terça-feira, 6 de maio de 2025

DE LONGE

 de longe

mesmo querendo te abraçar no final
e comemorar o teu sucesso
como quem torceu em silêncio desde o começo,
eu fico quieto.
parado no canto da plateia,
boca cheia de aplauso contido,
coração meio descompassado.

não é inveja,
nem amargura.
é só que
eu não me sinto parte.

não da festa,
nem da conquista,
nem do caminho até aqui.
parece que criei um enredo onde
minha cena foi cortada na edição final.

e tudo bem.
às vezes a gente ama de fora mesmo.
de longe.
com os olhos.
com uma prece baixa.

porque estar feliz por você
não apaga a ausência que ficou em mim.
mas acalma.

e talvez isso seja o que restou
— e talvez
seja o suficiente por hoje.

PROBLEMA MEU

 problema meu

eu sei.
isso é um problema meu,
inteiramente meu.
fui eu que li mapas onde você só rabiscou distraída,
fui eu que dei nome a ruas que não levavam a lugar nenhum.

então,
antes que o refrão recomece,
antes que a ponte musical me iluda de novo,
eu prefiro fugir no final da canção —
mesmo querendo ficar.

não por orgulho,
não por drama,
mas porque aprendi a não insistir em danças
onde só eu conheço os passos.

meu adeus vai ser baixo,
como quem sai de fininho
de uma festa onde ninguém notou que chegou.

e tudo bem.

no repeat da memória
vou lembrar mais do que foi bonito
do que do silêncio entre uma estrofe e outra.

porque, no fundo,
algumas canções são feitas pra tocar só uma vez.
e isso não tira delas a beleza
— só a ilusão de que durariam pra sempre.

TALVEZ EU ME DÊ UMA IMPORTÂNCIA

 

talvez eu me dê uma importância

talvez
eu me dê uma importância na sua área afetiva
que você nunca me deu.

talvez
eu more em um cômodo do seu coração
que nem existe.
talvez eu tenha inventado a chave,
a porta,
e até a planta da casa.

talvez
eu tenha lido sorrisos como sinais,
mensagens como promessas,
silêncios como espaço reservado.

no fundo,
talvez você só tenha me deixado passar,
como quem segura o elevador pra alguém estranho —
educado, mas sem destino comum.

talvez eu tenha feito altar
onde você só estendeu a toalha do café.
talvez eu tenha sonhado à beça
num campo onde você só encostou pra descansar.

e tudo bem.
não é erro seu.
não é maldade minha.
é só desencontro de sintonia —
a velha arte de supor reciprocidade
em ondas diferentes.

talvez eu me dê uma importância
que não tenho.
mas olha:
a minha parte foi sincera.
e às vezes, isso basta
pra seguir em paz.

ONDE DESAGUAR

 

Onde Desaguar

Ninguém viu quando me tornei sombra,
nem quando o silêncio me vestiu.
Fui partícula esquecida no véu do tempo,
uma pergunta à deriva no escuro.

Havia em mim o relâmpago contido,
o grito que nunca encontrou eco.
Mas o abismo me ensinou a escorrer,
e eu desaprendi o fogo.

Agora sou um rio manso,
onde desaguar não é fim,
mas rito secreto de retorno
àquilo que nunca se foi.

Nas minhas margens, as vozes se curvam.
Nas minhas águas, a dúvida dorme.
Quem me toca, perde os nomes.
Quem me segue… se esquece.

Sou o caminho que não leva,
a calma que engana,
a promessa que sussurra:
“Vem — e desfaz-te.”

ONDE DESAGUAR - Parte II

 Onde Desaguar — Parte II

Sou o que resta quando tudo se vai.
A última brisa depois da tempestade esquecida.
Carrego em mim os segredos dos que partiram
sem dizer adeus,
e os suspiros dos que ficaram… calados.

Não me busques em mapas.
Sou desvio, sou margem que some.
Meu leito é feito de ecos,
e minhas águas sabem o que tu negas.

À noite, os astros se curvam sobre mim
como olhos antigos, vigilantes.
Sabem que não sou o rio —
sou o sussurro que o rio aprendeu a guardar.

E aqueles que ousam mergulhar
não voltam os mesmos.
Voltam com o olhar vazio de certezas
e o coração cheio de perguntas.

Pois em mim, não se nada —
desliza-se.
E todo aquele que tenta conter-me
é levado…
para dentro de si.

ONDE DESAGUAR - Parte III - O Fim Que Se Dissolve

 

Onde Desaguar — Parte III - 

(O Fim que Se Dissolve)

Fui tormenta, fui vertigem.
Hoje, sou apenas fluidez.
Mas não te enganes com minha calma —
há relâmpagos dormindo no fundo.

Agora sou um rio manso,
mas levo impérios soterrados,
memórias que afundaram sorrindo
e nomes que o tempo esqueceu pronunciar.

Às vezes, no silêncio entre duas margens,
sinto tua presença —
como se fosses feito da mesma ausência que me molda.
Talvez sejas também água disfarçada de corpo.

Desagua em mim, se ousares.
Não como quem busca um porto,
mas como quem aceita o naufrágio
como forma de voo.

Pois eu não ofereço chegada,
nem consolo,
nem forma.

Apenas o eterno desdobrar do mistério
que és tu
encontrando a si mesmo,
num espelho que escorre.

HORIZONTES FECHADOS

 

Horizontes Fechados

Bateu em todas as portas
com mãos feitas de esperança antiga.
Chamou pelos nomes esquecidos,
sussurrou promessas que ninguém lembrava.

A estrada era longa,
mas seus pés já sabiam do peso da espera.
Levava consigo mapas desenhados com lágrimas,
e a memória de um sol que nunca nasceu.

Em cada encruzilhada,
erguia os olhos como quem pergunta ao céu.
Mas o céu…
ficava mudo.

E então,
quando o último caminho parecia cintilar,
quando a alma se curvou no gesto final,
encontrou apenas horizontes fechados.

Não grades.
Não muros.
Mas um mundo que se negava a abrir os braços.

Ainda assim, permaneceu.
Não por teimosia,
mas porque às vezes,
a própria espera é uma forma de fé.

E no silêncio do que não se alcança,
há quem descubra
que certos portais não se abrem —
eles se tornam.

HORIZONES FECHADOS - PARTE II - O Espelho Velado

 

Horizontes Fechados — Parte II
O Espelho Velado

Havia vento,
mas ele não levava.
Havia luz,
mas ela não aquecia.
E no chão, nenhum rastro além do seu.

Sentou-se diante do horizonte fechado,
como quem escuta uma porta por dentro.
Não pediu mais.
Não gritou.

Fez do próprio corpo um abrigo,
e da ausência, um idioma novo.

Ali, entre não-passos e não-respostas,
algo cedeu —
não fora, mas dentro.

Como se o que buscava não estivesse à frente,
mas atrás do olhar.
Como se o horizonte,
tão fechado,
fosse apenas o reflexo do que ainda temia abrir.

E então, pela primeira vez,
não quis ir.
Quis permanecer.
Quis ver se a chave não era ele mesmo.

HORIZONES FECHADOS - PARTE III - A Chave que Respira

 Horizontes Fechados — Parte III

A Chave que Respira

Quis ver se a chave não era ele mesmo.
E ali, onde todos os caminhos negavam passagem,
voltou-se para dentro
com olhos que ainda não sabia usar.

Despiu-se dos nomes,
das vontades herdadas,
das perguntas vestidas de certezas.

Ficou nu diante do mistério.
Não para vencê-lo,
mas para deixar que o mistério o visse —
sem defesas,
sem disfarces.

E então percebeu:
os horizontes não estavam trancados.
Estavam espelhados.

Fechavam-se, sim —
mas apenas para quem batia com força,
para quem pedia uma estrada que não era sua.

Quando enfim se calou,
quando a busca cedeu lugar à escuta,
uma fresta respirou no horizonte.
Não um portal.
Não um milagre.
Mas uma brisa.

E foi o bastante.

Pois quem se torna chave
não precisa mais de portas.
Atravessa com o gesto,
com o silêncio,
com o simples estar.

hORIZONTES FECHADOS - PARTE IV

 

Horizontes Fechados — Parte IV
Olhos Não Sabidos

Começou a ver
com os olhos que não sabia usar.
Não os da carne —
mas os que nascem
quando tudo o que é visível
falha.

Olhos feitos de escuta,
de entrega,
de não querer entender.

Com eles, o mundo não era mais forma,
mas sopro.
Não era caminho,
mas presença.

E as coisas que antes pareciam inertes —
pedras, sombras, silêncios —
revelaram-se cheias de intenção contida.
Como se tudo estivesse esperando
que ele visse diferente,
e não mais… como antes.

Percebeu que o horizonte nunca fechara.
Ele apenas esperava o olhar certo,
o que não força,
o que não exige,
o que apenas… reconhece.

E com esses olhos,
viu que havia portas por toda parte.
Algumas feitas de vento.
Outras, de memória.
E uma — a mais sutil —
feita do próprio tempo em que ficou.