Velha Explosão
a vontade
de chorar
era velha.
rancorosa, quieta, esquecida.
até que
um dia
não coube mais.
rasgou
meu peito,
rompeu meus olhos,
virou rio,
virou grito,
virou nada.
e eu,
afogado em mim,
fiquei vazio
pela primeira vez.
Imagens de Barra do Piraí, Estado do Rio de Janeiro... Fotos de Barra do Piraí, RJ - e DOCES POESIAS importadas de quedocespoesias.blogspot.com - Vicente Siqueira
a vontade
de chorar
era velha.
rancorosa, quieta, esquecida.
até que
um dia
não coube mais.
rasgou
meu peito,
rompeu meus olhos,
virou rio,
virou grito,
virou nada.
e eu,
afogado em mim,
fiquei vazio
pela primeira vez.
a vontade
de chorar
já era velha,
morava quieta
no canto dos dias.
dormia
entre os dentes,
se escondia nos olhos,
fingia ser esquecimento.
mas um
dia,
sem mais disfarces,
ela explodiu.
não em
soluços pequenos,
não em lágrimas tímidas,
mas em rios —
fortes,
impossíveis,
indomáveis.
o peito
desaguou,
a alma transbordou,
o mundo inteiro ficou molhado.
e foi
nesse dilúvio íntimo
que descobri:
algumas dores não morrem,
elas esperam o momento
de virar água
e finalmente
partir.
e houve o
choro,
sem aviso,
sem piedade,
sem explicação.
um nó na
garganta
que já era velho
cansou de ser nó
e virou rio.
não era
bonito,
não era feio —
era só urgente.
o corpo
sabia,
antes da razão,
que havia algo a lavar.
e eu
deixei.
deixei a enxurrada romper,
deixei a voz falhar,
deixei o rosto se perder.
porque às
vezes o que salva
não é ser forte,
é ser água.
e naquele
instante,
eu fui água,
eu fui choro,
eu fui inteiro.
e houve a
vontade de chorar,
sem drama,
sem anúncio,
sem plateia.
só eu,
e a vontade,
sentados lado a lado,
como velhos conhecidos
que se olham e não dizem nada.
não era
tristeza de novela,
nem alegria rasgada —
era apenas um excesso de sentir,
um rio querendo transbordar
sem pedir desculpas.
houve a
vontade de chorar,
e eu não corri.
não lutei.
não escondi.
deixei o
peito ficar pesado,
deixei o tempo se arrastar,
deixei o mundo seguir
enquanto eu aprendia a ser frágil
sem vergonha.
pode ser
silencioso,
se o silêncio for o que pesa.
há vozes
que se calam
não por medo,
mas por excesso.
há gestos
que desistem da palavra
porque o eco já diz tudo.
e então,
eu me sento,
com a boca quieta,
com o peito cheio,
com os olhos gritando mares.
não há
urgência em falar,
quando o sentir transborda por si.
pode ser
silêncio,
se for verdadeiramente silêncio —
um espaço denso,
um abraço mudo,
um universo inteiro
entre um suspiro e outro.
às vezes,
o que mais pesa
não é o que falta dizer,
é o que já foi sentido
e permanece
sem precisar de som.
houve um
tempo
em que as palavras dormiam em cavernas,
medrosas do mundo,
caladas em mim.
eu andava
com o peito cheio,
mas os olhos vazios.
um semáforo interno sempre no vermelho.
até que
um dia,
uma fresta se abriu —
pequena, tímida, mas infinita —
e dela saíram
minhas vozes esquecidas:
as que
cantavam sem medo,
as que choravam sem vergonha,
as que gritavam para não desabar,
as que apenas sussurravam "estou aqui".
libertar
as vozes
é aceitar que se é
muitas.
confusas,
contraditórias,
vivíssimas.
e que ser
inteiro
é ser incompleto sem medo.
por isso,
hoje,
não amarro mais as palavras:
eu as solto,
eu as entrego,
eu as deixo viver
como vento
sobre mim.
Vicente Siqueira não escreve para explicar o mundo.
Escreve
para atravessá-lo.
Seus poemas são fragmentos de pensamento,
vertigens de sentimento,
lampejos de
silêncio.
Aqui, cada palavra tropeça,
cada ideia corre,
cada instante é uma tentativa de tocar
aquilo que sempre escapa:
o ser.
Um livro para quem já amou,
já duvidou,
já perdeu o chão — e,
mesmo assim,
seguiu
escrevendo dentro de si.
olhei pra
mim
aos sete anos,
com os joelhos ralados,
a testa quente,
e a culpa maior que o corpo.
ela
achava
que tudo era por causa dela:
a briga,
o silêncio,
a ausência.
carregou
culpas pequenas
como se fossem eternas.
e eu,
adulto agora,
quase esquecido dela,
voltei.
não com
respostas,
mas com colo.
segurei
sua mão suada,
e disse:
“você não precisava ser perfeita.”
ela
chorou.
eu também.
porque só
agora entendi
que o perdão mais difícil
é aquele que a gente se nega
desde sempre.
e naquele
abraço sem tempo,
perdoei quem fui.
deixei cair
o peso que nunca foi meu.
e pela
primeira vez,
crescer
não doeu tanto.
a mais rara e mais bela de todas
não era
ouro,
nem glória,
nem o instante perfeito congelado em fotografia.
era outra
coisa.
mais leve.
quase invisível.
feito respiração entre palavras.
talvez
fosse o momento
em que duas mãos se tocam
sem saber direito por quê.
ou o
silêncio
que não pesa —
só acolhe.
era o não
dito
que ainda assim dizia.
a lágrima que caía
sem vergonha nenhuma.
era
quando a dor se sentava
ao lado da esperança
e as duas assistiam
ao mesmo pôr do sol.
não
brilhava,
mas acendia por dentro.
não doía,
mas também não fingia.
a mais
rara e mais bela de todas
não se posta,
não se vende,
não se ensina.
só se
vive.
por segundos.
por dentro.
e depois,
fica.
—
dizem por
aí
que a distância apaga sentimento,
que o tempo arrasta tudo
pro fundo do mar da memória.
mas olha
—
essa é uma das maiores mentiras da história.
porque a
distância não apaga.
ela limpa.
ela decanta.
ela tira o barulho em volta
e deixa só o que é mesmo sentimento de verdade.
e aí,
quando tudo silencia,
eu percebo:
o que já parecia grande
é maior que um gigante.
é
presença que não precisa de presença.
é nome que ecoa mesmo quando ninguém chama.
é carinho que não precisa de motivo novo.
é amor que não entende de geografia.
o tempo
passa,
a cidade muda,
a gente finge que esqueceu —
mas o coração tem jeito próprio
de guardar o que foi puro.
e por
mais que o mundo repita
que a distância esfriou,
a verdade é que ela só me mostrou
que o teu lugar em mim
não era provisório.
era raiz.