domingo, 22 de maio de 2022

CIDADE EM LIMIAR

 

Cidade em Limiar

Entre o claro e o escuro
a cidade suspira
num fôlego contido
entre a noite e o dia

as luzes hesitam,
os passos desaceleram
e tudo parece esperar
algo que ainda não veio

é um espaço invisível,
um limiar silencioso
onde o tempo se dobra
e o impossível se faz possível

a cidade em limiar
é ponte e margem,
é caminho e parada,
é sonho que desperta

ali, entre sombras e luz,
encontro pedaços meus
escondidos na espera
prontos para renascer

quinta-feira, 19 de maio de 2022

LABIRINTO SEM MAPA

 

LABIRINTO SEM MAPA

não sei dizer quando começou
talvez numa tarde qualquer
quando a luz do quarto parecia errada
ou quando o silêncio das coisas
ficou mais alto que o meu fôlego

senti um não-sentir
uma vontade vaga
de sumir
mas deixando recados nos espelhos

tudo parecia um gesto inacabado
entre querer e não querer
entre ir e ficar
como se meu corpo vacilasse
numa fronteira invisível

nenhuma palavra era suficientemente funda
nenhuma ausência, suficientemente ruidosa
para explicar esse vácuo que
não cabe em poema

apenas sigo
com esse pressentimento
de estar sempre
numa espécie de labirinto sem mapa
onde até o erro parece familiar.

LUGAR DE VOLTAR

 

LUGAR DE VOLTAR

a dor não latejava
ela pairava
como uma poeira miúda
depois de um desmoronamento

na pausa entre um suspiro e outro
enxerguei as pessoas
como se fossem partes de um mesmo enjoo
passando rápidas
como quem evita perguntas

eu, ali,
num carro quieto
sem rumo
com os olhos encostados no tempo

queria que a cidade soubesse
que eu estava cansado
e que alguém me dissesse
sem pressa,
“vem, aqui é casa.”

mas o semáforo mudou
e a vida seguiu sua marcha automática
eu apenas fiquei
no desejo de recomeço
que ainda não sei como se faz.

domingo, 15 de maio de 2022

O PULSAR DA PROMESSA

 

O Pulsar da Promessa

Um rubro intenso, não de sangue ou fúria, mas da cereja madura, do sol que se derrama no horizonte.

Essa promessa pulsa, quase palpável, na quietude que precede o trovão, no brilho úmido da terra molhada.

Não são palavras emolduradas, nem juramentos ao vento. É a vibração sutil que emana do encontro de olhares, do toque breve que acende a pele.

Um instante... apenas uma fração do tempo, onde as defesas se desfazem, onde o medo se curva à certeza.

A entrega é total, um mergulho sem reservas, no agora que se expande, abolindo passados e futuros.

Nesse núcleo incandescente, onde a promessa se cumpre sem ser dita, onde a entrega floresce sem amarras, existe apenas o ser, vibrando em uníssono com a pulsação do universo.

E a lembrança desse instante, esse rubro na memória, torna-se a bússola silenciosa, guiando os passos em direção a outras entregas vibrantes.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

TAMBÉM VOU SER POETA

 

TAMBÉM VOU SER POETA 

também queria viajar,
ir e ficar
em pasárgada (sei lá).
e, pelo estatuto do poeta,
tenho direito a pagar meia passagem —
e o pagamento será feito em gramas de sonho.

rompendo as ânsias e lá chegando,
tenho direito ainda
a fixar residência
onde bem me aprouver,
desde que haja cachoeiras por perto
e libélulas gritem cantos
como cotovias,
e sabiás saibam seus ninhos nas palmeiras,
e que explodam girassóis
desde o mais tenro início de inverno,
que não poderá ser
nem muito frio
nem muito distante.

não quero que haja reis,
e sim princesas,
e rainhas brotem aos cachos
como pingo-de-ouro,
e se deixem ser amadas
por seus cavaleiros errantes
assim como eu.

e, quando eu voltar às realidades daqui,
quero ser reconhecido
pela minha eloquência embandeirada
e pela alcunha de:
“poeta, o audaz”.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

PULSAÇÃO INTERIOR

 

Pulsação Interior

Sinto em mim um compasso demorado, não a pressa da superfície, mas a batida funda da terra.

Um ritmo lento, como as ondas quebrando na praia distante, um vai e vem constante, que escapa à pressa dos ponteiros.

Uma contração do eu, o recolhimento da energia, o silêncio que precede a palavra, o instante denso antes do florescer.

E então, a expansão sutil, o desabrochar lento da consciência, o preenchimento do espaço interno, a suave irradiação do ser.

Este pulsar íntimo, essa maré interna, não se apressa, não se força, apenas acontece, em sua cadência própria.

É o respirar da alma, o bater do coração da identidade, um ciclo constante de interiorização e manifestação.

Sinto este ritmo em cada célula, na quietude dos pensamentos, na profundidade das emoções, uma dança ancestral do ser que sou.

E nesta lenta pulsação, nesta sutil contração e expansão do eu, encontro a melodia fundamental da minha própria existência.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

RECOMEÇO EM TRÂNSITO

 

RECOMEÇO EM TRÂNSITO

fiquei ali
entre o motor desligado
e a vontade de desaparecer

a cidade não me esperava
as pessoas
atravessavam a rua como se soubessem
pra onde iam

eu, não.

havia uma pausa em mim
um semáforo interno piscando amarelo
há dias
me pedindo cautela
me impedindo o passo

pensei em você
e no tempo que pediu
como quem pede troco
e vai embora antes de receber

quis voltar pra casa
mas onde é isso
se a casa era você?

meus olhos seguiram a pressa dos outros
mas meus ombros afundaram no banco
como quem sabe
que certas dores
só aliviam quando
alguém volta.

e você não voltou.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

A MÁQUINA DA ESPERA

 

A Máquina da Espera

Já não se trata mais de "se",
mas de "como".
O tempo, que sempre foi prisão e mistério,
agora se oferece como trilha —
invisível, mas mapeada
pelas equações de quem ousa sonhar com o impossível.

Michio Kaku, com seus olhos de futuro,
diz que não é mais ficção:
é engenharia.
A mesma que nos levou ao céu,
que pousou o homem na lua,
agora sussurra ao ouvido dos séculos:
"prepara-te, relógio, tua prisão vai ruir."

Buracos de minhoca, campos quânticos,
curvas da relatividade —
são os novos ventos nas velas de um barco
que navega não no mar,
mas na própria estrutura do espaço.

Falta-nos energia, dizem.
Mas quando foi que a falta
impediu o voo?
Quando foi que o medo
venceu o fogo da invenção?

A viagem no tempo talvez ainda more
nos laboratórios do pensamento,
mas o tempo —
o próprio tempo —
já se pergunta
quanto falta
para ser atravessado
não por sonhos,
mas por passos.