domingo, 4 de maio de 2025

LINGUAGEM DOS INVISÍVEIS

 

Linguagem dos Invisíveis

É preciso atravessar
a borda de mim —
onde o espelho hesita
e o silêncio respira devagar.

Lá,
os nomes se desfazem nos ombros,
os caminhos desaprendem os pés,
e o céu, de tão ausente,
fica dentro dos olhos.

Há uma língua que me chama
sem voz,
sem pressa.
Feita de vento,
de gestos que não se tocam,
de presenças sem corpo.

Quem escuta?
Quem entende
a sombra de um pássaro
passando por dentro do peito?

Preciso me esvaziar,
me perder do tempo,
virar eco de algo que nunca vivi
mas que insiste em me sonhar.

Só então, talvez,
a estrela do meio-dia
me encontre —
e me chame
por um nome que ainda pulsa
no escuro.

A LINGUAGEM DOS INVISÍVEIS

 

A Linguagem dos Invisíveis

É preciso atravessar
a borda de si —
onde os espelhos não obedecem
e o silêncio tem forma.

Ali,
o mundo desaprende os nomes,
os mapas desmancham rios
e os céus caminham de costas.

Nesse limiar,
os que já foram
e os que ainda não são
sussurram uma língua sem vogais,
feita de vento e olhos fechados.

É a linguagem dos invisíveis:
palavras que não se dizem,
mas atravessam a pele
como sombra de um pássaro
em pleno eclipse.

Quem ousa escutar
precisa desaprender o tempo,
esvaziar-se até virar eco
de uma lembrança que nunca viveu.

Só então
a estrela no meio do dia
abre a porta do lado de dentro —
e o nome esquecido
volta a pulsar.

NA BORDA DE MIM

 NA BORDA DE MIM

(Fragmento da lenda dos Errantes Invisíveis, manuscrito da Luz Tardia)

Diz-se que há uma estrela escondida no meio do dia —
uma estrela que só os que perderam seus nomes conseguem ver.

Aqueles que foram tocados por um anjo distraído,
seres errantes que caminham ao lado de si mesmos,
vivem à margem do mundo visível:
eles não são eles.
São campos depois da colheita,
guardando silêncios e luzes que ninguém entende.

Numa dessas travessias, um deles —
chamado apenas Aquele
descobriu uma pedra no caminho.
Mas não era uma pedra qualquer.
Era um espelho mineral,
onde ele viu, pela primeira vez,
a sombra de si mesmo caminhando ao lado —
e ela tinha olhos de peixe
cheios de lágrimas que nunca caíam.

A partir desse encontro, Aquele começou a ouvir
as palavras antes caladas:
palavras que o chamavam por dentro
e por nomes que ele nunca aprendera.

A lenda diz que quem segue essas palavras
encontra o lugar onde os nomes esquecidos repousam,
e onde a estrela do meio-dia
se transforma em sol dentro do peito.

Mas para chegar lá, é preciso atravessar
a Borda de Si —
um lugar onde o mundo termina
e começa a linguagem dos invisíveis.

NA BORDA DE MIM

 

Na borda de mim

Há uma estrela no meio do dia,
mas ninguém a vê —
passou por mim um anjo distraído
e esqueceu-se do meu nome.

Sou como um campo depois da colheita,
em silêncio e luz.
Tudo é tão vasto e pequeno,
como a lágrima no olho de um peixe.

No meio do caminho tinha uma pedra,
mas era também
um espelho
onde eu vi
aquele que vai ao meu lado sem eu o ver.

Ai, palavras —
que estranha potência a vossa!
Dizem o que não vivi
e calam o que arde.

Eu,
que não sou eu,
caminho por entre nomes
e permaneço
na borda de mim.

O QUE É VERDADE

 O Que É Verdade

Porque tudo que é verdade
resistirá sempre às trevas —
não por força,
mas por raiz.

Mesmo quando soterrada,
ela respira por baixo
como semente paciente,
esperando o instante certo
de romper o chão.

A verdade não se apressa.
Ela aguenta o esquecimento,
o escárnio,
os gritos falsos
que tentam abafá-la.

Mas um dia,
ela cresce.

E alcança
o mais alto pedestal —
não para se exibir,
mas para iluminar
o que estava oculto.

E ali permanece,
não como troféu,
mas como farol:
silenciosa,
intocável,
inteira.

PRESENÇA

 

Presença

Não preciso fazer,
nem provar.
Basta ser —
inteiro,
aqui.

Presença é o milagre
de não escapar de si.

É corpo que se sabe tempo,
alma que se aceita espaço,
olhar que repousa
sem fugir do que vê.

A vida toca devagar
quando me deixo estar.

O instante deixa de passar
e começa a respirar comigo.

Não há ontem,
não há depois —
há o agora
com seus braços abertos.

E eu,
finalmente em paz,
sou só presença
no que permanece.

TRAVESSIA

 Travessia

Há caminhos que não têm nome,
mas meus pés sabem seguir.
São trilhas de dentro,
feitas de silêncio e espera.

A travessia começa
quando desisto do mapa
e confio no passo.

O horizonte não promete chegada,
mas oferece presença.

E sigo —
não por saber,
mas por sentir.

A dor caminha comigo,
mas também a esperança
vestida de céu.

Sou ponte e sou rio.
Sou quem atravessa
e quem se deixa levar.

RENDIÇÃO

 Rendição

Não lutei hoje.
Deixei o dia chegar
como se fosse amigo antigo
voltando da ausência.

Abri as mãos.
Soltei o peso de entender.

O céu não explicou nada,
mas me abraçou inteiro
com suas nuvens sem pressa.

Rendição não é desistência —
é dançar
com aquilo que não posso mudar
e ainda assim ser leve.

Fui chão,
fui brisa,
fui corpo que aceita
a alma como é.

E ali, no desapego,
me tornei inteiro.

ESCUTAR

 Escutar

Silêncio não é ausência —
é linguagem que espera.
Tudo fala
quando a alma se aquieta.

Escutar é abrir
uma fresta na pele
onde o mundo entra
sem fazer barulho.

O tempo sussurra
com vozes de pedra,
de vento,
de raízes em oração.

E dentro — bem dentro —
uma voz mais antiga
me diz sem palavras
que sou casa.

Não para o ruído,
mas para o real.
Não para o fim,
mas para o eterno instante.

RESPIRAR (CONTINUAÇÃO)

 

Respirar (continuação)

Não busco sentido —
respiro.
Como quem escuta o invisível
sussurrar entre folhas.

Há um rumor no vento
que me reconhece
sem me nomear.

Sou quase ausência,
mas inteira presença
no gesto mínimo de estar.

Às vezes, paro.
Não por cansaço,
mas por reverência
ao instante que me atravessa.

Talvez viver seja isso:
um sopro que dança
no intervalo
entre o que parte
e o que permanece.