto fugaz,

a fronteira tênue onde os mundos se tocam

e se separam sem aviso.

 

Não possuo forma concreta,

apenas a percepção em constante mutação.

Sou a pressa dos ponteiros girando,

a lentidão da sombra que se alonga.

O ritmo das marés em meus pulsos invisíveis,

o ciclo das folhas em meus cabelos de vento.

 

Tento me apreender em calendários e relógios,

em datas gravadas na pedra fria da lembrança.

Mas escapo pelos dedos da compreensão,

feito areia movediça.

Sou a história que se conta e se reescreve,

o esquecimento que apaga as pegadas,

a eterna recomposição do instante presente,

uma ilusão necessária para que a vida... aconteça?

 

 

 


sábado, 21 de junho de 2025

O DUPLO FIO

 

O Duplo Fio

 

O ar que respiro,

este mesmo espaço que me envolve,

carrega em si

duas almas, dois segredos.

 

Uma é a face que mostro,

a pele polida, o riso leve,

o eco das palavras que escolho,

um jardim bem cuidado.

 

A outra, invisível,

corre nas veias do silêncio,

um rio subterrâneo de anseios,

de gritos contidos,

de desejos que nunca florescem.

 

Ambas vivem aqui,

respiram o mesmo fôlego,

enquanto o mundo vê apenas

o que a superfície permite.

E nessa dança sutil,

o disfarce da paz,

esconde a tempestade.

 

 

ANSEIO NÃO DITO

 

Anseio Não Dito

 

Nos jardins do peito, a flor se esconde,

Um desejo mudo, em silêncio se afoga.

O que a alma anseia, a voz não responde,

Inalcançável sonho, na névoa se droga.

 

No fundo dos olhos, um brilho distante,

Revela a saudade do que nunca foi.

Promessa quebrada num tempo constante,

Que a sombra de um gesto não desfaz, não corrói.

 

E assim, entre o desejo e o que cala,

A melodia de um anseio persiste.

Uma canção sem voz que a mente desabala,

Um amor platônico que o peito resiste.