Mistérios
meus próprios mistérios,silenciosos,
livres.
Imagens de Barra do Piraí, Estado do Rio de Janeiro... Fotos de Barra do Piraí, RJ - e DOCES POESIAS importadas de quedocespoesias.blogspot.com - Vicente Siqueira
não era
só um gesto.
não era só uma palavra.
não era só um olhar.
tudo
vinha carregado de significados:
histórias que ninguém contava,
promessas que ninguém cumpria,
feridas que ninguém via.
cada
silêncio,
cada riso,
cada recuo,
era uma carta não enviada,
uma memória adormecida,
um amor antigo escondido no bolso.
viver,
percebi,
é decifrar esses códigos invisíveis:
o que se diz,
o que se cala,
o que pesa,
o que liberta.
e no fim,
eu também carregava
meus próprios significados,
meus próprios mistérios,
minha própria verdade sem tradução.
aprendi a
dizer
com mais verdade:
menos palavras,
mais alma.
aprendi:
verdade pesa,
mas liberta.
e o que
eu dizia
voltava.
não como
resposta,
mas como ferida
ou como cura.
dependia
do que saía da minha boca.
e o que
eu dizia
voltava para mim.
não como
resposta,
não como castigo,
mas como espelho.
cada
palavra lançada
desenhava um contorno novo
em minha própria pele.
o que eu
julgava,
me julgava.
o que eu amava,
me amava.
o que eu temia,
me temia.
e assim
aprendi:
falar era também ouvir,
gritar era também confessar,
calar era também renunciar.
o que eu
dizia
não se perdia no vento —
ele fazia caminho,
dava meia-volta,
e batia na porta do meu peito.
e eu, sem
ter para onde fugir,
aprendi a dizer
com mais verdade,
com mais cuidado,
com mais alma.
e o espaço
era limpo,
como quem varre a alma
de tudo o que foi peso.
não havia
móveis velhos,
nem retratos gastos,
nem vozes demais.
só o
vazio.
só o branco.
só o respirar.
e no meio
desse espaço limpo,
o eco.
não um eco leve,
não um eco esquecido —
mas um eco com peso,
com memória,
com carne.
o que eu
dizia voltava para mim,
cheio de verdades que eu temia ouvir.
e o
espaço, tão limpo,
não escondia nada.
e o eco,
tão pesado,
não perdoava mentira.
entre o
silêncio e o som,
eu me encontrei.
e me perdi.
e me encontrei outra vez.
houve o
choro.
não disfarçado,
não negado.
chorou-se tudo:
as dores antigas,
as saudades escondidas,
as raivas sem dono.
houve o
choro —
e com ele, o desabar necessário,
o despir da alma,
o alívio bruto.
depois,
houve a cura.
não de
repente,
não com fogos de artifício.
veio como vem a manhã:
devagar,
suave,
certa.
e ali,
onde antes era só cansaço,
nasceu um espaço novo.
leve,
vivo,
possível.
houve o
choro.
e porque houve o choro,
houve a cura.
e ouvi o
choro —
não de fora,
mas de dentro.
um choro
rouco,
antigo,
feito de palavras que nunca nasceram.
e ouvi o
choro
sem medo,
sem pressa,
sem fuga.
depois,
entre uma lágrima e outra,
houve um silêncio.
um silêncio novo,
que não doía mais.
e nesse
espaço limpo,
nesse eco sem peso,
ouvi —
pela primeira vez —
a cura.
não veio
em forma de grito,
não veio em promessas brilhantes,
não veio em festa.
veio em
sussurro,
veio em leveza,
veio em mim.