segunda-feira, 19 de junho de 2023

CORRENDO EM CÍRCULOS

 

 

Correndo em Círculos

 

O caminho se repete,

o mesmo passo, a mesma pedra,

embora o cenário mude

no labirinto da cabeça.

 

As ideias voltam,

ecos de ecos,

perguntas antigas

sempre à tona,

uma fita rebobinando

o que nunca teve fim.

 

É o tic-tac da dúvida

que não se cala,

o compasso do ser

preso em sua própria jaula

de vidro transparente,

onde a saída é sempre a entrada.

 

Canso de girar em torno do mesmo,

de buscar o nó

que desata a alma,

mas encontro apenas o começo

de um novo e idêntico amanhecer.

 

E neste eterno retorno,

a única certeza

é o movimento circular,

a infinita dança

que me leva de volta

ao ponto exato

onde nunca estive.

 


 

 

quarta-feira, 24 de maio de 2023

PALAVRA PRESA

 PALAVRA PRESA

 

Esse nó na garganta, apertado e cruel,

Sufoca a voz, a fala, o pensamento.

Um peso imenso, que se faz implacável,

Em silêncio rouba a paz e o contentamento.

 

A palavra presa, em vão tenta escapar,

Mas a angústia a prende, em sua teia escura.

Um turbilhão de emoções, que se amontoam,

E a alma se debate, em sofrimento puro.

 

Lágrimas contidas, um oceano calado,

Que inunda o peito, com sua dor profunda.

A solidão se instala, em seu reino sagrado,

 

E a esperança se esvai, como fumaça efêmera e munda.

Só resta a espera, paciente e sem alívio,

Que esse nó se desfaça, em suave derretimento

terça-feira, 23 de maio de 2023

NOJO

 

Nojo

Eu tenho nojo da fome
que grita no estômago das crianças
e é calada
pela indiferença.

nojo da corrupção
que veste terno
e come o pão
de quem não tem nome.

tenho nojo da desumanidade
que transforma gente
em estatística,
da violência cotidiana
que vira trilha sonora
de quem já nem reage.

tenho nojo —
mas não me calo.
o nojo é o grito
antes da ação,
é o enjoo de um mundo
que precisa nascer de novo.

meu nojo
não é repulsa
à dor do outro.
é repulsa
de viver num sistema
que a produz
e a lucra.

há um tipo de nojo
que desperta:
ele queima por dentro,
até virar verbo,
até virar
luta.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

FRAGMENTOS DE ESPELHO

 

Fragmentos de Espelho

Eu me olho
e não me vejo inteiro
apenas partes —
reflexos partidos
em molduras sem vidro

há um pedaço de mim
no riso que invento
outro
na dor que escondo

o espelho nunca mostra
a alma em voz alta
só fragmentos
como se a verdade
não coubesse de uma vez

sou um quebra-luz
feito de cacos que brilham
mais do que se fossem lisos

e às vezes entendo:
não preciso ser inteiro
pra ser sincero
nem simétrico
pra ser belo

sou feito de estilhaços
mas cada um deles
carrega um céu

sexta-feira, 19 de maio de 2023

SÓLIDA SOLIDÃO

 

SÓLIDA SOLIDÃO

meu quarto inerte me deixa só
e o frio (estúpido) se desprende da
vidraça fechada atrás das cortinas
de cetim amarelo-doentio

em meu peito meus braços me dizem
que já não suportam o vazio
que deixas quando não vejo nem toco
teus lábios

quisera poder sugá-los
por todos os ângulos
em todos os lugares:
em minha cama
no cinema
no drive-in
em qualquer parque onde brotam
as vincas
na rua
na dura realidade do dia-a-dia
até sentir que não
morrerei
na (não nessa) solidão


Revisão alternativa (mesma base, mais crua):

meu quarto é uma caixa de ausência
o frio atravessa a cortina
como se o cetim não bastasse

meus braços, cansados,
me imploram pele
em vez do eco

teus lábios:
onde ficam quando o mundo me pesa?
quisera lambê-los de volta à existência
no escuro,
no riso,
no lugar onde brotam vincas e vontades
na rua
na cama
entre a pipoca e o pânico cotidiano

só assim, talvez,
a solidão parasse
de virar rocha dentro de mim.

O VÔO II

 

O VÔO II

cheguei
sem saber se era certo
sem saber se ainda era hora

meu corpo
um corpo ausente de certezas
andava sozinho por esteiras e corredores
como se obedecesse a outra mente
(ou outro coração)

você não estava —
mas eu reconheci seu cheiro
nas árvores baixas da saída
e na moça do balcão
que me disse “bem-vindo”
com um sorriso parecido com o teu

por um instante
achei que te veria correr
com o cabelo amarrado
e uma mochila torta
dizendo “eu sabia que você vinha”

mas não veio

então esperei mais um pouco
como quem espera o amor
na segunda chamada de um vôo cancelado

e fui embora
sem mala
sem pressa
com o eco de tua voz em meu nome
Viny
só você me chama assim
e isso ainda dói.

terça-feira, 16 de maio de 2023

LÍNGUAS DE PEDRA

 

Línguas de Pedra

A terra respira. Não com pulmões de carne, mas com o lento inchaço de montanhas erguidas sobre milênios.

Sua voz não é som, não é palavra gritada no vento. É o peso da rocha, a ruga no flanco da colina, o granito calado na base do tempo.

A língua da pedra. Gravada em estratos, em fósseis que foram vida, em minerais que guardam a memória de fogos primordiais.

É a textura áspera sob a mão, o frio ancestral que emana do coração da montanha. Cada fissura, cada veia quartzo, uma sílaba esquecida, um verso petrificado.

E o silêncio. Ah, o silêncio da terra! Não o vazio, mas a plenitude que não precisa de som. O vasto deserto sob o sol impiedoso. A floresta densa antes do amanhecer. As cavernas escuras e profundas.

É o silêncio que precede a tempestade, o silêncio que guarda segredos de Eras Glaciais, de mares que secaram, de seres que andaram por aqui e se tornaram pó.

A terra fala em línguas de pedra, com a solidez imemorial que desafia nossa brevidade.

Fala em silêncio, com a quietude profunda que nos convida a ouvir além do barulho.

Basta parar. Sentir o chão sob os pés. Ver a montanha ao longe. Estar no vasto. E a terra, então, começa a contar sua história antiga, em sua própria e silenciosa linguagem.

terça-feira, 9 de maio de 2023

CAMPONESA

 

CAMPONESA

entro em seu delírio
como se buscasse o significado
de seu corpo,
áspero pelas asperezas
que a terra lhe deixa
quando revolve a terra
em busca das tantas
fertilidades.

são tantos os caules
que cultiva,
são folhas,
são tubérculos
e outros frutos
que Gaia nos dá
após alimentá-los
em seus úberes.

entro em seu delírio,
e a memória me remete
aos banhos
no lago,
que nos refresca para o início
do momento que se
faz presente.

e não revelo quem é
nem o que cultiva,
para que tudo dure
até que o passado
se confunda
e se perca nas vontades
do futuro.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

TRANSBORDO

 

TRANSBORDO

escorri um pouco de mim
na curva do teu colo
não como quem entrega
mas como quem escapa

eram só gotas —
mas continham mapas antigos
de quando meu nome
ainda era sede

nos tocamos
como se o tempo tivesse
ficado preso na garganta

e quando pensei ter ido embora
vi que parte de mim
ficara ali
pulsando em ti

feito nascente esquecida
no meio da tua enchente.

domingo, 19 de junho de 2022

CORRENDO EM CÍRCULOS

 

 

Correndo em Círculos

 

O caminho se repete,

o mesmo passo, a mesma pedra,

embora o cenário mude

no labirinto da cabeça.

 

As ideias voltam,

ecos de ecos,

perguntas antigas

sempre à tona,

uma fita rebobinando

o que nunca teve fim.

 

É o tic-tac da dúvida

que não se cala,

o compasso do ser

preso em sua própria jaula

de vidro transparente,

onde a saída é sempre a entrada.

 

Canso de girar em torno do mesmo,

de buscar o nó

que desata a alma,

mas encontro apenas o começo

de um novo e idêntico amanhecer.

 

E neste eterno retorno,

a única certeza

é o movimento circular,

a infinita dança

que me leva de volta

ao ponto exato

onde nunca estive.