terça-feira, 6 de maio de 2025

VELHA EXPLOSÃO

 

Velha Explosão

a vontade de chorar
era velha.
rancorosa, quieta, esquecida.

até que um dia
não coube mais.

rasgou meu peito,
rompeu meus olhos,
virou rio,
virou grito,
virou nada.

e eu,
afogado em mim,
fiquei vazio
pela primeira vez.

EXPLOSÃO ANTIGA

 Explosão Antiga

a vontade de chorar
já era velha,
morava quieta
no canto dos dias.

dormia entre os dentes,
se escondia nos olhos,
fingia ser esquecimento.

mas um dia,
sem mais disfarces,
ela explodiu.

não em soluços pequenos,
não em lágrimas tímidas,
mas em rios —
fortes,
impossíveis,
indomáveis.

o peito desaguou,
a alma transbordou,
o mundo inteiro ficou molhado.

e foi nesse dilúvio íntimo
que descobri:
algumas dores não morrem,
elas esperam o momento
de virar água
e finalmente
partir.

E HOUVE O CHORO

 

E Houve o Choro

e houve o choro,
sem aviso,
sem piedade,
sem explicação.

um nó na garganta
que já era velho
cansou de ser nó
e virou rio.

não era bonito,
não era feio —
era só urgente.

o corpo sabia,
antes da razão,
que havia algo a lavar.

e eu deixei.
deixei a enxurrada romper,
deixei a voz falhar,
deixei o rosto se perder.

porque às vezes o que salva
não é ser forte,
é ser água.

e naquele instante,
eu fui água,
eu fui choro,
eu fui inteiro.

A VONTADE DE CHORAR

 A Vontade de Chorar

e houve a vontade de chorar,
sem drama,
sem anúncio,
sem plateia.

só eu,
e a vontade,
sentados lado a lado,
como velhos conhecidos
que se olham e não dizem nada.

não era tristeza de novela,
nem alegria rasgada —
era apenas um excesso de sentir,
um rio querendo transbordar
sem pedir desculpas.

houve a vontade de chorar,
e eu não corri.
não lutei.
não escondi.

deixei o peito ficar pesado,
deixei o tempo se arrastar,
deixei o mundo seguir
enquanto eu aprendia a ser frágil
sem vergonha.

porque às vezes,
chorar não é fraqueza —
é simplesmente
um jeito de caber em si mesmo.

O PESO DO SILÊNCIO

 

O Peso do Silêncio

pode ser silencioso,
se o silêncio for o que pesa.

há vozes que se calam
não por medo,
mas por excesso.

há gestos que desistem da palavra
porque o eco já diz tudo.

e então, eu me sento,
com a boca quieta,
com o peito cheio,
com os olhos gritando mares.

não há urgência em falar,
quando o sentir transborda por si.

pode ser silêncio,
se for verdadeiramente silêncio —
um espaço denso,
um abraço mudo,
um universo inteiro
entre um suspiro e outro.

às vezes, o que mais pesa
não é o que falta dizer,
é o que já foi sentido
e permanece
sem precisar de som.

LIBERTANDO SUAS VOZES

 

Libertando Suas Vozes

houve um tempo
em que as palavras dormiam em cavernas,
medrosas do mundo,
caladas em mim.

eu andava com o peito cheio,
mas os olhos vazios.
um semáforo interno sempre no vermelho.

até que um dia,
uma fresta se abriu —
pequena, tímida, mas infinita —
e dela saíram
minhas vozes esquecidas:

as que cantavam sem medo,
as que choravam sem vergonha,
as que gritavam para não desabar,
as que apenas sussurravam "estou aqui".

libertar as vozes
é aceitar que se é
muitas.
confusas,
contraditórias,
vivíssimas.

e que ser inteiro
é ser incompleto sem medo.

por isso, hoje,
não amarro mais as palavras:
eu as solto,
eu as entrego,
eu as deixo viver
como vento
sobre mim.

PREFÁCIO

 

Prefácio

Vicente Siqueira não escreve para explicar o mundo.

Escreve para atravessá-lo.

Seus poemas são fragmentos de pensamento, 

vertigens de sentimento, 

lampejos de silêncio.

Aqui, cada palavra tropeça, 

cada ideia corre, 

cada instante é uma tentativa de tocar 

aquilo que sempre escapa: 

o ser.

Um livro para quem já amou, 

já duvidou, 

já perdeu o chão — e, 

mesmo assim, 

seguiu escrevendo dentro de si.

PERDOEI QUEM FUI

 

perdoei quem fui

olhei pra mim
aos sete anos,
com os joelhos ralados,
a testa quente,
e a culpa maior que o corpo.

ela achava
que tudo era por causa dela:
a briga,
o silêncio,
a ausência.

carregou culpas pequenas
como se fossem eternas.

e eu, adulto agora,
quase esquecido dela,
voltei.

não com respostas,
mas com colo.

segurei sua mão suada,
e disse:
“você não precisava ser perfeita.”

ela chorou.
eu também.

porque só agora entendi
que o perdão mais difícil
é aquele que a gente se nega
desde sempre.

e naquele abraço sem tempo,
perdoei quem fui.
deixei cair
o peso que nunca foi meu.

e pela primeira vez,
crescer
não doeu tanto.

A MAIS RARA E MAIS BELA DE TODAS

 

a mais rara e mais bela de todas

não era ouro,
nem glória,
nem o instante perfeito congelado em fotografia.

era outra coisa.
mais leve.
quase invisível.
feito respiração entre palavras.

talvez fosse o momento
em que duas mãos se tocam
sem saber direito por quê.

ou o silêncio
que não pesa —
só acolhe.

era o não dito
que ainda assim dizia.
a lágrima que caía
sem vergonha nenhuma.

era quando a dor se sentava
ao lado da esperança
e as duas assistiam
ao mesmo pôr do sol.

não brilhava,
mas acendia por dentro.
não doía,
mas também não fingia.

a mais rara e mais bela de todas
não se posta,
não se vende,
não se ensina.

só se vive.
por segundos.
por dentro.
e depois,
fica.

DISTÂNCIA NÃO APAGA

 distância não apaga

dizem por aí
que a distância apaga sentimento,
que o tempo arrasta tudo
pro fundo do mar da memória.

mas olha —
essa é uma das maiores mentiras da história.

porque a distância não apaga.
ela limpa.
ela decanta.
ela tira o barulho em volta
e deixa só o que é mesmo sentimento de verdade.

e aí, quando tudo silencia,
eu percebo:
o que já parecia grande
é maior que um gigante.

é presença que não precisa de presença.
é nome que ecoa mesmo quando ninguém chama.
é carinho que não precisa de motivo novo.
é amor que não entende de geografia.

o tempo passa,
a cidade muda,
a gente finge que esqueceu —
mas o coração tem jeito próprio
de guardar o que foi puro.

e por mais que o mundo repita
que a distância esfriou,
a verdade é que ela só me mostrou
que o teu lugar em mim
não era provisório.

era raiz.