sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A MÁQUINA DA ESPERA

 

A Máquina da Espera

Já não se trata mais de "se",
mas de "como".
O tempo, que sempre foi prisão e mistério,
agora se oferece como trilha —
invisível, mas mapeada
pelas equações de quem ousa sonhar com o impossível.

Michio Kaku, com seus olhos de futuro,
diz que não é mais ficção:
é engenharia.
A mesma que nos levou ao céu,
que pousou o homem na lua,
agora sussurra ao ouvido dos séculos:
"prepara-te, relógio, tua prisão vai ruir."

Buracos de minhoca, campos quânticos,
curvas da relatividade —
são os novos ventos nas velas de um barco
que navega não no mar,
mas na própria estrutura do espaço.

Falta-nos energia, dizem.
Mas quando foi que a falta
impediu o voo?
Quando foi que o medo
venceu o fogo da invenção?

A viagem no tempo talvez ainda more
nos laboratórios do pensamento,
mas o tempo —
o próprio tempo —
já se pergunta
quanto falta
para ser atravessado
não por sonhos,
mas por passos.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

DEPOIS DA EUFORIA

 Depois da Euforia

O eco dos tambores ainda paira,
mesmo quando a praça já dorme.
Pisaram os confetes com pressa,
mas o vazio ficou de mãos dadas comigo.

As ruas gritavam cor, mas meus olhos,
abafados por tanta promessa,
viam apenas o chão —
molhado, brilhante de sobras.

Dancei com a multidão sem ser notado,
fui mais máscara do que rosto,
mais silêncio do que canto,
mais ausência do que desejo.

No rastro das serpentinas, busquei sentido,
mas só encontrei retalhos de mim mesmo
perdidos entre trios, brilhos e o som
de algo que prometia ser alegria.

E quando veio a quarta-feira,
não houve cinzas —
houve um espelho.
E nele, o meu cansaço vestido de festa.


Carnaval e o Sentido

O eco dos tambores atravessava os séculos,
como se a alegria pudesse justificar o tempo.
Mas eu, partícula hesitante da massa,
perguntava: quem sou entre mil rostos?

As serpentinas cortavam o céu como perguntas,
sutilezas coloridas num mundo que afunda.
O samba, tão vibrante, deslizava no asfalto,
mas em mim era abismo que não sabia dançar.

Entre máscaras sorridentes e passos precisos,
fui o intervalo, o sem-nome, o intervalo.
Porque quem grita com todos
é também quem escuta a si mesmo com medo.

A euforia dos outros me atravessou
sem jamais me pertencer.
O sentido escorregava como serpentina molhada
entre os dedos da consciência desperta.

E quando a quarta-feira chegou,
não foi fim, nem recomeço.
Foi só mais uma pergunta,
silenciosa e eterna:
vale mesmo a pena fugir de si
em nome de um instante brilhante?


Carnaval e o Sentido (continuação)

As ruas, tão cheias de passos e batuques,
ficaram desertas quando o som cessou.
Mas o vazio — esse não partiu.
Ele sentou-se ao meu lado, sem pedir licença.

Vi sorrisos sendo desfeitos no espelho do metrô,
fantasias esquecidas nos cantos da calçada,
e pensei: será que também eu fui inventado?
Será que minha alegria era só reflexo?

No fundo do peito, uma vontade de crer,
de que algo, talvez pequeno,
tivesse sido real naquela dança.
Mas o real é duro, e nem sempre dança.

E se a festa é um disfarce coletivo,
será a solidão o único nome sincero?
Ou será que no meio da multidão
a alma apenas cochila, à espera de um toque?

Porque o corpo pode pular, girar, cantar,
mas há perguntas que pulsam em silêncio:
Por que o riso exige tanto esforço?
E por que o silêncio é tão pesado depois?


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sábado, 19 de junho de 2021

NADA É SÓ O QUE PARECE

 

Nada é Só o Que Parece

 

A névoa se deita sobre a paisagem

e o que era chão vira nuvem,

o que era árvore, fantasma.

Meus olhos traem a certeza.

 

Cada sombra um desenho,

cada luz uma mentira velada,

e a mente, tecelã de enganos,

costura mundos

onde o sólido é fumaça,

e o espelho, um portal.

 

O reflexo não me devolve

o rosto que sei,

mas uma máscara fluida,

feita de perguntas.

Onde reside o verdadeiro,

se a pele do mundo

muda a cada piscar?

 

Busco a essência além do visível,

na fissura do pensamento,

na voz que sussurra

que toda solidez é um acordo frágil,

que o real se esconde

no avesso do óbvio.

 

E então, percebo:

a confusão não está fora,

mas na lente com que vejo.

Tudo é um jogo de ilusões,

e talvez, a única verdade,

seja a busca incessante

pelo que nunca, de fato, é.