quarta-feira, 22 de maio de 2013

O ABISMO EM MIM

 

O Abismo em Mim

há um lugar dentro
que não tem chão
nem nome
nem eco

não é tristeza,
é mais fundo que isso
é o que sobra
quando o mundo desliga

os outros veem pele,
sorrisos alinhados
mas não veem
o buraco onde caio
com os olhos abertos

há dias em que converso
com esse abismo
e ele responde —
com silêncio

não peço que passe
mas que passe por mim
como o vento que atravessa
e não se explica

às vezes
o abismo em mim
me escreve versos
que ninguém entende
mas me salvam

quarta-feira, 15 de maio de 2013

PAUSA PARA REVER O TEMPO

 PAUSA PARA REVER O TEMPO

doía
como se cada dobra do corpo
fosse um cotovelo encostado no vazio —
e o vazio, só meu.

o carro dormia
desligado à beira do farol
onde a pressa dos outros
era um espetáculo de partidas.

do meu posto quieto
entre o vidro e o tempo
via multidões se lançarem
como se os sinais soubessem tudo
menos o que é ficar.

tudo ali era pressa:
as pernas, os passos, os olhos baixos.
menos eu,
que era pausa
e lembrança.

havia um peso sem nome,
um suspiro sem medicina,
um querer de colo, de travesseiro antigo,
de casa de antes.

queria recomeçar
como quem chega de viagem
e encontra a porta entreaberta
com cheiro de pão e perdão.

queria que os dias
fossem assim —
sem as cores de comando dos semáforos,
sem as urgências que atropelam.

queria,
acima de tudo,
vislumbrar teu rosto de novo,
e esse teu gesto silencioso
que me pediu um tempo,
uma pausa —
sem dizer se era fim
ou volta.

domingo, 2 de setembro de 2012

DANÇA DOS ARABESCOS

 

Dança dos Arabescos

Eu via a vida em linhas retas, duras,

Um desenho funcional, sem desvios.

Cada esquina, um ângulo reto, preciso,

Sem espaço para o que não fosse direto.

A beleza, para mim, estava na clareza,

Na ausência de qualquer mistério.

 

Até que meus olhos encontraram os seus,

E você era um emaranhado de mistério e graça.

Seu sorriso, um arabesco perfeito,

Curvas que se entrelaçavam, sem começo ou fim.

Sua fala, um murmúrio de voltas e reviravoltas,

Que me puxava para um labirinto doce.

 

E foi assim que aprendi a amar os arabescos.

A beleza do que se dobra, do que se enrola,

Do que não segue uma lógica cartesiana.

No seu jeito de ser, encontrei a arte

Da complexidade que não se explica, se sente.

Aqueles traços que se perdem e se acham,

Em um balé silencioso e hipnotizante.

 

Minha alma, antes uma folha em branco para regras,

Agora quer bordar filigranas, florir em espirais.

Os arabescos se tornaram minha nova caligrafia,

Um modo de ver o mundo, de viver o tempo.

Com você, entendi que a verdade nem sempre é reta,

Às vezes, ela se esconde em curvas e floreios,

Nos desenhos intrincados da vida e do amor.

E eu, que antes os temia,

Gosto muito dos arabescos agora.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

VERSOS BORDADOS EM DIAS COMUNS

 

Versos Bordados em Dias Comuns


Eu me sento à mesa da cozinha,

o café esfriando na caneca,

e o sol da manhã tecendo padrões de luz

sobre a madeira.

É um dia comum, como tantos outros.

Não há grandes dramas, nem revelações cósmicas.

Apenas o ritmo suave da existência se desenrolando.

 

Eu observo as migalhas na toalha,

as marcas de dedos no copo,

e penso nos pequenos atos que compõem a vida.

O estender da roupa no varal,

o regar das plantas na janela,

o som do vizinho que assobia

uma melodia despretensiosa.

Nesses gestos simples, eu encontro poesia.

 

É como se cada minuto fosse um fio,

e eu, sem perceber, estivesse bordando a tapeçaria dos meus dias.

Um ponto para a conversa rápida com a senhora da padaria,

outro para o sorriso de uma criança desconhecida na rua.

Há fios de paciência, quando a espera se estende,

e fios de alegria, nos momentos de riso espontâneo.

 

Eu respiro fundo,

sinto o cheiro do sabão das mãos,

o cheiro da vida que se faz em detalhes.

Não preciso de grandes eventos para me sentir pleno.

A beleza está na repetição,

na constância das pequenas coisas que me ancoram.

No cheiro de terra depois da chuva,

no calor de um abraço rápido.

 

Minha alma encontra conforto

nesta simplicidade tecida em rotina.

Os versos se formam na mente,

não em rimas perfeitas,

mas na cadência do meu próprio pulsar.

E eu percebo que a vida não precisa ser extraordinária

para ser profundamente poética.

Basta que eu aprenda a ver,

a sentir,

a bordar.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A VOZ QUE SEMPRE FOI MINHA

 

A Voz Que Sempre Foi Minha

 

Busquei em tantos espelhos,

em ecos de outras falas,

a melodia que me definisse.

Colecionei máscaras, vesti papéis,

mas nenhuma roupagem servia.

 

Perdi-me em coros alheios,

caminhei por trilhas que não eram minhas,

e o silêncio da verdade

ficava cada vez mais denso.

 

Até que, no fundo do poço da busca,

quando desisti de encontrar,

eu a ouvi.

Não era um sussurro novo,

mas um rugido antigo,

esquecido sob camadas de medo

e expectativas.

 

Era a nota bruta,

o timbre sem filtro,

a canção que a alma cantava

antes mesmo de aprender a respirar.

A liberdade estava ali,

na ressonância desse som primordial,

que me lembrava quem sou

quando o mundo tenta me calar.

 

E agora, não há mais busca,

apenas a potência do meu próprio som,

a voz que sempre foi minha,

esperando o momento de ser ouvido,

finalmente, por mim mesmo.

 


sexta-feira, 15 de junho de 2012

FINALMENTE, O SILÊNCIO ABSOLUTO

 

Finalmente, o Silêncio Absoluto

 

E finalmente, o silêncio absoluto, não o silêncio que esconde, mas o que revela.

Não é ausência de som, mas a ausência de todo o ruído interno,

das perguntas incessantes, das expectativas que pesam.

É a dissolução da própria mente em sua busca incessante,

um ponto de quietude que transcende a percepção.

 

É o fim das oscilações, das dualidades,

o espaço onde a paz não é oposta à inquietação,

mas a única verdade que existe.

Nesse silêncio intocado, tudo se harmoniza,

e o vazio que se auto-preenche encontra sua expressão mais pura,

uma calmaria sem ecos, sem reflexos, apenas ser.

 

PESO DA INCERTEZA

 

Peso da Incerteza

 

E a incerteza, essa névoa densa

que cega os olhos e amarra os pés.

Não é leve, não é passageira,

é um fardo invisível,

uma âncora que arrasta.

 

Pesa no ar que respiro,

cada inspiração, um esforço.

Pesa nos ombros, curvos,

como se levassem o mundo

e todas as suas perguntas sem resposta.

 

É o silêncio das possibilidades,

o sussurro do "e se",

que se torna um grito no vazio.

É o tempo que se arrasta,

uma ampulheta de areia movediça,

onde o futuro não se desenha,

apenas se dissolve.

 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

LABIRINTOS

 

Labirintos

 

Sim. Meu universo interior não é um cômodo vazio onde o eco de um só passo ressoa. É antes um casarão antigo, de portas entreabertas para quartos que não se veem, labirintos de uma consciência que se dobra sobre si mesma. E ali, sentada no limiar de uma das frestas, está a que observa.

 

Ela não julga, não sentencia. Apenas fita, com uma lentidão que a própria eternidade talvez desconheça. Seu olhar, pesado de não-compreensão, desliza sobre os outros que habitam em mim. Há a que chora por uma dor que nunca foi nomeada, a que urra um silêncio insuportável, a que tece fios de ar para prender o que escorre, a que ri sem razão, com uma felicidade quase indecente para a seriedade do ser.

 

E a que observa se assombra. Como podem tantas vozes coexistir neste corpo, nesta mente que se diz "eu"? Que arquitetura insólita é essa que permite o contraditório, o avesso e o verso, sem que tudo exploda num caos de significados? A cada movimento de um desses habitantes secretos, um tremor percorre a que observa, um arrepio de reconhecimento e, ao mesmo tempo, de completa estranheza.

 

Ela não entende a lógica de suas danças, a melodia de seus murmúrios. Vê-os surgir do nada, tomarem o palco da alma por um instante e depois se recolherem às sombras, talvez para sempre, talvez para um retorno súbito. E nesse movimento de vaivém, a que observa sente o pavor gélido da descoberta: que o "eu" é uma multidão, um ajuntamento de estrangeiros com os quais nunca se fez as pazes. E que, talvez, a única verdade seja esse perpétuo e assombroso estrangeirismo de si mesma.

terça-feira, 22 de maio de 2012

CHUVA EM VERSO LIVRE

 

Chuva em Verso Livre

não chove só do céu —
às vezes desaba
de dentro pra fora

pingos escorrem das palavras
quando não sei mais dizer
onde começa o corpo
e termina o sentir

há trovões entre estrofes
relâmpagos entre vírgulas
e uma enxurrada de silêncio
lavando o que fui ontem

me deixo molhar inteiro
não por falta de abrigo
mas porque cada gota
escreve algo em mim

chuva não tem rima fixa
verso também não
ambos escorrem soltos
no tempo de existir

e se amanhã fizer sol
ainda assim serei chuva
em verso livre

SUSSURROS DA CIDADE

 

Sussurros da Cidade

As ruas falam em murmúrios,
cada esquina uma história esquecida,
o asfalto quente guarda segredos,
de amores que nasceram e se perderam.

Nos becos, a arte grita em grafites,
cores vibrantes que dançam na luz,
enquanto os passos apressados ecoam,
como batidas de um coração urbano.

O café exala aromas de encontro,
risadas se misturam ao som do trânsito,
e entre os prédios que tocam o céu,
há um espaço para sonhos e esperanças.

À noite, as lâmpadas piscam como estrelas,
sussurrando promessas àqueles que escutam;
as vozes se entrelaçam em canções,
música da vida que nunca se apaga.

E assim a cidade respira,
um organismo pulsante de histórias vivas,
onde cada sussurro é uma nota,
na sinfonia eterna do cotidiano.