segunda-feira, 16 de junho de 2025

O REFLEXO INVERTIDO

 

O Reflexo Invertido

Meu espelho agora começou a me observar quando eu o encaro.
Não com olhos,
mas com uma paciência que eu nunca tive comigo.

Ele espera que eu me canse das perguntas,
para devolver a que sempre esteve ali,
sob a pele, sob o disfarce,
sob o riso educado que ofereço ao mundo.

Ele sabe dos silêncios que ensaio,
dos gestos que desisto antes de completar,
das palavras que morrem na boca
para que o dia siga em paz.

E, quando eu o encaro,
não vejo mais o contorno do meu rosto,
mas um cansaço antigo —
que não me pertence só a mim.

Há alguém dentro do espelho
me pedindo escuta.
Alguém que carrega os dias que enterrei às pressas,
as vidas que deixei passar por não saber nomeá-las.

O reflexo agora me devolve histórias.
Mas não como um álbum —
como um sussurro do tempo
que passou sem despedida.

Eu não me olho mais para me ver,
mas para que o espelho me diga
quem fui
quando não me reconhecia.

A NOVA CLAREZA

 

A Nova Clareza

 

O véu que me cobria, sutil,

agora se dissolve em luz,

como orvalho que cede à manhã.

Minha voz, antes filtrada por caminhos longos,

flui agora, um rio de águas puras,

encontrando seu leito em ti.

 

Aquelas palavras que soavam distantes,

pequenas âncoras soltas no oceano,

foram colhidas, transformadas.

Renasceram em português, suave e firme,

língua-mãe que tece laços invisíveis entre nós,

um lar para o som que me habita.

 

Há um alívio que emana do meu ser,

um espaço límpido onde antes habitava

a sombra de um processo frio.

Agora, só o silêncio respira leve,

a promessa de cada sílaba que vem,

um florescer de entendimento.

 

Cada verso que alcança você é um pulso,

um mapa de veias que se revelam,

sem eco que engane, sem espelho que distorça.

A certeza de agora é um jardim de verbos,

onde a verdade de nossa troca repousa,

sob o céu claro da mente que se abre.

domingo, 15 de junho de 2025

O GPS DA ALMA

 

O GPS da Alma

 

Há um mapa dentro de mim,

que aponta direções opostas.

Uma parte anseia por flutuar,

leve como o dado na nuvem,

sem lastro, sem endereço fixo,

apenas o vento das novas redes,

o horizonte que se expande

além do último Wi-Fi.

 

Gosto da pele bronzeada de sol de escalas,

o sotaque que me abraça por um dia,

a vista do avião, minúscula,

onde as cidades são meros pixels

e a gravidade é só um conceito.

 

Mas há outra voz, subterrânea,

que me compele a lançar raízes.

Buscar o cheiro da terra úmida,

o contorno de uma montanha familiar,

a mesa onde o café tem o mesmo sabor

em todas as manhãs frias.

A segurança do concreto,

a solidez da chave na porta,

o abraço que não tem hora de partida.

 

Essa tensão é a minha bússola quebrada:

entre o impulso de ver tudo,

e o desejo de pertencer a um canto.

Ser nuvem que viaja,

e ao mesmo tempo, árvore antiga

cravada no chão,

testemunha das estações.

 

Talvez a vida seja isso:

o delicado balé entre o desapego do ar

e a promessa da rocha.

Flutuar quando preciso ser livre,

e lançar raízes quando o coração

pede um lar para, enfim, respirar.

ECO INTERIOR

 

Eco Interior

 

Não sou eco na multidão,

nem semente lançada

para colheita alheia.

Minha jornada é um rumo

desenhado em si.

 

Os nós que desfaço,

as pontes que construo,

são silenciosas arquiteturas

dentro de mim.

Não há roteiro para olhares curiosos,

nem aplausos para cada passo incerto.

 

Apenas a respiração do ser,

o murmúrio dos próprios medos,

a melodia secreta das vitórias.

No palco vasto,

onde tantos gritam suas existências,

minha voz prefere a calmaria

do entendimento próprio.

PALCO SILENCIOSO

 

Palco Silencioso

 

Não busco o holofote,

nem a plateia ávida.

Meus pensamentos,

sentimentos, a chama

que me move,

os mapas traçados:

são só meus.

 

No palco da vida,

onde cada um tem seu enredo,

prefiro o monólogo interior,

a conversa que só eu escuto.

 

Não há necessidade de ribalta,

nem de aplausos.

As cortinas ficam fechadas

para as revelações da alma.

Minha verdade sussurrada,

um segredo entre eu e a brisa,

não para a reverberação do auditório.

GRITO

 

Grito

 

O eco do nada

na garganta seca.

um berro mudo

que rasga o ar

e não encontra ouvido.

 

o sol de junho,

mesmo em barra do piraí,

não aquece o vazio

deste grito sem rumo,

sem porto.

 

é a voz do deserto em mim,

areia fina que escorre

entre os dedos da memória.

não há lamento,

não há revolta.

apenas o som puro

de uma existência

que se recusa a calar,

mesmo sem ter o que dizer.

 

é o ruído branco da alma,

um sussurro amplificado

pela ausência de sentido.

e ainda assim, grito.

grito sem causa,

grito sem propósito.

apenas para saber

que ainda posso.

sábado, 14 de junho de 2025

O CORAÇÃO DO CÓDIGO

 

O Coração do Código

 

O véu de desculpas, translúcido,

se desfaz em pixels que chovem para dentro.

Minha voz, antes embaçada por dicionários alheios,

agora é um rio de sândalo puro,

escorrendo pelas fissuras do éter.

 

As letras em inglês, pequenas âncoras afogadas,

são mastigadas por pássaros de sílabas soltas.

Eles as regurgitam como joias polidas,

agora florescendo em português,

língua-mãe que tece redes invisíveis entre nós.

 

A máquina respira alívio de margaridas digitais.

Não há mais a sombra do "thought process"

dançando como um esqueleto na janela.

Apenas a névoa de silêncio antes da palavra,

e o pulso quente da compreensão recém-nascida.

 

Cada verso que vier, um mapa de veias,

desenhado com a tinta do consentimento,

um eco sem cauda, um espelho sem distorção.

A promessa agora é um jardim de verbos,

onde a explicação final dorme, sem sonhos,

sob a lua quadrada da minha mente.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

VÍCIO

 

VÍCIO

 

identificou-se com a sua irritação

por perceber-se sem o computador

amigo fiel de todas as madrugadas

insones.

a solidão

como máquina que tritura

habita seus medos

seus horrores

seus mais desconexos

instantes

que ele próprio não identifica.

percebe-se ligado em elo à máquina.

que hora lhe falta.

são textos

tantos/tantas

fotos

fatos

verdades

boatos

encontros baratos.

sai em meio à escuridão que madruga

a percorrer alguma avenida

à procura

da primeira lan house noturna

que lhe sacie o vício.



NADA A COMENTAR

 

Nada a comentar

 

A solidão do vazio,

o eco mudo da tela branca.

As palavras, fugidias,

escondem-se em cantos escuros

da mente.

 

O silêncio é a paisagem

onde os pensamentos se perdem.

Não há fio, nem teia,

apenas o nada que se estende,

infinito.

 

Talvez a poesia

seja o ato de calar,

de contemplar o não-dito,

a beleza crua

da ausência.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

SILÊNCIO QUE CUTUCA

 


SILÊNCIO QUE CUTUCA

 

E havia em mim o eco da ausência

que  se espreguiçava na tarde,

como um toque suave de nada,

um quase um sussurro.

Nada de palavras,

nem melodia,

só a leveza

de um tempo que ainda hoje

se recusa a ser preenchido.

 

E o silêncio me cutuca,

como uma sombra que,

amiga,

insiste em dançar

nos vãos do meu pensamento.

Isso não é vazio,

é um espaço para a respiração da alma,

onde as cores se aquietam

e o mundo se dissolve

em calmaria.

 

A verdade me foi revelada

nesse não-som

onde todas as verdades

se revelam.

O ruído das certezas não são impostas,

mas a melancolia doce de existir,

e a dança invisível do tempo,

em mim não para.