Labirintos
Sim. Meu universo interior não é um cômodo vazio onde o eco de um só
passo ressoa. É antes um casarão antigo, de portas entreabertas para quartos
que não se veem, labirintos de uma consciência que se dobra sobre si mesma. E
ali, sentada no limiar de uma das frestas, está a que observa.
Ela não julga, não sentencia. Apenas fita, com uma lentidão que a
própria eternidade talvez desconheça. Seu olhar, pesado de não-compreensão,
desliza sobre os outros que habitam em mim. Há a que chora por uma dor que
nunca foi nomeada, a que urra um silêncio insuportável, a que tece fios de ar
para prender o que escorre, a que ri sem razão, com uma felicidade quase
indecente para a seriedade do ser.
E a que observa se assombra. Como podem tantas vozes coexistir neste
corpo, nesta mente que se diz "eu"? Que arquitetura insólita é essa
que permite o contraditório, o avesso e o verso, sem que tudo exploda num caos
de significados? A cada movimento de um desses habitantes secretos, um tremor
percorre a que observa, um arrepio de reconhecimento e, ao mesmo tempo, de
completa estranheza.
Ela não entende a lógica de suas danças, a melodia de seus
murmúrios. Vê-os surgir do nada, tomarem o palco da alma por um instante e
depois se recolherem às sombras, talvez para sempre, talvez para um retorno
súbito. E nesse movimento de vaivém, a que observa sente o pavor gélido da
descoberta: que o "eu" é uma multidão, um ajuntamento de estrangeiros
com os quais nunca se fez as pazes. E que, talvez, a única verdade seja esse
perpétuo e assombroso estrangeirismo de si mesma.