terça-feira, 22 de maio de 2012

CHUVA EM VERSO LIVRE

 

Chuva em Verso Livre

não chove só do céu —
às vezes desaba
de dentro pra fora

pingos escorrem das palavras
quando não sei mais dizer
onde começa o corpo
e termina o sentir

há trovões entre estrofes
relâmpagos entre vírgulas
e uma enxurrada de silêncio
lavando o que fui ontem

me deixo molhar inteiro
não por falta de abrigo
mas porque cada gota
escreve algo em mim

chuva não tem rima fixa
verso também não
ambos escorrem soltos
no tempo de existir

e se amanhã fizer sol
ainda assim serei chuva
em verso livre

SUSSURROS DA CIDADE

 

Sussurros da Cidade

As ruas falam em murmúrios,
cada esquina uma história esquecida,
o asfalto quente guarda segredos,
de amores que nasceram e se perderam.

Nos becos, a arte grita em grafites,
cores vibrantes que dançam na luz,
enquanto os passos apressados ecoam,
como batidas de um coração urbano.

O café exala aromas de encontro,
risadas se misturam ao som do trânsito,
e entre os prédios que tocam o céu,
há um espaço para sonhos e esperanças.

À noite, as lâmpadas piscam como estrelas,
sussurrando promessas àqueles que escutam;
as vozes se entrelaçam em canções,
música da vida que nunca se apaga.

E assim a cidade respira,
um organismo pulsante de histórias vivas,
onde cada sussurro é uma nota,
na sinfonia eterna do cotidiano.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

MARÉS E AREIAS

 

Marés e Areias

 

Havia uma urgência em cada passo,

Uma pressa em conquistar, em reter.

Eu colecionava instantes como quem guarda joias,

Achando que a força do querer detinha o fluxo.

O futuro era um castelo, o presente, sua construção.

 

Mas a vida, em sua sabedoria silenciosa,

Sussurrava verdades pelas frestas.

Tudo leva tempo.

A semente se faz flor no seu compasso,

A montanha se ergue em milênios de paciência.

Cada riso, cada lágrima, cada entendimento,

Tem sua própria maré para subir e descer.

 

E então, o reverso da mesma moeda:

O tempo leva tudo.

Leva a euforia do auge, a dor do adeus,

O brilho intenso das promessas,

O peso das mágoas mais antigas.

Transforma faces, amacia as dores,

Desfaz o que parecia imutável como areia na correnteza.

 

É a dualidade inescapável da existência.

O tempo que constrói com fibra e delicadeza,

É o mesmo que dissolve, que transforma, que liberta.

A grande lição não está em lutar contra seu curso,

Mas em aprender a surfar em suas ondas.

A aceitar que o que fica, fica com outra forma,

E o que se vai, deixa um espaço para o novo.

 

Não é sobre perder, mas sobre o eterno fluir.

Tudo leva tempo, para ser e para se tornar.

E no final, o tempo leva tudo,

Mas deixa a essência, a alma da experiência,

Gravada na memória de quem aprendeu

A dançar com a sua inexorável passagem.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A POESIA ESCONDIDA NO CAFÉ DA MANHÃ

 A Poesia Escondida no Café da Manhã


Eu acordo e o sol já espia pela janela,

um filete dourado sobre o tapete.

O cheiro do café coando,

um perfume morno e convidativo,

já preenche o ar da cozinha.

É o início.

É o primeiro verso do dia.

 

Eu pego a caneca preferida,

pesada e familiar nas minhas mãos.

O vapor que se eleva,

desenha nuvens efêmeras no ar frio da manhã.

Eu adiciono o açúcar, o leite,

cada movimento, um ritual.

Sinto o calor na palma,

a promessa de um despertar.

 

A primeira golada,

um amargo suave que se espalha,

despertando os sentidos adormecidos.

O crocante da torrada,

o doce da geleia,

cada textura, cada sabor,

um pequeno milagre no paladar.

Não é apenas alimento,

é o alimento da alma.

 

Eu observo as bolhas na superfície do café,

o reflexo distorcido do meu próprio rosto.

Nesse momento de quietude,

eu me reconecto.

Com o presente, com o simples fato de existir.

Não há pressa, não há urgência.

Apenas o fluxo lento da vida se desdobrando,

colher por colher, gole por gole.

 

A poesia não está nos grandes feitos,

mas nos detalhes quase invisíveis.

No barulho suave da colher batendo na porcelana,

na luz que dança na xícara,

na paz que inunda a casa antes que o mundo acorde.

É a oração silenciosa do novo dia,

escrita no vapor que sobe,

na energia que se renova,

na poesia escondida no café da manhã

terça-feira, 13 de setembro de 2011

APÓS O PONTO FINAL

 

Após o Ponto Final

 

A tinta seca.

O silêncio engole a frase.

Um respiro, talvez.

 

O que vem depois?

Não a próxima palavra,

mas a reverberação.

 

Um eco no vazio,

a sombra de uma ideia

que se desfaz no ar rarefeito.

 

Nas entrelinhas do nada,

pulsa o não-dito,

o quase-pensamento.

 

Ali, oculto,

o germe do que poderia ter sido,

ou o pó do que nunca existiu.

 

É o espaço entre os átomos,

a pausa antes do som,

o lugar onde o sentido se dissolve

e a ausência se manifesta.

 

Uma tela em branco,

onde o olhar busca contornos,

formas que nunca se concretizam.

 

Apenas a promessa de um sussurro,

a bruma de um esquecimento,

a leveza do que não tem peso,

e se perde,

além do ponto final.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

DEDICATÓRIA

 

Dedicatória

Para os que amaram e calaram.
Para os que viram o amor passar de mão dada com o passado.
Para os que ainda escrevem cartas que nunca serão enviadas.


A GEOMETRIA DOS POETAS

 

A Geometria dos Poetas

Ela me chamava de “meu poeta”,
com aquele jeito de quem sabe o que a palavra carrega.
Eu a chamava de tempestade mansa.
O grupo de poesia era o nosso refúgio,
uma casa sem paredes.

Agora, ela chega com outro.
E tudo dentro de mim desmorona em silêncio.
O poema se reescreve por dentro.
Sem caneta.

domingo, 19 de junho de 2011

GRITAR EM SILÊNCIO

 

Gritar em Silêncio

 

Há um grito que não fura a garganta,

nem estilhaça o vidro da janela.

Um som que explode no avesso da alma,

mudo para o mundo, mas ensurdecedor para quem o habita.

 

Ele nasce nas profundezas,

onde as palavras se esvaem

e a dor é pura forma, sem verbo.

É a urgência de ser visto,

de ser ouvido,

sem que nenhum músculo se mova.

 

Os olhos ardem por dentro,

a pele pulsa com a violência contida,

e o corpo, paradoxalmente,

encontra sua mais alta expressão

na imobilidade e no som zero.

 

É a voz primordial da existência,

aquela que dispensa eco e plateia,

que se manifesta no espaço ínfimo

entre o desejo e a impossibilidade.

Um grito só meu,

livre de ruídos,

totalmente puro,

totalmente real.

 


quinta-feira, 16 de junho de 2011

AGORA É BASTA

 AGORA É BASTA

(Revolta Presente)

 

O "não" ecoa, mas não me surpreende mais.

Não há recuo, nem virada em direção contrária

à minha natureza, ao que me faz ser.

Seu "não" retumba, mas não me cala.

O eco que outrora tamborilava no ego desnudo

Hoje é grito que rasga o silêncio.

A contundência da recusa não me dispersa,

Não me torna nuvem passageira,

Mas sim tempestade que se forma,

Um catálogo de sentimentos que não mais reprimo.

A irritação transborda, a mágua salta aos olhos.

Nesse olhar que antes me desprezava,

Agora há o fogo da minha própria revolta.

Não mais aceito, não mais me rendo.

É basta.

 

 

E NESSE BASTA, A TERRA TREME

 

Porque essa revolta não é um mero surto.

Ela brotou do solo árido de anos de silêncio,

Adubado pela paciência esgotada e pela esperança pisoteada.

Não é de ontem, nem de hoje.

É a explosão de uma semente que teimava em não morrer,

Mas que agora, em vez de flor, se fez vulcão.

Não há mais "nuvem passageira" para dissipar a dor,

Só a rocha em erupção, o magma que queima e transborda.

E se antes meu ego era desnudo e calado,

Agora ele se veste de fúria e de verdade.

O desprezo que percebi no seu olhar,

Hoje se reflete no espelho da minha própria determinação.

Não é só um basta dito, é um basta sentido até a alma.

É a quebra da corrente, a libertação do silêncio,

A voz que por tempo demais foi sufocada,

E que agora, finalmente, explode

quarta-feira, 15 de junho de 2011

A PAZ ALÉM DO DESCANSO

 

A Paz Além do Descanso

 

E a paz além do descanso, um estado que transcende

o simples alívio de um peso que se vai.

Não é a quietude que sucede a tempestade,

mas uma ausência de necessidade,

onde o anseio e a busca se dissolvem.

 

É a serenidade que não depende de sono,

nem de pausas, nem do fim de uma jornada.

É o ponto onde a consciência se aquieta,

livre dos ecos do passado, das promessas do futuro.

Uma leveza indescritível,

que não é a ausência de peso, mas a ausência de esforço.

 

Nesse lugar, a existência apenas é,

sem a urgência do tempo, sem a pressão do desejo.

É a dissolução da própria busca,

a descoberta de que a paz não é um destino,

mas o próprio vazio preenchido de si mesmo.