sexta-feira, 7 de março de 2025

TAMBÉM VOU SER POETA

 


TAMBÉM VOU SER POETA

também queria viajar
ir e ficar
em pasárgada (sei lá)
e pelo estatuto do poeta
tenho direito a pagar meia passagem
e o pagamento será feito em gramas de sonho.

rompendo as ânsias e lá chegando
tenho direito ainda
a fixar residência
onde bem me aprouver
desde que haja cachoeiras por perto
e libélulas gritem cantos
como cotovias
e sabiás saibam seus ninhos nas palmeiras
e que explodam girassóis
desde o mais tenro início de inverno
que não poderá ser
nem muito frio
nem muito distante.

não quero que haja reis
e sim princesas
e rainhas brotem aos cachos
como pingo-de-ouro
e se deixem ser amadas
por seus cavaleiros errantes
assim como eu.

e quando eu voltar às realidades daqui
quero ser reconhecido
pela minha eloquência embandeirada
e pela alcunha de
“poeta, o audaz”.
.
.
.
Vicente
.
.

 

domingo, 2 de março de 2025

FLAGRADOS NO TEMPO

 FLAGRADOS NO TEMPO

não era mais ontem
mas também não era já,
era aquele meio instante
que se esconde nas frestas
onde o tempo esquece de contar.

nossos olhos, clandestinos,
gravaram na memória
o que o corpo não pôde guardar —
um toque,
um nome não dito,
um quase que ficou inteiro.

as horas correram ao contrário,
os ponteiros, cúmplices,
hesitaram um segundo a mais
só pra nos permitir
a eternidade breve
de um gesto.

depois, tudo voltou:
as vozes, os passos,
a pressa dos outros.
mas nós —
nós fomos flagrados no tempo,
na dobra do relógio,
onde o desejo é fósforo aceso
que ainda brilha
mesmo depois de apagado.

sábado, 1 de março de 2025

MULTIDÃO INTERNA

 Multidão Interna

Falei alto nas redes,
nos corredores, nos elevadores.
Meu nome ecoava entre notificações,
mas por dentro — era sussurro.

Porque quem grita com todos
é também quem escuta a si mesmo com medo.
No ruído dos aplausos,
escondi perguntas que não tinham palco.

Sorri para fotos que não me incluíam,
respondi com emojis o que o peito não sabia dizer.
E o mundo me abraçou em pixels,
mas faltava pele,
faltava pausa.

Aprendi a falar bonito,
mas tropecei no silêncio.
Porque há frases que não servem
quando a dor não tem legenda.

Fiquei cercado de vozes,
mas a minha — rouca e tímida —
pedia abrigo, não audiência.

Então um dia parei de gritar.
E no susto do silêncio,
descobri que o eco é sincero
quando não há ninguém para aplaudir.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

RESPIRA E DESCOMPLICA

 Respira e Descomplica

O tempo corre, a tela brilha,

Mil demandas na mochila.

A mente agita, o corpo estica,

Mas calma, a vida não complica.

 

Desliga o "zap", esquece o "feed",

Planta uma flor, solta um creed.

O sol lá fora te convida,

Pra uma pausa na batida.

 

Um banho morno, uma canção,

Um livro bom, um abraço irmão.

A natureza é nosso ninho,

Pra aquietar qualquer espinho.

 

Não é defeito, é só cansaço,

Solta o peso, encontra o espaço.

Reduz o ritmo, respira fundo,

Pra colorir de novo o mundo.

 

A leveza mora em ti,

É só deixar ela fluir.

Descomplica, desacelera,

E a paz de novo te espera.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

VERTIGEM

 

Vertigem

 

O chão se desfaz sob os pés,

não em queda, mas em giro,

um turbilhão de pensamentos

sem centro, sem Norte.

 

Ideias flutuam como poeira cósmica,

partículas de um universo íntimo

que se expande e se contrai,

sem lógica aparente.

 

Há perguntas gravadas no ar rarefeito,

ecoando sem resposta,

sobre o ser, o tempo,

o fio invisível que nos prende ao nada.

 

É a dança incessante da mente,

onde o eu se dissolve e renasce

a cada milésimo de dúvida,

a cada pulso de incerteza.

 

E no olho desse ciclone particular,

silenciosamente,

eu me pergunto:

qual abismo me chama?

Ou sou eu o abismo

que se abre em mim?

 

 

 

 

 

 

sábado, 15 de junho de 2024

FINALMENTE O VAZIO

 

Finalmente o Vazio

 

Enredado,

o nó emaranha o peito,

um silêncio que grita sem voz.

Não sei o que está acontecendo,

apenas sinto o chão sumir.

 

Sou um experimento, talvez.

Um fio tênue, quase invisível,

suspenso sobre o abismo,

onde o ar se torna denso

e irrespirável,

sufocante.

 

A incerteza é a única paisagem,

e a saída, um eco distante.

Não há luz no fim do túnel,

porque não há túnel,

não há espaço,

não há esperança,

apenas a densidade do escuro

que me abraça

e me consome.

 

 

 

 

 

O Fio Tênue

 

E no fio tênue, a dança.

Não é leve, não é livre,

é a dança da hesitação.

Cada passo, um cálculo,

um sopro de ar, uma ameaça.

 

Respirar dói,

como se o ar fosse agulhas finas

costurando a incerteza na pele.

E o vazio, ali embaixo,

não é um convite,

é uma verdade que espera.

 

O equilíbrio é precário,

uma miragem.

E a cada balanço, a sensação

de que o fio se desfaz,

pedaço por pedaço,

dissolvendo-se no nada.

 

 

 

 

 

 

 

 

O Peso da Incerteza

 

E a incerteza, essa névoa densa

que cega os olhos e amarra os pés.

Não é leve, não é passageira,

é um fardo invisível,

uma âncora que arrasta.

 

Pesa no ar que respiro,

cada inspiração, um esforço.

Pesa nos ombros, curvos,

como se levassem o mundo

e todas as suas perguntas sem resposta.

 

É o silêncio das possibilidades,

o sussurro do "e se",

que se torna um grito no vazio.

É o tempo que se arrasta,

uma ampulheta de areia movediça,

onde o futuro não se desenha,

apenas se dissolve.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Ausência e a Prisão

 

E a luz, um mero boato,

uma lenda distante.

Aqui, só a escuridão se estende,

pesada e sem promessas.

Não é sombra, é ausência,

um vazio que engole cores e esperanças.

 

E nesse escuro, a prisão.

Não há grades, não há muros visíveis,

mas as paredes apertam,

o ar rarefeito sufoca.

É uma celas invisível,

tecida de incertezas e de "nãos".

 

Cada passo é um tropeço no breu,

cada respiração, um grito abafado.

E a saída, um eco que não chega,

uma porta trancada por dentro,

sem chave, sem maçaneta,

apenas o silêncio opressor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Porta Trancada Por Dentro

 

E a porta trancada por dentro,

não é parede, é barreira.

Não há chave, não há fresta,

apenas a mão que a segura,

a minha própria,

que não cede, não liberta.

 

É um ato de auto-prisão,

uma escolha sem nome,

que prende o passo, cala a voz.

O lado de fora, um sussurro distante,

o que poderia ser, um sonho.

 

E o silêncio aqui dentro,

não é paz, é eco.

O eco das chances perdidas,

dos caminhos não tomados.

A porta, um espelho turvo,

refletindo a mim mesmo,

o carcereiro, o prisioneiro.

 

 

 

 

 

A Auto-Prisão

 

E a auto-prisão, essa estranha liberdade

de me acorrentar sem grilhões visíveis.

Não há força externa, não há opressor,

apenas a mão invisível que me prende.

É um labirinto interno,

cujas paredes se erguem da minha própria dúvida.

 

Cada recusa, um tijolo;

cada medo, uma argamassa que endurece.

A saída, um ponto no horizonte

que se afasta à medida que me aproximo.

Sou o construtor da minha própria jaula,

o carcereiro que veste a pele do prisioneiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Silêncio Como Eco

 

E o silêncio aqui dentro,

não é paz, é um eco.

O som das palavras não ditas,

dos "talvez" que nunca se concretizaram.

É a ressonância do arrependimento,

um sussurro constante do que poderia ter sido.

 

Cada oportunidade perdida,

um golpe que reverbera nas paredes da alma.

Não há música, não há voz,

apenas o vazio que responde a si mesmo,

um eco de "e se" que se repete infinitamente,

preenchendo o espaço onde a esperança morava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Intensidade dos Sentimentos

 

E essa intensidade, um mar sem fundo,

que não afoga, mas arrasta e comprime.

Não é uma brisa, é um furacão interno,

onde as emoções não se suavizam,

apenas ganham peso, densidade.

 

A tristeza não é tristeza, é um abismo.

A incerteza não é dúvida, é um grito preso.

Cada fibra do ser vibra com a sobrecarga,

como um fio que estica até o limite,

prestes a romper, mas que não se quebra.

 

É a vida sentida em carne viva,

onde cada toque dói, cada pensamento queima.

Não há anestesia para a alma,

apenas a plenitude esmagadora

desses sentimentos que se agigantam,

preenchendo todo o espaço, sem ar para respirar.

 

 

 

 

 

 

 

 

Vida Sentida em Carne Viva

 

E a vida sentida em carne viva,

cada toque, uma pontada.

Não há escudo, não há pele grossa,

apenas a exposição crua da alma.

É como se os nervos estivessem à flor da pele,

captando cada vibração, cada sussurro do mundo.

 

O amor, quando surge, é um incêndio;

a dor, um abismo sem fim.

Não há meios-termos, não há tons pastéis,

apenas a explosão das cores mais intensas,

pintando a existência com traços fortes e violentos.

A sensação é tão real, tão presente,

que a respiração se torna um ato consciente,

uma luta para suportar o que se sente.

 

 

 

 

 

 

 

 

O Limite de um Fio Esticado

 

E o limite de um fio esticado,

prestes a romper, mas teimosamente intacto.

Não é fragilidade, é uma resistência exaustiva.

Cada puxão, cada tensão, aproxima do ponto final,

mas a corda ainda vibra, ainda suporta.

 

É o limite da alma,

onde a elasticidade já não existe,

e a ruptura parece a única lógica.

Mas o fio, teimoso, mantém-se,

uma metáfora da persistência imposta,

da força que se nega a ceder,

mesmo quando tudo clama por um fim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resistência no Limite

 

E a resistência no limite,

uma batalha silenciosa e inglória.

Não é força que impulsiona,

é a última reserva, o fôlego arranhado

que se nega a ceder, a desabar.

 

Os músculos tremem, a mente vacila,

mas algo insiste, algo persiste.

É a teimosia da sobrevivência,

a recusa em aceitar a derrota,

mesmo quando a vitória é apenas a não-queda.

 

Nesse ponto extremo, a dor se confunde com a inércia,

e o desejo de parar é tão forte quanto a ânsia de continuar.

É a dignidade do fio esticado,

que se recusa a se romper,

ainda que cada fibra clame por alívio.

 

 

 

 

 

 

 

Vontade de Não Continuar

 

E a vontade de não continuar,

um cansaço que transcende o corpo.

Não é preguiça, não é desistência covarde,

é a exaustão da alma, o esgotamento da fé

em cada novo passo, em cada amanhecer.

 

Os dias se arrastam, pesados,

e a perspectiva de mais um "virá"

é um fardo insuportável.

É o desejo de que o tempo pare,

que o fio se rompa de vez,

que o silêncio se instale sem eco.

 

É a promessa do vazio, que de repente

parece menos ameaçadora que a plenitude da dor.

A ânsia de sumir, de dissolver-se

em um nada que finalmente traga a paz,

o fim da luta, o descanso sem sonhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Ânsia do Vazio

 

E a ânsia do vazio, uma sede estranha

por aquilo que não tem forma, não tem som.

Não é medo do nada, é o acolhimento que se busca,

a promessa de um espaço onde a dor não ecoa,

onde a intensidade se dilui em silêncio puro.

 

É o chamado da ausência,

um convite para desaparecer,

para que o fio se desfaça de vez,

e a pressão ceda, e o peso se esvai.

O vazio, então, não é mais ameaça,

mas um refúgio, um ponto de fuga,

onde a existência se apaga

e finalmente se encontra a paz que a vida nega.

 

 

A Promessa do Vazio

 

E a promessa do vazio, uma melodia suave

que sussurra alívio onde antes só havia caos.

Não é uma ameaça, mas um convite,

a certeza de que, ao fim, tudo se dissolve,

e a pressão cessa, e o ruído se cala.

 

É o vislumbre de um descanso absoluto,

onde as perguntas se apagam sem respostas,

e os problemas se desfazem em nada.

O vazio, então, não é mais um abismo a ser temido,

mas um horizonte sereno,

onde a paz finalmente se instala,

uma calmaria sem fim para a alma exausta.

 

 

 

 

A Paz Além do Descanso

 

E a paz além do descanso, um estado que transcende

o simples alívio de um peso que se vai.

Não é a quietude que sucede a tempestade,

mas uma ausência de necessidade,

onde o anseio e a busca se dissolvem.

 

É a serenidade que não depende de sono,

nem de pausas, nem do fim de uma jornada.

É o ponto onde a consciência se aquieta,

livre dos ecos do passado, das promessas do futuro.

Uma leveza indescritível,

que não é a ausência de peso, mas a ausência de esforço.

 

Nesse lugar, a existência apenas é,

sem a urgência do tempo, sem a pressão do desejo.

É a dissolução da própria busca,

a descoberta de que a paz não é um destino,

mas o próprio vazio preenchido de si mesmo.

 

 

O Vazio Que Se Auto-Preenche

 

E o vazio que se auto-preenche, um paradoxo

que desfaz a lógica do que é ausência.

Não é um nada que espera ser completo,

mas uma plenitude que surge de si,

uma existência que se basta sem ter.

 

É como a vastidão do céu noturno,

que parece vazio, mas é infinito em estrelas invisíveis,

uma profundidade que se revela em sua própria essência.

Não há necessidade de adição, de preenchimento externo,

pois a essência já está ali, em cada não-coisa.

 

Nesse espaço, a paz é a própria matéria,

o silêncio, a voz mais alta que se pode ouvir.

É a libertação do conceito de falta,

a descoberta de que o vazio não é carência,

mas a forma mais pura de ser, a totalidade em sua vastidão.

 

 

 

 

 

 

 

 

Plenitude na Vastidão do Nada

 

E a plenitude na vastidão do nada, o ápice do paradoxo,

onde o vazio não é falta, mas presença absoluta.

Não é um espaço oco à espera de preenchimento,

mas o próprio infinito que se revela em sua essência.

 

É a liberdade de não ter contornos, de não ter limites,

a paz de ser tudo e nada ao mesmo tempo.

Nesse "não-lugar", a mente se aquieta,

e a existência transcende a forma, o nome, o peso.

É a perfeição do ser desprovido,

onde a completude nasce da ausência de tudo,

e o silêncio se torna a sinfonia mais rica.

 

 

 

 

 

 

Finalmente, o Silêncio Absoluto

 

E finalmente, o silêncio absoluto, não o silêncio que esconde, mas o que revela.

Não é ausência de som, mas a ausência de todo o ruído interno,

das perguntas incessantes, das expectativas que pesam.

É a dissolução da própria mente em sua busca incessante,

um ponto de quietude que transcende a percepção.

 

É o fim das oscilações, das dualidades,

o espaço onde a paz não é oposta à inquietação,

mas a única verdade que existe.

Nesse silêncio intocado, tudo se harmoniza,

e o vazio que se auto-preenche encontra sua expressão mais pura,

uma calmaria sem ecos, sem reflexos, apenas ser.

 

 

 

RESISTÊNCIA NO LIMITE

 

Resistência no Limite

 

E a resistência no limite,

uma batalha silenciosa e inglória.

Não é força que impulsiona,

é a última reserva, o fôlego arranhado

que se nega a ceder, a desabar.

 

Os músculos tremem, a mente vacila,

mas algo insiste, algo persiste.

É a teimosia da sobrevivência,

a recusa em aceitar a derrota,

mesmo quando a vitória é apenas a não-queda.

 

Nesse ponto extremo, a dor se confunde com a inércia,

e o desejo de parar é tão forte quanto a ânsia de continuar.

É a dignidade do fio esticado,

que se recusa a se romper,

ainda que cada fibra clame por alívio.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

A TEIMOSIA DAS SEMENTES

 A Teimosia das Sementes


As sementes ignoram o impossível. 

Encostam-se à terra dura, 

silenciosas, 

e lá ficam, como promessas esquecidas.


O tempo passa, indiferente. 

O sol as observa, sem urgência. 

A chuva as visita, sem certezas. 

Ainda assim, esperam.


Num dia qualquer, 

que não era para ser, 

elas esticam seus dedos invisíveis, 

empurram o peso do mundo e rasgam o chão.


A terra, 

antes uma sentença, 

agora as embala como mãe. 

As sementes venceram, 

não pela força, 

mas pela teimosia.

ORGANIZEI MINHAS CAIXINHAS INTERNAS

 

Organizei minhas caixinhas internas

Demorei.
Mas um dia sentei comigo
e fui abrindo as gavetas da alma,
aquelas que eu fingia que não existiam.

Tinha poeira de antigas promessas,
bilhetes amassados de amores mal passados,
retalhos de silêncios guardados
como se fossem culpa.

Organizei minhas caixinhas internas
com o cuidado de quem mexe em espelhos.
Não joguei tudo fora —
guardei o que ainda pulsa,
despedacei o que já era peso.

Coloquei etiquetas invisíveis:
“não insistir”,
“ainda dói, mas passa”,
“lembrança boa, não abrir todo dia”.

Dobrei saudades com delicadeza,
separei medos por tamanho,
encaixei um futuro pequeno
entre duas esperanças de tamanho médio.

E quando fechei tudo,
não senti alívio —
senti espaço.

Agora há lugar dentro de mim
pra uma nova bagunça,
mas com mais consciência,
mais ternura,
menos pressa.


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Aqui dentro, cabe mais silêncio agora

Depois que mexi nas gavetas,
alguma coisa se alargou em mim.
Não é ausência,
é espaço.
Não é vazio,
é pausa.

Aqui dentro,
cabe mais silêncio agora —
não o silêncio da fuga,
mas o que escuta,
o que acolhe.

Silêncio que conversa com o tempo,
que não pressiona respostas,
que sabe que há dores
que só se curam no escuro.

Aprendi a não preencher tudo.
A não encher as horas de vozes,
os dias de tarefas,
o peito de urgências.

O silêncio agora é mobília:
me serve de abrigo,
de chão firme,
de ponto de respiro
no meio do mundo que grita.

E às vezes,
no meio desse silêncio novo,
escuto um som pequeno
vindo de dentro —
algo que talvez seja alegria
reaprendendo a crescer.


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Me tornei casa para mim

Depois de tanta porta batida,
de tanto teto que ruiu sem aviso,
descobri:
eu podia ser abrigo.

Sem precisar me explicar.
Sem precisar caber no desenho dos outros.
Me tornei casa para mim,
com janelas que só abro quando quero
e luz acesa no quarto da calma.

Não foi fácil —
aprendi a lixar minhas arestas,
a consertar o que ninguém via,
a pintar paredes internas
com as cores que me faltavam por fora.

Há dias em que ainda venta por dentro.
Mas hoje,
sei fechar as cortinas,
acender uma vela,
e esperar passar.

Reinaugurei meu coração
com um tapete de boas-vindas
e uma placa na porta:
“aqui mora quem ficou,
mesmo depois de tudo”.

Me tornei casa para mim.
E isso não me isola —
me prepara.
Pra receber sem perder,
pra amar sem me deixar do lado de fora.


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A chave ficou comigo

Não tranquei por medo.
Fechei por cuidado.
A chave ficou comigo
como quem aprende, enfim,
que estar aberto não é estar exposto.

Por muito tempo deixei portas escancaradas
esperando que alguém entrasse
e me dissesse quem eu era.
Hoje, sei:
quem atravessa sem bater,
às vezes, só vem bagunçar.

A chave ficou comigo.
E não é segredo,
é escolha.
Aprendi a escutar o som dos passos
antes de destrancar.

Algumas visitas, deixo no jardim.
Outras, convido pra sentar
no sofá das histórias que doem menos.

Agora sei trancar sem me fechar,
abrir sem me perder,
ficar sozinho sem me abandonar.

Carrego a chave comigo
como quem carrega um amuleto:
não pra impedir o mundo,
mas pra lembrar que eu posso voltar
quando quiser.

E isso —
essa liberdade de sair e voltar pra mim —
foi o que me salvou.

 

 


AGORA TENHO MENOS LÁGRIMAS

 

Agora tenho menos lágrimas

Não porque a dor passou,
mas porque aprendi a regá-la
com menos alarde.

Agora tenho menos lágrimas —
não por ter vencido,
mas por ter feito as pazes
com o que não sei nomear.

As que restam,
escorrem com mais silêncio,
mais densas,
mais verdadeiras.

Choro menos,
mas sinto mais.
E isso é estranho,
às vezes bonito,
às vezes só… inevitável.

Algumas dores viraram paisagem,
outras, memória organizada em caixas internas.
Já não preciso que tudo transborde
pra saber que é real.

Aprendi a respirar no meio do vendaval,
a sorrir com os olhos embaçados,
a caminhar mesmo com um nó na garganta.

Agora tenho menos lágrimas —
mas cada uma delas
conhece o caminho do meu rosto
como uma prece antiga.