sábado, 24 de maio de 2025

BRINCAR DE DEGUSTAR VERSOS

 Brincar de degustar versos

Hoje, não quis resolver o mundo.
Quis apenas brincar
de degustar versos,
como quem prova
pedaços de tarde
em colherinhas de silêncio.

Deixei que uma palavra
derretesse na língua
como fruta madura.
Deixei que outra escorresse
pelo céu da boca
e tocasse o paladar
da lembrança.

Verso bom,
é aquele que não se engole com pressa.
É o que insiste em ficar,
entre um gole de céu
e um pensamento que ainda ferve.

Brincar de degustar versos
é como comer o tempo com as mãos:
sem etiqueta,
sem pressa,
sem culpa.

E quando acaba,
a gente lambe os dedos
do sentido,
esperando o próximo poema
surgir do fundo da alma
como um sabor inventado

sexta-feira, 23 de maio de 2025

QUANDO ESCAPA DAS MÃOS

 Quando Escapa das Mãos

Acontece que tem horas
que não dá mais pra controlar tudo.
o copo escorrega,
o pranto também.

as palavras não obedecem,
os ponteiros não respeitam,
e o coração —
ah, o coração —
lateja no ritmo que quiser.

tudo que era plano vira poeira,
agenda vira rabisco,
promessa vira vácuo.

a gente tenta manter a pose,
sorriso de mercado,
resposta automática,
mas o corpo entrega:
o suspiro mais fundo,
o olhar que demora
na janela.

há um limite secreto
entre o “tá tudo bem”
e o “não tô conseguindo”.
quando se cruza,
não tem senha,
não tem manha,
só o vazio
que se espalha.

e então,
ou a gente desaba,
ou começa, enfim,
a respirar de verdade.
.

AGORA JÁ É HOJE

 Agora já é Hoje

de manhã a gente acorda
da pseudo-noite-de-sono —
o travesseiro não descansou por nós.

dentes rangem, o tempo pisa,
o corpo sobe no carro
como quem entra num tanque vazio,
olhos mareados, horizonte seco.

o rádio fala de trânsito,
de um acidente na via marginal,
de alguém que não voltou.
ninguém volta mesmo.

dirigir é mirar no nada
e torcer pra não desmontar.
se mirar demais,
desaba.

o portão da empresa engole a gente.
o primeiro que chega,
com uma voz de velório embutido no crachá,
diz:

— Meus sentimentos.

a gente engole.
não os dele,
os nossos.

porque hoje,
como ontem,
ninguém sabe bem o que perdeu.
mas sente.
e segue.

CAMINHO DAS ESTRELAS

 

Caminho das Estrelas

Andei por trilhas ocultas
onde o céu toca a terra
e estrelas sussurram segredos
em línguas antigas

cada passo é uma constelação
desenhando mapas
para corações perdidos
buscando o brilho da alma

não há pressa nesse caminho
só o compasso lento
de quem entende que o tempo
é um fio de luz a guiar

sob o manto infinito
do universo silencioso
encontro a verdade simples:
sou feito de estrelas

FEITO MARÉ II

 

Feito maré

Diz que foi, mas nunca parte,
deixa a sombra nos degraus.
Vai-se embora feito arte,
mas retorna nos finais.

Sopra leve pela fresta,
fala baixo no quintal.
Feito noite que não resta,
toma tudo, é temporal.

E eu, feito porto, espero —
mesmo quando fecho o cais.
Toda ausência tem mistério
de quem volta e quer demais.


SE TIVER, EU PREFIRO

Se Tiver, Eu Prefiro

 

O sol entrando pela fresta da cortina

e me acordando devagar, sem sustos,

antes do despertador.

Se tiver, eu prefiro


SOBRE A LIBÉLULA (Bailarina de Vidro e Vento)

 

Bailarina de Vidro e Vento

(Sobre a Libélula)

 

Não prende a pressa seu voo breve,

a libélula, instante cintilante,

risca o ar líquido que a envolve.

 

Olhos de caleidoscópio atento,

captam o espectro fugaz do agora,

em cada faceta, um novo momento.

 

Asas de mica, quase nada, puro

reflexo efêmero do sol que finda,

dança no espaço, leve e seguro.

 

Não teme a mudança, o ciclo veloz,

emerge da água, veste outra cor,

renova a vida em cada novo nós.

 

Não busca raízes, o peso do chão,

prefere o éter, a brisa que a leva,

leveza solta, pura canção.

 

E quando a sombra alonga o capim,

repousa breve, joia translúcida,

guardando a magia que reside em si.

 

Assim a libélula nos inspira,

a ver a beleza no transitório,

a abraçar a mudança que nos mira.

SOBRE A TARTARUGA (A Vida em Casco Lento)

 

O Tempo em Casco Lento

 (Sobre a Tartaruga)


O asfalto pulsa, pressa vã,

enquanto o tempo, em seu museu vivo,

rasteja em pedra, ancestral manhã.

 

Não sente o tic-tac, nem o alarido,

a tartaruga, mestre do compasso

que a pressa ignora, o medo tem banido.

 

Seu casco é mapa de eras passadas,

rugas de musgo, histórias do chão,

em cada escama, jornadas pausadas.

 

O mundo corre, um rio veloz,

ela medita, ilha de quietude,

onde a sabedoria encontra sua voz.

 

Não busca o troféu, a meta final,

mas o caminho, cada folha e grão,

a vida plena, em ritmo ancestral.

 

E quando a noite veste o céu de anil,

recolhe a alma em seu abrigo forte,

sonhando tempos de um futuro sutil.

 

Assim a tartaruga nos acena,

lembrando a força que reside em ser,

não em correr, na calma que serena.

quinta-feira, 22 de maio de 2025

DESINSTALEI A REALIDADE

 

Desinstalei a Realidade

deletei o despertador
e o cinza das segundas
desativei notificações de urgência
e o boletim do caos

saí do grupo da ansiedade
arquivei a pressa
formatei memórias que doíam
em silêncio de nuvem

me reinstalei
em pixels de poesia
em cafés que não esfriei
em olhos que não desviei

sem wi-fi com o mundo
mas com sinal forte no peito
vivo em modo avião
navegando dentro

desinstalei a realidade
pra fazer download
de mim

FEITO MARÉ (Letra para Música)

 Feito Maré

(letra para música)

(Intro instrumental leve)

Verso 1
Diz que vai, mas deixa rastro
No silêncio dos vitrais
Feito brisa em tom de passo
Vai embora e volta mais

Verso 2
Sopra leve pela fresta
Senta à beira do quintal
Nem pergunta, nem protesta
Só me invade, natural

Refrão
E eu, que fecho os olhos cedo
Me descubro no teu cais
Toda ausência tem um cheiro
De quem volta e quer demais

Verso 3
Traz o sal da tua ausência
E um perdão sem avisar
Feito mar sem paciência
Vem bater no mesmo lugar

Refrão final
E eu, que já sabia o enredo
Finjo crer que é nunca mais
Mas meu peito vira enredo
De quem volta e quer demais