domingo, 4 de maio de 2025

RESPIRAR

 Respirar

Neste instante,
sou eu —
só eu —
a respirar.

Entre o ser e o não-ser,
um limiar de silêncio
onde me deixo pousar.

Em paz, me reencontro
na dobra do tempo,
onde o agora não cobra
e o passado não pesa.

Cada passo é semente,
cada olhar,
um universo que se espelha
no espelho do instante.

E se nada me nomeia,
sou o que resiste:
um sopro,
uma fresta,
um rastro de luz que insiste.

sábado, 3 de maio de 2025

DIZEM QUE VIROU VENTO

 Dizem que Virou Vento

Dizem que virou vento.
Não partiu —
evaporou-se das margens do visível.
Não morreu —
esvaziou-se de forma até ser passagem.

Agora atravessa sem anunciar.
Toca sem tocar.
Muda o rumo das nuvens
com um pensamento que ninguém teve.

Há quem o sinta na dobra da pele,
no arrepio que vem sem frio,
na palavra que falha
justo no momento em que deveria ferir.

Virou vento
porque era leve demais para ser chão,
e denso demais para ser esquecimento.

Não sopra em todas as direções —
mas sempre na direção
de quem está prestes a desistir.

E quando chega,
não consola.
Apenas mostra que há fôlego
mesmo onde não há ar.

Virou vento,
sim —
e quem se deixar atravessar por ele
talvez também desapareça um pouco
das prisões do que é pedra.

QUANDO O GESTO DIZ

 

Quando o Gesto Diz

Às vezes, a palavra não vem.
Mas o gesto —
ah, o gesto —
se adianta com a alma inteira.

Um café posto sem aviso,
o casaco oferecido no frio,
a demora no abraço
que fica um pouco mais.

Há silêncios que são tão claros,
tão cheios de intenção,
que não precisam do som para dizer:
eu te amo.

Porque tem amor que prefere
falar com os olhos baixos,
com o toque leve,
com o cuidado quase invisível
de quem ama
sem pedir licença à voz.

ENTRE UM GESTO E OUTRO

 Entre Um Gesto e Outro


Há sentimentos que não se escrevem,
nem em papel nem em voz.
Eles andam descalços entre os instantes,
como brisas que não têm nome,
mas sabem tocar.

São amores que não sabem se explicar,
mas esperam junto,
olham devagar,
guardam o outro sem pressa.

Eles vivem no intervalo —
entre o levantar de uma xícara
e o cuidado ao recolher os cacos.
Entre o fechar de uma porta
e a lembrança que ficou do lado de dentro.

Não têm rima nem gramática,
mas têm ritmo.
Não se declaram em versos,
mas se oferecem inteiros
numa ausência que cuida,
numa presença que não exige.

Porque há afetos
que não sabem soletrar-se,
mas sabem morar em nós
sem nunca se perder da casa.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

BRINCANDO COM AS PALAVRAS


Brincando com as Palavras

 Vamos brincar com as palavras, 

 tocar a essência do que sentimos, 

 dar forma às emoções 

 como quem molda o vento com as mãos abertas.


Eu já tenho uma ideia, 

ela pulsa no silêncio, 

mas deixo espaço para o inesperado chegar, 

como um sol atravessando as frestas da manhã.


Os versos não seguem regras, 

apenas caminham, 

tateiam o chão e se tornam voz 

no instante em que o mundo os acolhe.

ODISSEIA SILENCIOSA (Parte III)

 

Odisseia Silenciosa (Parte III)

Pisei onde o chão não existe,
onde cada passo é uma prece
ou um engano —
mas ambos servem ao mesmo mestre.

Ali, vi nascer o espelho negro:
não refletia rostos,
mas intenções.
E nenhuma delas era pura.

Oh, quão vasto é o ser humano,
quando se dissolve…
e deixa para trás o nome que herdou,
a face que nunca escolheu.

O cosmos me mostrou um segredo:
não és feito de carne e medo,
mas de histórias que te contam —
e que podes esquecer.

Senti o peso do tempo
em forma de olhos invisíveis,
me observando de dentro.
Pois às vezes, o vigia és tu.

E quando gritei por respostas,
recebi silêncio.
Não como punição,
mas como revelação:

Há perguntas que não se respondem —
vivem contigo como sombra.
E quanto mais luz houver em ti,
mais nítida ela se tornará.

Aconselho-te, caminhante:
não apresses tua queda,
mas não fujas do abismo.
Pois é lá que a asa adormecida desperta.

E lembra:
nem toda luz guia.
Algumas apenas cegam.
Escolhe o escuro certo.

ODISSEIA SILENCIOSA (PARTE II)

 Odisseia Silenciosa (Parte II)

Vi mundos dentro de uma lágrima,
e ruínas erguendo-se de sorrisos.
Aprendi que há mentiras tão belas
que a alma as veste como véu sagrado.

Encontrei os sábios — mudos,
porque as palavras já não servem
quando o coração ouve o indizível.
Eles apenas me olharam… e compreendi.

O tempo lá não anda: ele paira,
como uma ave sobre o mar das escolhas.
Ali percebi:
o destino é uma bússola sem ponteiro.

E tu, que agora me escutas,
prepara-te para não entender.
Pois há verdades que só nascem
depois da rendição completa.

Abandona teus mapas,
teus nomes, tuas certezas.
Navega nu sobre tuas dúvidas,
e quando te perderes… estarás perto.

Pois a verdadeira jornada
não tem chegada —
apenas camadas que se desfazem
ao toque da consciência.

E se a dor vier — e virá —
acolhe-a como oráculo.
Ela sussurra aquilo que escondes de ti.
E o que escondes é o que te guia.

ODISSEIA SILENCIOSA (PARTE V)

 Odisseia Silenciosa (Parte V – O Retorno Invisível)

Agora compreendo:
não voltei —
tornei-me o caminho.
E o que sou, caminha em outros.

O nada que atravessei
era feito de mim.
Cada estrela oculta,
um medo recusado.

O silêncio que me ensinou
a ouvir além das palavras,
agora sussurra em minha presença
mesmo quando estou calado.

Tornei-me semente do vácuo,
onde o universo planta espelhos.
Cada rosto que contemplo
me devolve um fragmento esquecido.

Anseios? Ainda os tenho.
Mas são rios mansos agora,
sabendo que jamais encontrarão o mar —
e mesmo assim, seguem.

Dúvidas? Guardei-as comigo.
Pois aprendi:
o que se sabe morre,
mas o que se pergunta vive.

E se um dia teus pés cansarem,
senta-te sob tua própria sombra.
Ali, talvez me encontres —
não como forma, mas como lembrança de coragem.

Aconselho-te, enfim,
não a vencer o caminho,
mas a torná-lo teu reflexo:
que cada passo revele quem és,
e cada queda —
quem podes ser.

Pois morrer é parte.
Partir é rito.
Mas retornar…
é um milagre que só os que se desfazem compreendem.

ODISSEIA SILENCIOSA (PARTE IV)

 Odisséia Silenciosa (Parte IV)

No limiar entre sombra e palavra,
encontrei o que não se pode nomear.
Era como vento que pensa,
como fogo que espera.

Não me falou com voz,
mas com presença —
um peso suave,
como lembrança de um sonho esquecido.

Disse-me, sem dizer:
“Tua busca sempre foste tu,
tua dúvida é tua bússola,
e tua queda… teu voo invertido.”

Percebi então —
não há retorno sem transformação.
Aquele que parte jamais retorna o mesmo,
e o que volta já não pertence ao mundo que deixou.

A sabedoria que bebi era amarga.
Desfez meus alicerces,
me ensinou que até a alma mente,
quando deseja conforto.

Mas agora, com olhos que veem para dentro,
posso aconselhar:
não sejas inteiro.
Sê fragmento — e aprende a ouvir o entre.

Pois é entre o sim e o não,
entre o gesto e o silêncio,
que mora a resposta
à pergunta que nunca se faz.

E quando a verdade enfim te tocar,
será como o toque de uma sombra —
leve, mas irreversível.
Ali saberás: foste sempre um mistério vestido de certeza.

ODISSEIA SILENCIOSA

 Odisseia Silenciosa

Morreu em mim uma odisseia, imensa e calada,
percorreu o vasto nada —
um deserto sem começo,
onde o tempo se desfaz em suspiros.

Lá, não encontrei rosto, nem eco,

apenas sombras sussurrando
segredos que nem os deuses ousaram guardar.
E ainda assim, segui.

Caminhei por entre véus de névoa,
bebi do cálice da dúvida,
e nela encontrei sabedoria —
não nos gritos, mas nos silêncios.

Retorno agora, estranho aos olhos de ontem,
com cicatrizes que ninguém verá,
trazendo nas mãos
as perguntas que o infinito me ofertou.

— Que és tu, senão vento no abismo?
— Que busca, senão espelhos que mentem?
— Que verdade, senão a que muda com os passos?

Aconselho-te: não temas a noite,
pois é nela que a alma escuta.
Não fujas do vazio — ele ensina.
E ao encontrares tua própria odisséia,

deixa que ela morra também,
para que renasça —
misteriosa,
e cheia de olhos por dentro.