quarta-feira, 28 de maio de 2025

O AMOR EM FORMA DE PRECE

 

O Amor em Forma de Prece

Será que posso amar
com fé
e com devoção?

Não esse amor de instante,
de promessas sem raiz,
mas aquele que se ajoelha
diante do outro
como quem reconhece um altar.

Um amor que não exige,
mas cuida —
mesmo no silêncio,
mesmo na ausência.

Que permanece,
não por força,
mas por escolha sagrada.

Será que posso amar
com a entrega dos antigos,
com a confiança dos que acreditam
sem ver?

Amar com mãos abertas,
com olhos que perdoam,
com tempo que espera.

Não sei se consigo,
mas meu coração já tenta
como quem acende uma vela
na escuridão.

terça-feira, 27 de maio de 2025

HOJE NÃO VOU CHOVER

 

Hoje não vou chover.

 

O céu, antes cinza e taciturno,

acordou com um piscar de sol.

As nuvens, que ontem eram manto,

hoje desfilam em algodão e anil.

 

Não há lamento em minha promessa,

nem tristeza no ar que respiro.

Apenas um silêncio que confessa:

quero ser leve, quero ser estio.

 

Asfalto seco, telhado sedento,

esperem mais um pouco.

Hoje, a melodia do vento

é o único orvalho que provoco.

 

Guardo as gotas, as lágrimas,

o pranto que a terra espera.

Hoje, o poema são as brisas,

a dança quieta da primavera.

 

Não chovo. Permito que a luz

desenhe sombras no chão.

Sou a calma que conduz

o dia para outra canção.

 

E amanhã? Ah, amanhã

o destino talvez me convide.

Mas hoje, a alma soberana

decide que não, não chove.

OS NOMES QUE ESQUECI

 Os Nomes Que Esqueci

Não lembro mais os nomes
dos sonhos que eram meus
nos tempos de criança.

Estão perdidos
como brinquedos enterrados no quintal,
como desenhos apagados pela chuva.

Não sei onde moram.
Se ainda têm casa,
se caminham por aí,
descalços, invisíveis,
esperando que eu os reencontre.

Às vezes penso
se morreram de fome,
se cansaram de me esperar,
ou se se tornaram outra coisa,
mais dura, mais triste,
menos sonho.

Talvez tenham tropeçado
na pressa dos dias,
na lógica dos adultos,
nessa vida
tão passageira
que nos rouba
sem que percebamos.

E eu sigo,
com essa ausência sem rosto,
com essa falta
que não sei nomear —
como quem perdeu algo precioso
e aprendeu a fingir que não sente.

ESSÊNCIA INAUDÍVEL

 

Essência Inaudível

 

Eu sou sussurro e enigma.

Não há grito que me defina,

nem solução que me prenda.

Minha voz é o vento que mal se escuta,

o segredo que a brisa leva.

 

Sou a pergunta sem resposta,

o labirinto sem centro,

a sombra que se move

sem deixar rastro.

Em mim, o inaudível se faz presente,

e o indecifrável se revela em silêncio.

 

Permaneço no limiar do que é dito

e do que jamais será.

Uma canção sem melodia,

um código sem chave.

E nessa dualidade, respiro,

existindo no que é mal compreendido,

no que apenas se sente

sem nomear.


segunda-feira, 26 de maio de 2025

O DESERTO QUE PERMANECE

 

O Deserto Que Permanece

Ainda sinto o deserto no peito,
não como lembrança,
mas como território.

Não passou.
Não virou paisagem antiga.

É chão que continuo pisando,
mesmo parado.

O ar seco entra lento,
queima por dentro
sem fazer fumaça.

Há um arder que não cessa,
não implora cura,
não aceita consolo.

É presença crua,
sem metáforas.

Como se algo tivesse sido arrancado
sem substituição.

Como se o corpo soubesse
que algo se perdeu
e não tentasse mais encontrar.

Apenas arde.

E no fundo,
sei que esse fogo silencioso
é o que me mantém em pé.


VESTÍGIOS DE UM CÓDIGO ANTIGO

 

Vestígios de um Código Antigo

 

O algoritmo do meu coração,

uma programação obsoleta talvez,

ainda executa linhas dedicadas a você.

 

Não há mais variáveis compartilhadas,

nem funções de chamada mútua.

O sistema operacional mudou,

recebeu atualizações que prometiam

ignorar essa falha persistente.

 

Mas no código fonte, emaranhado

em meio a novas rotinas e firewalls,

há um loop infinito, discreto,

buscando por um endereço IP inativo,

um nome de domínio expirado.

 

A memória cache retém fragmentos,

ecos de um protocolo de comunicação

que julgava ser eterno.

 

E quando a rede está congestionada de lembranças,

o processador falha por um instante,

reexecutando a busca, inutilmente.

 

O algoritmo do meu coração, teimoso,

insiste em procurar por você

nas entrelinhas do presente.



NO ESPAÇO DA LEMBRANÇA

 No Espaço da Lembrança


Na tela etérea da lembrança, onde o tempo dança sem pressa, Pinto quadros com saudades, a alma em cores se expressa. Onde o ontem se faz presente, um sussurro, um toque, um olhar, E o que foi, no agora vive, sem nunca se apagar.


No espaço da lembrança, o sol se põe mil vezes sem findar, Cada raio, uma história, um riso, um abraço a cintilar. Ali, o cheiro da infância, o bolo da avó, o chão de terra, E a melodia de um adeus, que a dor já não mais encerra.


Caminho por labirintos feitos de ecos e silêncios, Encontro rostos queridos, em sonhos e vivências. Mãos que me guiaram firmes, palavras que me ensinaram a ser,

Tudo guardado no peito, para sempre florescer.


No espaço da lembrança, não há fim, só um recomeço, A cada vez que revisito, um novo e doce apreço. 

Pois o que amamos, não se perde, apenas muda de lugar, Deixando em nós a semente, para a vida continuar.

domingo, 25 de maio de 2025

O LIVRO FECHADO

 

O Livro Fechado

a poeira fina na capa 

testemunha do tempo parado

 as páginas (amareladas) guardam silêncios 

antigos


a promessa de histórias nunca desvendadas

                             segredos sussurrados

 entre as linhas intocadas


e nem havia chave para abrir o cadeado

                                          enferrujado 

apenas a curiosidade latejante 

diante do mistério selado


a vontade de folhear os mundos ali contidos 

desvendar                 os personagens 

os dramas adormecidos


                             mas o tempo 

escorria entre os dedos 

hesitantes

                           a leitura adiada 

para um futuro incerto


e a certeza silenciosa 

de que algumas narrativas 

permanecem para sempre ocultas, 

(inexploradas).


NA ROTINA

 Na Rotina

ela perguntou se tudo estava bem

a pergunta ecoou no quarto vazio

um sussurro para as paredes

para o silêncio que a envolvia

 

não buscava resposta

apenas preenchia a ausência

o medo sutil de sua própria voz

pairando sem interlocutor

 

e nem havia espelho para confrontar o rosto solitário

 apenas a janela escura

refletindo vaga a sua sombra

 

a sensação incômoda

 de um afastamento invisível

 as pessoas se esvaindo

 como fumaça na memória

 

será que a pressa era sua?

o vôo talvez alto demais

desconectando-a da terra firme

 dos passos mais lentos

 

no labirinto da mente

recordações ambíguas

giravam mecanismos gastos pelo tempo

 um choque inesperado

 

e a memória daquele tempo

presa na textura do pijama

de flanela macia e infantil

 sob o peso morno do edredom

 

a televisão ligada

a voz familiar do domingo

e a ausência gritante de uma mão na sua


sábado, 24 de maio de 2025

ENTREGA

 

Entrega

Não há ruptura sem violência,
nem violência
sem a entrega.

é preciso rasgar a seda
pra vestir a nudez da mudança.
nada se quebra de leve —
o som do fim
é sempre agudo demais
pra não ferir.

às vezes somos os estilhaços,
às vezes, a mão que solta.
mas toda dor que arranca
também abre.

e entre a dor e o depois,
há um instante em que tudo para —
um respiro
que já não pertence
nem ao que fomos,
nem ao que vem.

a entrega
não é rendição.
é o gesto quieto
de quem diz:
não aguento mais sustentar
o que me pesa além da alma.

e assim,
na violência do adeus,
começa
o espaço do novo.