domingo, 19 de maio de 2024

MAPA TÁTIL

 

MAPA TÁTIL

entendi tudo
no momento em que tua mão
não desviou

ficou
respondeu sem palavras
o que minha boca nunca ousou dizer

foi um toque calmo
um gesto sem roteiro
mas com a força de um poema

teu gesto desenhava em mim
um mapa secreto
com ruas que levavam ao mesmo lugar

e quando nos vimos
presas um do outro
nesse labirinto de pele e intenção
sabíamos:
era ali que se morava

nossos olhos —
duas janelas escancaradas
por onde passavam
todas as verdades
que o toque traduziu.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

NOVA VESTIMENTA

NOVA VESTIMENTA 

o suor que foi gasto
e derramado
em tão pouco tempo
teve o dom de vestir em nós,
em nossos poros,
a mais linda roupagem,
o mais belo manto,
o mais brilhante
e ajaezado costume,
batizando-nos corpo
e coragem.

cumplicidade feita
de vai-e-vens,
olhos e espelhos,
num jogo de sedução
e descobertas.

alguns sons de outros tempos
ressoando
em lembranças vagas,
alavancando sonhos.

vestidos de suores,
iniciamos outra história,
outras tantas esperanças,
no dia em que o gozo
alcançou a glória.

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

ANTROPOLOGIA URBANA

 

ANTROPOLOGIA URBANA

ela não anda —
declara a rua com os quadris
faz do salto
um hino de resistência estética

é pré-histórica e pós-futurista
na mesma passada

quem a viu sabe:
ela é tese e mito
é o elo entre o sagrado e o suspiro

nuvem de perfume e pulso
passando diante de prédios ocos
como se fossem ruínas de um mundo
que ainda não soube
como olhá-la direito.

domingo, 8 de outubro de 2023

HORIZONTE DE ESPERANÇA

 

Horizonte de Esperança

no fim do olhar cansado
uma luz se acende
sutil, insistente
promessa de manhã

é linha tênue
entre o hoje e o amanhã
onde o sonho se encontra
com a coragem de ser

não é fuga, nem ilusão
mas passo firme
sobre a areia movediça
dos dias difíceis

o horizonte sorri
mesmo quando escurece
e revela que sempre há
um motivo para seguir

pois onde há esperança
floresce a vida
e nasce um novo dia

terça-feira, 19 de setembro de 2023

GEOGRAFIA DO DESEJO

 

GEOGRAFIA DO DESEJO

há uma topografia secreta
no modo como teus lábios
cartografam minha pele

não é pressa —
é percurso.

as mãos, bússolas febris
desenham trilhas
onde antes só havia espera

teu hálito,
vento quente de monções
move cortinas internas
abre portos esquecidos

os músculos se lembram
da língua como seta
da saliva como selo

não há nome para o que se dá
sem pedir,
sem recuar —
mas sabemos.

os corpos, rios que se encontram,
perdem-se em curvas
em fundos não mapeados
em sinuosidades novas
onde o prazer não é fim
mas fenda,
criação,
caminho aberto.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

A CONTRADIÇÃO TRANSPARENTE

 

A Contradição Transparente

 

No palco interno,

o desejo acende luzes fortes,

querendo palco, aplausos,

a voz do mundo.

 

Ele dança, salta,

quase grita seu nome,

a forma exata do que busca,

o toque que falta.

 

Mas a boca,

uma linha reta,

mantém-se fechada,

o silêncio, um véu pesado.

 

O que se quer

corre selvagem

sob a pele fina,

e o que se exibe é a calma,

a ausência do clamor.

 

Duas verdades

coexistem no mesmo ar,

uma que brota e outra que murcha,

no mesmo jardim,

o desejo e o seu túmulo.

 

 

segunda-feira, 19 de junho de 2023

CORRENDO EM CÍRCULOS

 

 

Correndo em Círculos

 

O caminho se repete,

o mesmo passo, a mesma pedra,

embora o cenário mude

no labirinto da cabeça.

 

As ideias voltam,

ecos de ecos,

perguntas antigas

sempre à tona,

uma fita rebobinando

o que nunca teve fim.

 

É o tic-tac da dúvida

que não se cala,

o compasso do ser

preso em sua própria jaula

de vidro transparente,

onde a saída é sempre a entrada.

 

Canso de girar em torno do mesmo,

de buscar o nó

que desata a alma,

mas encontro apenas o começo

de um novo e idêntico amanhecer.

 

E neste eterno retorno,

a única certeza

é o movimento circular,

a infinita dança

que me leva de volta

ao ponto exato

onde nunca estive.

 


 

 

quarta-feira, 24 de maio de 2023

PALAVRA PRESA

 PALAVRA PRESA

 

Esse nó na garganta, apertado e cruel,

Sufoca a voz, a fala, o pensamento.

Um peso imenso, que se faz implacável,

Em silêncio rouba a paz e o contentamento.

 

A palavra presa, em vão tenta escapar,

Mas a angústia a prende, em sua teia escura.

Um turbilhão de emoções, que se amontoam,

E a alma se debate, em sofrimento puro.

 

Lágrimas contidas, um oceano calado,

Que inunda o peito, com sua dor profunda.

A solidão se instala, em seu reino sagrado,

 

E a esperança se esvai, como fumaça efêmera e munda.

Só resta a espera, paciente e sem alívio,

Que esse nó se desfaça, em suave derretimento

terça-feira, 23 de maio de 2023

NOJO

 

Nojo

Eu tenho nojo da fome
que grita no estômago das crianças
e é calada
pela indiferença.

nojo da corrupção
que veste terno
e come o pão
de quem não tem nome.

tenho nojo da desumanidade
que transforma gente
em estatística,
da violência cotidiana
que vira trilha sonora
de quem já nem reage.

tenho nojo —
mas não me calo.
o nojo é o grito
antes da ação,
é o enjoo de um mundo
que precisa nascer de novo.

meu nojo
não é repulsa
à dor do outro.
é repulsa
de viver num sistema
que a produz
e a lucra.

há um tipo de nojo
que desperta:
ele queima por dentro,
até virar verbo,
até virar
luta.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

FRAGMENTOS DE ESPELHO

 

Fragmentos de Espelho

Eu me olho
e não me vejo inteiro
apenas partes —
reflexos partidos
em molduras sem vidro

há um pedaço de mim
no riso que invento
outro
na dor que escondo

o espelho nunca mostra
a alma em voz alta
só fragmentos
como se a verdade
não coubesse de uma vez

sou um quebra-luz
feito de cacos que brilham
mais do que se fossem lisos

e às vezes entendo:
não preciso ser inteiro
pra ser sincero
nem simétrico
pra ser belo

sou feito de estilhaços
mas cada um deles
carrega um céu