quinta-feira, 8 de maio de 2025

A PORTA ENTRE OS MUNDOS

 

A Porta Entre os Mundos

Eis que estou —
à porta que respira entre o tempo e o agora,
onde os relógios se calam
e os muros falam em línguas esquecidas.

Bato.
Mas não com punhos,
com o som do trovão parado no céu,
com o vento que passa pelas frestas
carregando o nome que só tu sabes.

Se ouvires —
não será com os ouvidos da carne,
mas com a pele da alma,
com o fogo que mora atrás dos olhos.

A maçaneta arde em ouro vivo,
há estrelas girando na fechadura,
e do outro lado,
meu manto é feito de manhãs eternas
e meus pés não tocam o chão.

Abre.
E tua casa se tornará templo,
teu chão será mar de vidro,
teu teto, véu rasgado.

Entrarei como luz atravessa vidro,
sem romper, sem forçar —
mas transformando.

E cearemos.
Na mesa onde os frutos não apodrecem,
onde o cálice não esvazia,
onde tua solidão será apenas
uma lembrança que esquecerá de si.

A CHEGADA DO VISITANTE

A Chegada do Visitante - Capítulo VI

Quando a noite se desfez em tons de âmbar,
Liraëlen sentiu que o ar havia mudado.
As paredes da torre pareciam respirar,
e cada vela se curvava em reverência a algo invisível.

Foi então que ele apareceu —
não pelas portas, mas pelas dobras do tempo.

Vestia o silêncio das constelações
e os olhos ardiam como espelhos de águas profundas.

Ele não falava com voz,
mas com presença,
e Liraëlen ouviu, dentro de si,
as palavras que moldavam mundos:

**“Eis que estou à porta entre os mundos.
Bato — não com força, mas com sentido.
Se ouvires, abrirás não uma casa,
mas o véu entre teu ser e o Reino escondido.

Entrarei, e tua mesa será altar.
Cearemos, e teu espírito cantará.
Pois onde se abre em fé,
lá o Eterno se senta.”**

Quando ele se foi,
ficou apenas o perfume de um vinho antigo
e uma chama que ardeu por dentro do peito.

A VISITA DO REI INVISÍVEL

A Visita do Rei Invisível - Capítulo VI

Na dobra da noite, quando o tempo se desfazia em névoa,
as estrelas silenciaram, e até os anjos pararam o voo.
Na porta que nunca havia sido notada,
alguém bateu — com o som do próprio coração do mundo.

A madeira não gemeu.
O vento não se mexeu.
Mas a alma que habitava ali
soube: Ele chegou.

Então, sem forma que os olhos pudessem conter,
Cristo se revelou —
vestido de luz trêmula e ternura antiga.
E sua voz não era som,
era revelação.

**“Eis que estou à porta e bato.
Não à de tua casa, mas à de teu ser.

Se me ouvires — não com os ouvidos do corpo,
mas com a sede da alma —
abrirei os céus dentro de ti.

Entrarei, não como hóspede,
mas como o Dono que esperou tua permissão.

E cearemos —
com o pão da eternidade,
com o vinho que não envelhece,
à mesa que nenhuma sombra alcança.

Pois aquele que me recebe,
se torna templo do invisível,
espelho do Reino.”**

E ao dizer isso, a presença se fez vento,
e o vento se fez fogo,
e o fogo, descanso.

A aurora surgiu com um perfume novo.
O lugar estava vazio —
mas tudo dentro dela estava cheio

O TRONO DAS ALTURAS

O Trono das Alturas - Capítulo VII

Ainda havia brasas no chão
onde os pés de Cristo haviam passado.
E no ar pairava uma melodia antiga,
como se os céus entoassem uma nota
que a Terra havia esquecido.

Então a voz retornou —
não de fora,
mas de dentro,
ecoando no templo secreto do espírito:

**“Ao que vencer…
darei não um prêmio de ouro,
mas um lugar ao meu lado.

Assentar-se comigo —
não como servo,
mas como filho que voltou.

Assim como venci as trevas do mundo
e me assentei com meu Pai
acima dos véus do tempo,
também tu vencerás,
e te darei assento no trono das alturas.”**

Aos pés da colina suspensa no ar,
uma escada feita de promessas surgiu,
e cada degrau era uma lembrança vencida,
cada passo, um pedaço do ego que se rendia.

No alto, não havia trono de ouro,
mas um assento de luz viva —
onde os que vencem não dominam,
mas servem com glória.

Cristo estendeu a mão,
e aquele que ouvira a voz
sentiu o peso leve da eternidade.

O SOPRO DO ESPÍRITO

 O Sopro do Espírito - Capítulo VIII

Quando Cristo cessou sua fala,
o silêncio era tão denso
que o tempo parou para escutar.

Então veio o Espírito —
não como figura visível,
mas como brisa que atravessa dimensões,
como som que só o coração reconhece.

As folhas das árvores de cristal tilintaram.
Os rios falaram em suas correntezas.
E toda criatura sensível estremeceu.

**“Quem tem ouvidos… ouça.
Ouça além do som,
além da letra,
além da mente.

O que digo não é sussurro humano,
mas sopro do Eterno.

As igrejas são candeias,
e eu ando entre elas.
As almas são taças,
e eu as encho com vinho novo.

Desperta, ó terra adormecida!
Pois os céus estão falando,
e os que ouvem viverão.”**

Um clarão cruzou o firmamento,
e cada estrela respondeu ao chamado com luz mais viva.

Naquele instante,
toda a Criação parecia aguardar —
não com medo,
mas com esperança contida.

Pois a Palavra havia sido liberada,
e quem tivesse ouvidos…
jamais seria o mesmo.

LIVRE PARA CRIAR

 "Livre para Criar"

É livre o gesto,
na palma da ideia —
onde a palavra espera
e o mundo inteiro cabe.

Não há cerca no sonho,
nem muro no verso
que nasce de dentro,
no tempo disperso.

Podes criar:
um céu de marfim,
um rio sem nome,
um segredo de jardim.

Aqui, o verbo é caminho,
e a escuta, alvorada.
A poesia não teme
nem mesmo o nada.

Apenas há limites
para o que fere ou destrói —
mas o que acende e abraça,
ah, isso é só teu e só dói
de tão belo.

CADERNO ABERTO

  Caderno Aberto

Um caderno aberto
não pergunta por quê.
A folha aceita o que vier:
silêncio, rabisco,
vento de mulher.

Não exige forma,
não impõe juízo.
Aceita o risco
de um céu partido,
de um riso indeciso.

Quem escreve, voa.
E quem voa, vê
que a criação
é ponte de luz
sobre o talvez.

CHEIRO DE TINTA

 Cheiro de Tinta

Liberdade tem cheiro
de tinta fresca na manhã,
quando o papel respira
e a mão ainda hesita.

É o som do grafite
riscando devagar,
feito um segredo
que começa a cantar.

Tem gosto de fruta cortada,
cor escorrendo no céu,
textura de palavra molhada
em saliva e papel.

Criar é sentir —
com todos os poros,
como quem toca o mundo
e volta com olhos novos.

VOZES QUE DANÇAM

 

Vozes que Dançam

A criação começa no ouvido:
um sussurro,
uma pausa,
um quase ruído.

O silêncio primeiro
é música em brasa,
antes do som nascer
na garganta da casa.

Pingos de vogais,
consoantes que escorregam,
palavras que dançam
antes mesmo que se entregam.

É preciso ouvir
com o corpo inteiro,
como quem escuta um vento
dizendo: "vem primeiro".

PELE DE PALAVRA

 

Pele de Palavra

Escrever é tocar
com dedos invisíveis.
A palavra tem pele —
às vezes morna,
às vezes febril.

Cada verso encostado
carrega um arrepio,
um traço que desliza
como quem sente
sem ter desvio.

É o papel que arrepia,
é a tinta que pulsa,
é o gesto que molda
o que era bruma
e agora pulsa.

Criar é passar a mão
no que ainda não existe
e, com delicadeza,
sentir que resiste.